Acórdão nº 00467/22.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Fevereiro de 2023
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 24 de Fevereiro de 2023 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I. RELATÓRIO 1.1.
AA, residente nas ..., em ..., apresentou contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, com sede na Avenida ..., ..., em ..., previamente à instauração de uma ação administrativa, requerimento para o decretamento de providência cautelar de suspensão da eficácia da Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP, proferida em 25/08/2022, que ordenou o encerramento administrativo do estabelecimento de apoio social da requerente.
Para tanto alegou, em síntese que, no dia 26 de abril de 2022, pelas 15 horas, foi realizada uma ação de fiscalização na localidade de ..., ..., na sua casa, na sequência de uma denúncia em que foi acusada de promover uma atividade de apoio social a pessoas idosas, com alojamento, por se encontrar a acolher 4 idosos, sem autorização de funcionamento por parte do ISS, IP; Nessa sequência, a equipa de fiscalização enquadrou a atividade em causa em estrutura residencial para pessoas idosas, e considerou que a mesma não dispunha das necessárias condições para o seu funcionamento, tendo sido proposto o respetivo encerramento administrativo, nos termos do artigo 35.º do DL 64/07, de 14 de março, com as alterações dadas pelo DL 126-A/2021, de 31 de dezembro.
Entretanto, foi notificada da proposta de decisão de encerramento administrativo da estrutura residencial para pessoas idosas, e no exercício do direito de audiência prévia: (i) defendeu que apenas acolhia 3 idosos, os quais se encontravam alojados em excelentes condições de saúde, bem tratados; (ii) que discordava do enquadramento legal efetuado, uma vez que a sua atividade não está abrangida pelo regime estabelecido no DL 64/2007, de 14 de março e Portaria 67/2021, de 21 de março, não necessitando de qualquer licenciamento ou autorização legal; (iv) que a existência de um quarto idoso, no momento da fiscalização, ficou a dever-se a uma situação de carência social imediata, tendo caráter provisório, e que essa situação cessou no dia 27 de abril de 2022, tendo este idoso acabado por sair com a família; (v) que para prova da alegado, indica duas testemunhas.
Acontece que as testemunhas que indicou em sede de audiência prévia não foram ouvidas, o que constitui um impedimento ao exercício do direito de defesa, uma vez que, com essa prova testemunhal, pretendia demonstrar que a situação em causa não se enquadrava no âmbito do DL 64/2007, de 14 de março e Portaria 67/2021, de 21 de março; A entidade requerida decidiu, por deliberação do Conselho Diretivo da Segurança Social, IP, manter a proposta de decisão de encerramento, explicitando que nada do que invocou em sede de audiência prévia era suscetível de mudar o sentido da decisão final, de 25/08/2022, tendo-lhe sido dado o prazo de 30 dias para cessar a atividade.
Com a não audição das testemunhas em sede de audiência prévia, foi violado o principio do contraditório, concluindo que está verificado o pressuposto do fumus boni iuris.
Quanto ao periculum in mora, alega que a decisão em causa, se não for suspensa, causará à requerente e aos 3 idosos, que se encontram aos seus cuidados, prejuízos não apenas de difícil reparação, mas mesmo de natureza irreparável, preenchendo, por isso, o pressuposto previsto no n.º 3 do artigo 120º do CPTA. A situação em apreço, provoca a diminuição de rendimentos e põe em risco a satisfação de necessidades básicas de outros 3 idosos ou que, de qualquer modo, implica uma drástica diminuição do seu nível de vida.
Os idosos em causa não têm onde ficar, e vendo-se a requerente inibida de prestar os serviços assistenciais aos idosos, estes ficarão isolados nas suas casas e, portanto, com prejuízos para a saúde e esperança de vida dos mesmos e até risco de vida.
No que tange à ponderação de interesses, a suspensão da eficácia da decisão de encerramento administrativo do espaço de acolhimento das 3 idosas não lesa o interesse público, muito pelo contrário, visa repor a legalidade, mas causará sérios prejuízos à saúde das 3 idosas que ali estão acolhidas e às suas famílias.
Ademais, com a decisão de suspensão do encerramento «… também não é afetada a boa imagem da instituição da Requerida». « Pelo contrário, essa imagem resulta antes afetada com a publicitação de atos arbitrários da natureza da deliberação suspendenda»- cfr. artigos 88.º e 89.º do requerimento inicial.
1.2. Citada, a entidade requerida apresentou oposição, alegando, em síntese, que na sequência da receção de denúncias telefónicas foi aberto o processo de averiguações n.º ...89, relativo ao funcionamento de forma irregular de casas de acolhimento de idosos no distrito ..., entre as quais a da requerente.
No dia 22/04/2022 realizou uma ação de fiscalização junto da entidade requerida, com o propósito de visitar as instalações, fazer recolha fotográfica, identificar os utentes e recolher declarações; A requerente informou que no seu domicílio acolhia naquele momento 4 pessoas idosas e no âmbito da visita verificou-se a existência de 5 camas, tendo-se concluído que a capacidade instalada seria de 5 utentes/residentes, apesar de ter sido explicado que a 5.ª cama se destinava à mãe da proprietária; Os idosos ali alojados eram: a) BB; CC; DD e DD; O alojamento de pessoas idosas inclui a alimentação, a prestação de cuidados de higiene, acompanhamento no AVD, limpeza das instalações e tratamento de roupas; os cuidados de saúde são prestados pelo Centro de Saúde ..., tendo todos médicos de família atribuídos; o acompanhamento e a prestação de cuidados de saúde são assegurados pelo companheiro da autora, enfermeiro reformado, EE, em especial na organização semanal da medicação; Por todos os serviços prestados cada idoso paga € 800 mensais, mas as despesas de fraldas e medicação devem ser asseguradas pela família; O estabelecimento de apoio social intervencionado funciona sem autorização de funcionamento emitida pelo Instituto da de Segurança Social, I.P.
No segundo quarto duplo estava o idoso BB, e no outro quarto duplo estavam as idosas DD e CC, sendo que o quarto denominado como individual estava ocupado pela idosa DD, mas, na verdade, constitui um arrumo, sem janela para o exterior, apenas tendo um postigo que comunica com hall de entrada, logo sem condições de habitabilidade; Quanto às condições de segurança, o equipamento não se encontrava provido com detetores de fumo, nem botões de alarme ou central de alerta; O imóvel no qual funciona o estabelecimento de apoio social apresenta deficientes condições de instalação nos termos da legislação em vigor.
Não se verifica o fumus boni iuris, uma vez que a autora promove uma atividade de apoio social a pessoas idosas, sem dispor de condições para o respetivo licenciamento, tendo sido proposto o encerramento administrativo, ao abrigo do artigo 35.º do DL 64/07, de 14 de março, republicado pelo DL 126-A/2021, de 31 de dezembro.
Não se verifica igualmente o periculum in mora, uma vez que, a mera verificação de um prejuízo não é suficiente, sendo exigível um perigo especial, qualificado, apenas relevando os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da sentença a proferir no processo principal; A requerente limitou-se a alegar danos, sem os demonstrar, já que nem todos os prejuízos poderão contar, nem se percebe quais são os prejuízos de difícil reparação, parecendo que o que a requerente pretende é o seu enriquecimento, sem cumprir as normas aplicáveis.
Quanto á ponderação de interesses, a lesividade do interesse público deve sobrepor-se aos interesses da requerente, sendo que, no caso, o interesse público a proteger prende-se com a defesa da legalidade que está relacionada com a garantia de segurança, mobilidade e saúde dos utentes idosos.
Conclui, pugnando pelo indeferimento da providência requerida.
1.3. A 1.ª Instância proferiu decisão a julgar procedente a providencia cautelar, constando da mesma o seguinte dispositivo: «Nos termos e com os fundamentos expostos: Julgo o pedido de adoção de providência cautelar procedente e, em consequência, suspendo a decisão de encerramento administrativo do denominado estabelecimento de apoio social de AA.
Custas a cargo da entidade requerida.
Registe e notifique.».
1.4. Inconformado com a decisão proferida, o Requerido interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «I. O presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou procedente a adoção da providência cautelar requerida pela Requente AA e, em consequência, suspendeu a decisão de encerramento administrativo do estabelecimento de apoio social da Requerente AA.
II. O Tribunal a quo considerou que havia: fumus boni iuris (ainda que o Recorrente não descortine qual), periculum in mora, e, ainda, que a ponderação de interesses se verificava a favor da Recorrida, com o qual o Recorrente discorda uma vez que, salvo melhor entendimento, que nenhum desses requisitos estão preenchidos.
III.
Para decidir a procedência da providência cautelar, sustenta o Tribunal a quo, na Sentença proferida que: «(...) Porém, é alegado um dano que o Tribunal entende ser suscetível de causar efetivos danos reputacionais, potencialmente de muito difícil reparação, (...) Portanto, o Tribunal reconhece que a ordem de encerramento poderia causar danos na imagem, bom nome e reputação da casa de apoio social da requerente que dificilmente seriam recuperáveis, se a decisão cautelar, mais tarde viesse a decidir ordenar a suspensão de tal decisão de encerramento. Ou seja, os danos reputacionais já se teriam produzido, não se sabendo se seriam recuperáveis e se familiares de outros idosos arriscariam confiar os seus parentes naquela entidade, com a dúvida de saber porque motivo a casa da “AA”, fora encerrada pelo ISS, IP.(...)».
IV.
Ao analisar a P.I., no entendimento do Recorrente, e s.m.o., não está foi alegado aparentemente pela Recorrida quaisquer danos...
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