Acórdão nº 03326/10.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalhães
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO AA, BB, e CC, Autores na acção que intentaram contra o Município ..., onde identificaram como Contra interessados, a IC..., S.A., e DD [todos devidamente identificados nos autos], tendo por objecto os despachos proferidos pela Vereadora da Câmara Municipal ..., EE, que em 23 de Agosto, 8 de Outubro e 2 de Novembro, todos do ano de 2010, respectivamente, deferiu a concessão de autorização de utilização, indeferiu o pedido dos Autores de revogação da emissão do alvará de autorização de utilização e emitiu novo alvará de autorização de utilização a favor da 1.ª contra-interessada, e onde, a final da Petição inicial, peticionaram a final, a sua anulação, e bem assim, que o procedimento de licenciamento seja suspenso desde 10 de Agosto de 2010 até à decisão final dos tribunais cíveis, nos termos do n.º 7 do artigo 11.º do RJUE, inconformados com a improcedência da acção, vieram interpor recurso de Apelação.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencaram a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] CONCLUSÕES: 1. Pois se é verdade que os AA. não impugnam especificamente os atos administrativos de aprovação do projecto de arquitectura, as licenças de obras emitidas e as suas prorrogações, porque já decorreu o prazo legal para tal, estes impugnam o processo de licenciamento como um todo, que é questão prévia à emissão do respetivo alvará de autorização de utilização.

  1. Aliás, referem expressamente que; - o DD iniciou o processo de licenciamento apenas com base numas procurações que foram postas em causa, sendo que uma era ineficaz já que se reportava a um acto de disposição de um bem de uma menor sem a competente autorização judicial - foi violado as alíneas a) e b) do artigo 11.º da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro, pois o 2.º contra-interessado, que não era proprietário do imóvel, nunca juntou uma certidão da conservatória do registo predial, o que só fez depois da escritura de usucapião em nome da 1.ª contra-interessada, nem juntou qualquer documento de correspondência do prédio objecto da operação urbanística e o terreno alegadamente adquirido por usucapião, pelo que nunca deveria ter sido emitida a licença de obras; - o Presidente da Câmara Municipal dispunha de elementos suficientes para indeferir o averbamento a favor da IC..., S.A., pois não é possível adquirir por usucapião aquilo que se prometeu comprar, nem se pode adquirir por usucapião um prédio que já se encontra inscrito na matriz.

  2. Acresce que, o próprio Vereador da Câmara Municipal ..., entendeu que se encontrava em dúvida a legitimidade procedimental do DD, apesar de já estar aprovado o projecto de arquitectura, concedendo o prazo de 15 dias à 3.ª Autora para que esta, além do mais, fizesse prova de ter intentado a acção judicial tendente à anulação do acto praticado pela sua mãe.

  3. Com efeito, a legitimidade do Requerente é um pressuposto essencial à emissão de qualquer acto administrativo, pelo que deve ser revisto em cada momento, aliás é por esse motivo que é possível averbar os processos em nome do adquirente.

  4. Assim, a questão da legitimidade do Requerente voltou a colocar-se no pedido de licença de autorização de utilização, não bastando para tal que o projeto de licenciamento esteja em nome do mesmo Requerente, já que é necessário nesse pedido de licença de autorização fazer prova da legitimidade.

  5. Face ao exposto, desde 28 de janeiro de 2003 que existem dúvidas acerca da legitimidade do Requerente no processo de licenciamento requerido por DD - cfr. Factos Provados D), H), I) e J) e posteriormente sobre a legitimidade do Requerente IC..., S.A. – cfr. Factos Provados NN).

  6. Ora, mesmo que se entenda, o que só por mera hipótese processual se concebe, que apenas está aqui em causa o procedimento de autorização de utilização, estando o procedimento de licenciamento estabilizado, sempre se dirá que também neste procedimento é necessário fazer a prova da legitimidade e está foi contestada pelos AA. informando a Câmara Municipal ... que instauraram e registaram uma providência cautelar inominada.

  7. Com efeito, não existe nenhum documento no processo administrativo que nos permita afirmar que o terreno adquirido por usucapião pela IC..., S.A. é o mesmo que foi prometido comprar aos AA. por DD. Nem faria qualquer sentido adquirir por usucapião o que se prometeu comprar, nem pode ser adquirido por usucapião um prédio que já se encontra inscrito na matriz, devendo ser feito e comprovado o respetivo trato sucessivo. Pelo que tal sucessão na legitimidade procedimental é desde o início mais do que duvidosa.

  8. Acresce que, os AA. vieram imediatamente a opor-se à emissão da respetiva licença de autorização, aduzindo, para o efeito e, em suma, que no dia 4 de Agosto de 2010 foi efectuado o registo da propositura de uma providência cautelar não especificada [como preliminar da acção de declaração de nulidade da escritura de justificação notarial celebrada em 23 de Novembro de 2005], na qual estes peticionavam que os contra-interessados fossem, além do mais, impedidos de praticar todos e quaisquer actos de alienação dos prédios em causa, inclusive, de pedidos de licença camarárias [Pontos II, JJ), LL) a NN) dos factos provados].

  9. Todavia, o Réu não só viria a deferir a concessão da autorização de utilização requerida pela 1.ª contra-interessada [Pontos OO) a QQ) dos factos provados], como, posteriormente, debruçando-se especificamente sobre a exposição dos Autores, indeferira a sua pretensão, em síntese, por considerar que, encontrando-se formalmente verificada a legitimidade procedimental da 1.ª contra-interessada, inexistiam motivos para suspender o aludido procedimento administrativo [Ponto RR) dos factos provados].

  10. Ora, como se sabe, a autorização de utilização destina-se, nestes casos, a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto previamente aprovado e com as condições impostas aquando do licenciamento [artigos 4.º, n.º 3, alínea f), 62.º, n.º 2 e 63.º, n.º 1 do RJUE].

  11. Porém, salvo o devido respeito por melhor, embora tal cedência ao domínio público se encontra registada, ela de facto não aconteceu, tendo tal área sido efectivamente retirada do prédio em apreço mediante a construção de muros e individualizada para juntar a outro prédio que os contra-interessados entretanto adquirissem. Contudo, a Administração, apesar de instada nesse sentido, não curou de averiguar o sucedido, nomeadamente através de uma vistoria a realizar na obra em apreço.

  12. Embora aceitemos a doutrina aludida quanto aos atos administrativos de licenciamento e de autorização de utilização que se encontram apenas sujeitos exclusivamente a regras de direito do urbanismo, ou seja, a sua concessão é feita sob reserva de direitos de terceiros e que não compete à Administração pronunciar-se sobre questões do foro privatístico, não podemos de todo concordar com a segunda razão apontada na decisão sub judice que então jamais se poderia aqui considerar, como motivo de suspensão do procedimento, as questões de competência judicial referente à discussão desses direitos v.g. de propriedade.

    Pois, se assim fosse, para que serviria a disposição do art. 11º nº 7? 14, Acresce que é a própria legislação do urbanismo que impõe à Administração verificar da legitimidade do Requerente do acto administrativo sob pena de não haver decisão de mérito. Do que resulta indubitavelmente da própria lei, que tal questão é prévia à decisão administrativa.

  13. Sem prescindir, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode depois a Administração refugiar-se no facto de ter procedido a uma avaliação formal ou perfunctória da legitimidade do Requerente baseada na junção ao processo da certidão predial e da presunção do registo, para se entender que se encontra validada a legitimidade do Requerente independentemente de qualquer contestação, designadamente através de uma providência cautelar não especificada que visava impedir a Requerente de vender o prédio objeto da autorização de utilização e até mais de requerer a mesma.

  14. Com efeito, não estamos aqui a discutir o bem ou mal fundado preenchimento do requisito da legitimidade pela Administração, nem a requerer que a mesma tome uma decisão que cabe aos Tribunais Cíveis, o que estamos a solicitar, em conformidade com o art. 11º nº 7 é que o Presidente da Câmara Municipal ... suspenda o processo de atribuição da licença de autorização a favor da IC..., S.A., enquanto não for decidido pelos Tribunais Cíveis quem é o proprietário do prédio em causa.

  15. E aqui, salvo o devido respeito por melhor opinião não colhem os argumentos da celeridade processual nem do cumprimento exclusivo do projeto com as leis do urbanismo. Pois, tal licença de utilização confere ao seu titular inscrito o direito de alienar o prédio em causa, o que em vez de acelerar o processo ainda o vai tornar mais moroso e complicado, obrigando no caso de ganho de causa os AA. a pedir a anulação de todos os atos praticados pelo titular da licença, nomeadamente a venda de todas as frações, inclusive a terceiros de boa fé.

  16. Não está aqui em causa, prejudicar o regular andamento do processo de licenciamento e retardar o mesmo, mas antes impedir a prática de atos que de futuro terão de ser todos anulados.

  17. Assim, não se vislumbra qual a vantagem que possa decorrer para o Requerente da licença em não suspender o processo até decisão dos Tribunais cíveis que não seja a eventual prática de atos ilegais. E se a final a Requerente tiver razão e os AA. tiverem impedido indevidamente a obtenção da licença de autorização e a venda das frações, existem mecanismos legais que permitem ser a mesma compensada dos respetivos prejuízos, o que aliás os contra-interessados vieram peticionar na ação cível.

  18. Mais gravoso é o prosseguimento do processo administrativo com emissão da licença de utilização que permite ao Requerente alienar as frações...

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