Acórdão nº 622/22.9T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução02 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente no Lugar ..., ..., em ... (aqui Recorrente), propôs o presente processo especial de insolvência, relativo a BB (aqui Recorrido), dado como residente na Rua ..., em ..., ..., pedindo que: · o Requerido (BB) fosse declarado em estado de insolvência, sendo ainda aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno; · e fosse reconhecido um crédito dele próprio sobre o Requerido (BB), no valor de € 69.877,64, sendo o mesmo graduado nos termos e para os efeitos previstos no art. 98.º, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas [1].

Alegou para o efeito, em síntese, ter um crédito sobre o Requerido (BB) de € 69.877,74 (sendo € 40.831,90 a título de capital e € 29.045,74 a título de juros vencidos), já judicialmente reconhecido e executado sem êxito; e ser o mesmo ainda devedor perante outras entidades, nomeadamente à Fazenda Nacional, no valor de € 14.950,24.

Mais alegou encontrar-se o Requerido (BB) insolvente (mercê da anterioridade de créditos vencidos e da ausência de bens susceptíveis de penhora), tendo-se porém furtado à devida e respectiva apresentação.

1.1.2.

Frustrada a citação do Requerido, dispensada a sua audição, proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença (aqui se dando por integralmente reproduzida), em 06 de Setembro de 2022, onde, nomeadamente: se declarou a insolvência do Requerido (BB); se decretou a imediata apreensão de todos os seus bens; e se designou o prazo de trinta dias para reclamação de créditos.

1.1.3.

Em 20 de Setembro de 2022, o Insolvente (BB) veio requerer a exoneração do passivo restante.

Alegou para o efeito, singelamente, reunir as condições para o efeito; e estar disposto a observar todas as condições exigidas nos termos do art. 236.º, do CIRE.

1.1.4.

O Requerente (AA) e a credora P..., S.A.

opuseram-se à concessão do benefício de exoneração do passivo restante.

Alegaram para o efeito, em síntese, ter o Insolvente (BB) violado o seu dever de apresentação à insolvência, já que: esta já existiria há, pelo menos, 10 anos (face ao seu passivo elevado e à inexistência de bens ou possibilidades de o satisfazer); e o Insolvente tinha conhecimento dessa situação, estando indiciada a existência da sua culpa na respectiva criação ou agravamento.

Não foi arrolada qualquer prova.

1.1.5.

A Administradora de Insolvência nomeada apresentou o relatório previsto no art. 155.º, do CIRE (aqui se dando por integralmente reproduzido), onde defendeu: ser «notória a situação de insolvência e a insuficiência de valores ativos face ao Passivo acumulado»; ascender o «valor dos créditos a liquidar (…) ao montante de 2.646.524,13 €»; e, «não havendo por parte dos Credores ou qualquer legitimado que apresente um Plano de Insolvência», dever ocorrer «o encerramento dos presentes autos por insuficiência de massa nos termos do art.º 232.º do CIRE».

Não se opôs, porém, ao deferimento do benefício de exoneração do passivo restante.

1.1.6.

Foi proferido despacho, declarando encerrado o processo de insolvência por insuficiência de bens, declarando o carácter fortuito da insolvência e admitindo liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) No caso dos autos, sendo o requerente da insolvência pessoa singular não impendia sobre si o dever de apresentação à insolvência (art.º 18.º, n.º 2 do CIRE). No entanto, mesmo não estando obrigado a apresentar-se à insolvência, importa ainda assim apurar se, tendo-se abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da insolvência, houve prejuízo para os credores, e se sabia, ou não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica (art.º 238.º, n.º 1, al. d), do CIRE).

Ora, os autos são escassos quanto a essas informações, pouco se sabendo sobre a situação económica e financeira do insolvente, ainda assim sabe-se que foi sócio e gerente das sociedades A..., Lda e C..., Lda., as quais exerciam a sua atividade comercial na área da construção civil, ali sendo responsável pela gestão e execução das obras; e que fruto da crise financeira vivida à data dos factos, as referidas sociedades foram confrontadas com problemas financeiros, nomeadamente, por força do incumprimento de determinados clientes, o que invariavelmente conduziu a que estas entrassem em incumprimento junto dos seus fornecedores e parceiros comerciais, encontrando-se encerradas há muitos anos. Conclui-se assim que, efectivamente, a dificuldade do insolvente de solver os seus débitos já decorre há alguns anos. Porém, mesmo que estas dificuldades tenham mais de seis meses desde à data em que foi declarada a sua insolvência, não parece que, por si só, se possa retirar que daí tenham resultado quaisquer prejuízos para os credores, não deixando de salientar que se tem exigido que os prejuízos que para os credores advêm da demora na apresentação à insolvência sejam significativos e que sejam concretamente demonstrados pelo administrador da insolvência e pelos credores, e, para esse efeito, releva o prejuízo que, decorrente do atraso na apresentação, coloca o credor numa situação sensivelmente mais gravosa do que aquela que teria se o devedor se apresentasse pontualmente à insolvência, sendo certo, porém, que nada disso foi invocado, e muito menos demonstrado.

Quanto aos restantes requisitos, o pedido de exoneração foi apresentado dentro do prazo, sendo que, por outro lado, não consta do processo qualquer informação no sentido do insolvente ter fornecido por escrito, nos últimos três anos, com dolo ou culpa grave, informações falsas ou incompletas sobre a sua situação económica com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza.

Não existe também qualquer informação de que o requerente já tenha beneficiado, nos últimos dez anos, da exoneração do passivo restante, não existindo também informação nos autos que indicie a existência de culpa do requerente na criação ou agravamento da sua situação de insolvência e, por fim, do certificado de registo criminal constata-se que não tem antecedentes criminais.

Assim sendo, não subsistindo motivo que fundamente, nos termos previstos pelo art.º 238.º do CIRE, o indeferimento liminar da pretensão formulada, cumpre proferir despacho nos termos do disposto no art.º 239.º do mencionado diploma legal.

Entretanto, terá de atender-se à situação económica e financeira do respectivo agregado familiar e às despesas com habitação, alimentação, electricidade, gás, água, transportes, vestuário e saúde – neste ponto atendendo-se aos parcos elementos de prova apresentados pelo próprio insolvente, tendo-se porém em atenção o teor do relatório entretanto elaborado ao abrigo da previsão do artº 155.º do CIRE.

Nessa conformidade, determina-se que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação prevista pelo art.º 242.º-A do CIRE, o rendimento disponível do insolvente – que corresponderá àquele que ultrapasse o valor de 1 SMN – fique cedido à Sr.ª Administradora, que vai investida na condição de Fiduciária e ao qual vai conferida a tarefa de fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que sobre este impendem, com o dever de informar os credores em caso de conhecimento de qualquer violação .

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Requerente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse o despacho recorrido.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): A - Vem o presente recurso interposto do douto despacho inicial de exoneração do passivo restante ao devedor BB, decisão com a qual o credor, ora recorrente, discorda, e, por isso, propugna a sua revogação B - Entende o Recorrente que, in casu, a fundamentação do despacho recorrido se mostra contra a Lei e insuficiente, em termos tais que não permitem ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da mesma, pelo que, o despacho recorrido é nulo, por força do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

C - Da leitura da decisão recorrida não resulta que se tenha efectuado qualquer apreciação crítica ou jurídica decorrente de factos que concretamente se tenham apurado, limitando-se o Tribunal a remeter para os elementos constantes dos autos.

D - Na decisão a proferir, deve o Tribunal realizar uma análise crítica das provas produzidas, visando a formação da convicção através de um processo racional, alicerçado e, de certa maneira, objetivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da justiça.

E - Em suma, desconhece-se nos seus termos essenciais o percurso lógico que foi feito pelo Mm.º Juiz a quo, no sentido de conceder a exoneração do passivo restante ao devedor.

F - Ora, salvo melhor opinião, a concessão da exoneração do passivo restante ao devedor importa uma cabal explicação sobre os factos que levaram o julgador a decidir pela exoneração e não pela sua recusa, não se compadecendo com uma simples remissão para os elementos constantes dos autos.

G - Até porque dos mesmos resulta precisamente o contrário, como supra se demonstrou.

H - O que...

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