Acórdão nº 16/23.9GGPTG-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO DIAS
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.

O peticionante, que se identifica com o nome de AA, através do seu Advogado, requereu esta providência de Habeas Corpus (ao abrigo do art. 222.º, n.º 2, al. b), do CPP), alegando ser arguido no inquérito n.º 16/23.9GGPTG, tendo sido detido ilegalmente em 13.02.2023, embora com a identificação do seu irmão mais novo BB, com o qual é parecido, pedindo, em consequência, a sua imediata restituição à liberdade.

Para tanto, invoca, em síntese, no que aqui interessa, o seguinte (transcrição sem negritos, nem sublinhados): 1. No pretérito dia 13 de fevereiro de 2023, o aqui Arguido viajava em direção a ... tendo a sua marcha sido interrompida, por volta das 23 horas e 30 minutos, no âmbito de uma operação de controlo rodoviário organizada pela Guarda Nacional Republicana[1].

  1. No âmbito dessa operação os órgãos de polícia criminal da G.N.R (doravante, OPC) dirigiram-se ao mesmo pedindo os seus documentos, os quais o Arguido não logrou encontrar porque não estavam na sua posse, sendo que em seguida, sem qualquer razão, a não ser o facto de o arguido ser estrangeiro e desconhecer a língua e a lei portuguesa, revistaram-lhe o interior do seu veículo.

  2. No banco traseiro do veículo encontrava-se uma mala que continha pertences pessoais do Arguido, e ainda os documentos de identificação do seu irmão mais novo BB; no porta-bagagens do veículo encontrava-se uma caixa de cartão selada com fita-cola.

  3. Os militares da GNR espalharam os bens que se encontravam na mala no banco traseiro pelo pavimento da estrada e encontraram os documentos de identificação que pertencem ao irmão mais novo do Arguido.

  4. Nesta senda, abriram - sem qualquer auxílio, pedido ou intervenção por parte do Arguido – a fita-cola que vedava a caixa que se encontrava no porta-bagagens do veículo, tendo sido descoberto produto estupefaciente que estava nesta acondicionado.

  5. Importa mencionar que nenhum dos militares da GNR que contactou com o Arguido naquela noite falava alemão, a sua língua materna, nem sequer falavam inglês, pelo que qualquer tentativa de comunicação encontrava-se logo frustrada a priori.

  6. Os militares da GNR identificaram o Arguido através da referida documentação apreendida em nome do seu irmão mais novo com o qual, de facto, é parecido.

  7. O Arguido ainda disse ao militar da GNR que se chamava AA, todavia, não lhe foi atribuída qualquer credibilidade, pois quando afirmou que o seu nome era AA, aquela autoridade policial não lhe deu qualquer atenção a este facto, ignorando-o por completo, eventualmente poderão até nem ter compreendido por não dominarem qualquer língua estrangeira.

  8. Estando em total estado de choque por estar a ser detido e por não compreender de forma alguma a língua portuguesa, e assim, não conseguir comunicar completa e integralmente com os militares da GNR, o Arguido teve receio de desmentir perante autoridade judiciária a identidade que lhe foi atribuída – a identidade do seu irmão mais novo – sob pena de sofrer represálias adicionais àquelas que já sabia serem esperadas.

  9. Nunca durante as revistas e buscas policiais foi concedido qualquer intérprete ao Arguido, nem sequer lhe facultado qualquer documento traduzido do que lhe foi transmitido ou das diligências levadas a cabo.

  10. A estes factos acresce que, quando mais tarde, para efeitos de Tribunal, foi questionado acerca da língua em que pretendia prestar declarações, o Arguido esclareceu que pretendia que fosse na língua alemã por ser a sua língua materna (alemão) e, assim, aquela na qual se conseguiria expressar de forma completa e clara.

  11. Deste modo, o Arguido aguardou por mais de uma hora para que fosse encontrado um intérprete de língua alemã para estar presente no 1.º Interrogatório.

  12. Todavia, quando finalmente foi encontrado um alegado intérprete, verificou-se que o mesmo não era fluente em alemão, tendo o mesmo chegado a dizer ao Arguido que não era capaz de traduzir um documento que se encontrava em português, para a língua alemã, o que desde logo condicionou totalmente a comunicação entre o Arguido e o Tribunal.

  13. Com efeito, foi levado a cabo um acto judicial – 1º interrogatório de Arguido detido, o qual, com o devido respeito, tratou-se de uma mera formalidade, sem conteúdo material, e sobretudo em manifesta derrogação dos mais elementares direitos de defesa do Arguido, na medida em que o Arguido teve de se contentar com um tradutor que se expressava em inglês e nem sequer de forma fluente.

  14. Assim, o Arguido que desde o primeiro momento quis colaborar, primeiro com as autoridades policiais e depois com o Tribunal, dentro das suas limitadas possibilidades atenta a barreira linguística, não conseguiu exprimir nem dizer o que pretendia sobre os factos.

  15. Isto porque a factualidade que lhe foi imputada nem sequer foi integralmente compreendida pelo Arguido – desde logo por a mesma lhe ter sido deficientemente traduzida em língua inglesa que não era bem dominada pelo intérprete, nem é a língua materna do Arguido.

  16. Em momento algum foram traduzidos para a sua língua materna os documentos elaborados, seja auto de notícia, seja a indiciação dos factos que lhe são imputados, seja mesmo a decisão judicial que lhe determinou a medida de coação mais gravosa de prisão preventiva.

  17. Pelo que, manifestamente, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, entende-se que a prisão preventiva decretada é ilegal.

  18. Para a matéria releva o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 20.12.2018[2]: “1 – A Directiva, nº 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Outubro de 2010 relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal tem aplicação directa em Portugal desde 28-10-2013. A Directiva nº 2012/13/EU relativa ao direito à informação, tem igualmente aplicação directa em Portugal desde 02-06-2014. 2 - Aquela primeira estabelece em simultâneo:- um catálogo de “minimum rights” de compreensão da linguagem falada e escrita no processo para qualquer cidadão confrontado com qualquer tribunal no espaço comunitário; e - um conjunto de obrigações mínimas comuns vinculando os Estados na disponibilização do direito à informação/interpretação/tradução de forma gratuita na UE. (…) 7 - A Directiva 2010/64/UE consagra dois direitos conceptualmente distintos, provenientes de uma mesma intenção: o direito à interpretação e o direito à tradução, englobados sistemáticamente num só direito. O nº 1 do artigo 1º é de uma cristalina simplicidade: «A presente directiva estabelece regras relativas ao direito à interpretação e tradução em processo penal e em processo de execução de mandados de detenção europeus.» 8 - A previsão legal é agora clara e abrangente. Estatui o nº 2 do...

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