Acórdão nº 01800/22.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município ...

veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 14.12.2022, pela qual foi julgada totalmente procedente a providência cautelar intentada pela T... Lda, para suspensão da eficácia do acto do Município, de 04.05.2022, que declarou nulo o acto de licenciamento praticado em 21.01.2021 e ordenou a cassação do respectivo alvará, bem como do acto que determinou o embargo de obra em 01.09.2022.

Invocou para tanto, em síntese, que houve erro de julgamento da matéria de facto, tendo-se dado como provado facto que não se deveria ter dado como provado, e houve erro de direito, ao julgar verificados os requisitos para a concessão da providência requerida, quando não se verifica qualquer deles, no seu entender.

A Recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

* Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. OBJECTO DO RECURSO A.

O presente recurso vem interposto da sentença proferida a 14 de Dezembro de 2022, pela qual foi deferida a providência cautelar requerida pela T..., determinando a suspensão do ato que declarou nulo o ato de licenciamento e ordenou a cassação do respectivo alvará, assim como do acto que determinou o embargo de obra, abrangendo a decisão sobre a matéria de facto e sobre a matéria de Direito.

  1. DO RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO B.

    O primeiro dos lapsos incorridos pelo Tribunal a quo resulta da determinação, como provado, do facto constante do ponto 12. do probatório, nos termos do qual “[a] Requerente celebrou cinco contratos promessa de compra e venda de frações autónomas previstas no projeto de licenciamento em causa nos autos”, tendo por base os documentos n.º ...7 a ...1 juntos com o r.i..

    C.

    Este é, relembre-se, o único facto dado como provado susceptível de fundar, em abstracto, um juízo positivo quanto à verificação de uma situação de facto consumado ou à produção de prejuízos de difícil reparação; nenhum dos demais danos invocados pela Recorrida foi considerado pelo Tribunal.

    D.

    Malgrado a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a verdade é que os documentos n.ºs ...7 a ...1 juntos com o r.i. não permitem a prova cabal de que foram efectivamente celebrados cinco contratos-promessa de compra e venda destinados à venda de fracções integrantes da pretensão urbanística da Recorrida. Trata-se, tão-só, de documentos particulares, outorgados em contravenção com o disposto no n.º 3 do artigo 410.º do CC.

    E.

    Uma vez que as assinaturas apostas nos documentos referidos não foram objecto de reconhecimento presencial, o Recorrente impugnou expressamente a sua genuinidade ao abrigo do disposto no artigo 444.º do CPC, não tendo a Recorrida demonstrado a veracidade dos mesmos.

    F. Não tendo a Recorrida feito prova da genuinidade daqueles documentos, nem tendo aquela sido notificada para o efeito pelo Tribunal a quo, não podia este valorar aqueles documentos nos termos em que o fez, uma vez que não resulta documentalmente provado, ao contrário do que se afirma na sentença, que foram celebrados cinco contratos-promessa de compra e venda pela Recorrida.

    G. Assim, em cumprimento do ónus de alegação previsto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA: iv) O Tribunal a quo errou ao dar como provado o facto constante do ponto 12. do probatório, nos termos do qual se dá como assente que “A Requerente celebrou cinco contratos promessa de compra e venda de frações autónomas previstas no projeto de licenciamento em causa nos autos”; v) Devendo o facto em questão ser dado como não provado, o mesmo não resulta demonstrado por qualquer dos elementos probatórios que constam dos autos; vi) Em consequência, deve ser eliminado da decisão sobre a matéria de facto o ponto 12. e todo o seu teor.

  2. DOS ERROS DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA E A PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO i) Da não verificação do requisito do fumus boni iuris H. Ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, a ocupação indevida da parcela sub judice é de molde a fundamentar a decisão de declaração de nulidade da licença emitida ao abrigo da al. c) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA.

  3. Perfilhar o entendimento sufragado pelo Tribunal na sentença recorrida implicaria o esvaziamento do estatuto jurídico do património imobiliário, vedando à Administração a impossibilidade de exercer meios de auto-tutela para a conservação daquele. Isto quer no caso de se estar perante um imóvel integrado no domínio privado, quer se esteja em face de um bem do domínio público.

    J. Quando em causa esteja um bem afecto à consecução do interesse público - como é o caso dos autos e, em geral, de qualquer imóvel do património do Município - a sua utilização e ocupação indevida e abusiva será nula - excepção feita aos casos em que tenha havido desafectação do bem da sua destinação pública -, podendo o Município, nesse caso, declarar essa nulidade no exercício dos poderes-deveres de tutela a que se encontra adstrito.

    K.

    A nulidade do acto sindicado surge, precisamente, não como pressuposto, mas como consequência das característica de incolumidade e inalienabilidade, justificando, portanto, o exercício dos poderes-deveres de auto-tutela referidos - é precisamente porque se está perante um bem do domínio municipal, indisponível pela sua natureza, que vai pressuposta a invalidade dos actos jurídicos praticados que tenham por objecto esse imóvel e, bem assim, a possibilidade de adopção de medidas coactivas de cessação da ocupação ou utilização indevidas.

    L.

    Se se nega à Administração, como o faz o Tribunal a quo, a possibilidade de exercer os poderes-deveres a que aquela se encontra vinculada, designadamente pela declaração de nulidade de actos por aquela praticados que sejam incompatíveis com a sua natureza destes bens imóveis, eliminam-se todas e quaisquer garantias da sua conservação, equiparando-se, para todos os efeitos, os bens da Administração e os bens privados.

    M.

    Conclui-se, portanto, nos termos da exposição supra, que o entendimento do Tribunal a quo é contra legem, na medida em que a impossibilidade do objecto do acto sindicado resulta, expressamente, do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, impondo o artigo 21.º do mesmo diploma o dever de auto-tutela do património imobiliário do Município.

    N. Essa impossibilidade do objecto valerá para os bens do domínio público, mas também para os bens do domínio privado que, pela sua natureza, sejam indisponíveis, e portanto, comunguem das características essenciais dos bens do domínio público - inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade.

    O.

    É inegável que a situação sub judice é conducente à verificação da causa de nulidade prevista na al. c) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, uma vez que, conforme referido, o imóvel em questão nos autos leva, pela sua natureza e características, a um derradeiro juízo de impossibilidade do objecto de qualquer acto que implique prejuízo para a sua inalienabilidade e intangibilidade.

    P.

    Como tal, não só o facto de a pretensão urbanística da Recorrida ocupar indevidamente um imóvel do Município implica a nulidade da respectiva licença, como o Município estava obrigado a declará-la, devendo a sentença recorrida, em consequência, ser revogada e substituída por decisão que, julgando não preenchido o requisito de fumus boni iuris, indefira a providência requerida pela T....

    ii) Da não verificação do requisito do periculum in mora Q. No que tange ao requisito de periculum in mora, são duas, apenas, as circunstâncias em que o Tribunal a quo estriba a sua decisão: (i) o facto de este ser o único projecto da Recorrida em curso, implicando a declaração de nulidade da licença a paralisação da sua actividade; e (ii) a pretensa celebração de cinco contratos-promessa de compra e venda. Nenhuma é, contudo, passível de fundamentar a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

    R.

    Em primeiro lugar, a mera asserção de que o projecto em causa nos autos é o único em curso não tem, autonomamente, qualquer valor para a verificação do requisito de periculum in mora; se assim o entendesse, a Recorrida tem disponibilidade financeira – conforme se demonstrou na oposição apresentada – para desenvolver mais um projecto com a complexidade do dos autos e manter um saldo positivo.

    S. É contraditório fazer repousar a concessão de tutela cautelar numa análise generalizada da situação financeira da Recorrida e, do mesmo passo, circunscrever a análise do caso ao projecto sub judice, referindo que qualquer outro projecto a desenvolver pela Recorrida seria distinto deste.

    T.

    A verdade, conforme referido, é que a Recorrida pode, efectivamente, iniciar outros projectos e assegurar, se o desejar, a continuidade da sua actividade; é falso, como tal, que a produção de efeitos do acto suspendendo “representará necessariamente a paralisação da sua atividade até à prolação da ação principal, o que não pode deixar de se reconduzir a uma situação de facto consumado”.

    U.

    A situação de facto consumado referida pelo Tribunal a quo, a verificar-se, dever-se-á, como tal, exclusivamente à Recorrida, pelo que a sua alegação como fundamento do periculum in mora seria feita em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

    V.

    Em todo o caso, a asserção, na sentença recorrida, de que não é “expectável que uma empresa subsista ou se mantenha ativa sem prosseguir qualquer atividade por um tal período [entre a decisão cautelar e a decisão principal]” é manifestamente imprecisa, não atendendo às concretas circunstâncias do caso.

    W.

    Para além de ser um absurdo equacionar, sequer, que a Recorrida se encontraria paralisada até à prolação de decisão final na causa principal, os custos de funcionamento da Recorrida são, em...

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