Acórdão nº 2443/12.8TBGMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BARROSO CABANELAS
Data da Resolução02 de Março de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: Por despacho de 25 de novembro de 2022 foi decidido alterar o rendimento disponível para toda a quantia mensalmente auferida que exceda o triplo da retribuição mínima mensal garantida vigente em Portugal.

Mais foi decidido, ao abrigo do disposto no artº 243º, nº1, alínea a), do CIRE, aplicável ex vi artº 244º, nº2, do CIRE, recusar a exoneração do passivo restante requerida pelo aqui recorrente.

Inconformado com a decisão, o insolvente apelou, formulando as seguintes conclusões: PRIMEIRA CONCLUSÃO A. Entende o Tribunal a quo que a falta de entrega das quantias objeto de cessão impediram a Exma. Senhora Fiduciária de distribuir valores pelos credores de modo a satisfazer os seus créditos, com evidente prejuízo para estes e decidiu autonomamente recusa a concessão da EPR, nos termos da al.a) do nº1 do art.243º, pois não cumpriu aquilo a que estava obrigado, pelo menos, com negligência grave.

  1. Verifica-se o desfasamento de interpretação histórico do Tribunal a quo, já que a recente Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, reforça a posição dos devedores.

    SEGUNDA CONCLUSÃO A. A julgadora comete um pecado jurídico capital, uma vez que decidiu sem ter legitimidade para o efeito, já que nenhum credor lhe requereu tal decisão.

  2. O Tribunal a quo só pode intervir se algum credor o requerer, em tempo e devidamente fundamentado, o que não aconteceu.

  3. In casu, os credores nada disseram, motivo pelo qual o Juiz deve cingir a sua atividade judicante à circunferência de poderes que o legislador insolvencial, na autorictas da sua potestas de conformação, lhe atribuiu nesta sede, ou seja, de mero verificador dos pressupostos do mecanismo em causa.

  4. Pelo que, não se encontram, de todo, preenchidos os pressupostos para a recusa da exoneração, ao contrário do que entende e sentencia o Tribunal a quo.

  5. Aliás, andou mal o Tribunal a quo quando refere que essa violação impossibilitará a Exma. Senhora Fiduciária (…), momento de distribuição pelos credores reconhecidos os valores que lhe deveriam ter sido entregues, com evidente prejuízo para aqueles, porquanto, quem tem de alegar e comprovar o prejuízo dos credores são os próprios, pois, no entendimento do recorrente, o Tribunal não tem tal função e/ou legitimidade.

    Mais: perante a ausência de qualquer alegação dos credores, a julgadora devia ter concluído que estes entendiam que os seus interesses não foram prejudicados.

    (Sublinhado nosso) F. Nesta senda, o próprio Tribunal a quo fez uma interpretação conclusiva sem demonstrar comprovar o que quer que seja, muito mais quando nenhum dos credores chorou nos autos o seu prejuízo.

  6. Mais de referir, que apesar do tribunal se pronunciar sobre a equiparação do SLM, entende o tribunal como rendimento disponível a quantia de três salários mínimos mensais, H. Ora se pergunta, consegue-se viver na ... com dignidade com três salários mínimos I. Consegue fazer face as despesas devidamente elencadas? J. Despesas, essas que não sequer foram valoradas; K. Não obstante de terem sido devidamente traduzidas.

    L. Contrariamente ao referido.

    TERCEIRA CONCLUSÃO A. Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do nº1, do artigo 244 o Juiz deve recusar a exoneração se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las. O que não se verificou in casu.

  7. O devedor sempre cumpriu os deveres que estava adstrito-.

  8. Nem toda e qualquer violação das obrigações impostas ao insolvente, como corolário da admissão liminar do pedido exoneração, releva como causa de revogação do benefício: a lei é determinante em exigir, de um aspeto, que se trate de (1) uma prevaricação dolosa ou com culpa grave e, cumulativamente, de outro, que (2) tenha prejudicado a satisfação dos credores da insolvência. A doutrina adiciona a estes dois requisitos um terceiro: o da (3) existência de um nexo causal entre a conduta dolosa do insolvente e o dano para a satisfação daqueles créditos.

  9. Embora se conceba, sem dificuldade, que a violação dos deveres do insolvente- v.g. o de entregar ao fiduciário o rendimento disponível- possa resultar da inobservância de um dever de cuidado, a verdade é que a lei não contenta, para tornar licita a recusa da exoneração, com a mera negligência: exige o dolo ou a negligência grave. Todavia, nenhum dos dois se verifica nos presentes autos, sendo certo que não foram alegados quaisquer factos que integrem o dolo ou a culpa grave do recorrente; o que há são meras afirmações conclusivas da Meritíssima Juiz a quo e estas, já o sabemos, constituem res nullius.

  10. A violação, com dolo, da obrigação que vincula o insolvente há de provocar um resultado: a afetação relevante da satisfação dos créditos da insolvência. Não é suficiente um prejuízo insignificante, o qual terá de ser avaliado em termos proporcionais aos interesses em causa (arts.243º al.a) e 244º nº2 in fine do CIRE). A relevância desse prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência deve ser aferida, como regra, de harmonia com um critério qualitativo que apela à censura da conduta e não em função do quantum que não foi pago por conta dos créditos sobre a insolvência, já que este apela ao...

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