Acórdão nº 00233/21.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I. RELATÓRIO 1.1.

AA, viúvo, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Avenida ..., ..., ... ..., moveu a presente ação administrativa (de impugnação de ato administrativo), contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P. – CGA, I.P.

com sede na Av. João XXI, n.º 63, 1000-300 Lisboa, pedindo a anulação da decisão da Direção Geral da Caixa Geral de Aposentações, I.P. de 16/12/2020, no segmento em que procedeu à fixação de um valor em dívida à CGA, correspondente a prestações não efetuadas pela sua esposa, entretanto falecida, no montante de € 19.351,78, para que possa receber o valor total da pensão de sobrevivência no montante de € 1.109,66.

Para tanto, alegou, em síntese, que foi notificado da decisão de fixação do valor em dívida, por ofício da CGA, I.P., de 16/12/2020, desacompanhado do despacho de 16/12/2020 a que faz referência, e sem qualquer informação que o sustente; O autor, atualmente com 82 anos de idade, casou em .../.../1965, em primeiras núpcias, com BB; A esposa do autor faleceu em .../.../2020, com 85 anos de idade e durante a sua vida foi funcionária pública- professora-, tendo-lhe sido fixada, em data que o autor não consegue concretizar, pensão de aposentação, em virtude de ter prestado 36 anos de serviço com descontos para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. e cujo valor à data do seu óbito se fixava em € 2.219,31; Por requerimento de 03/12/2020, remetido à CGA, I.P., a 10/12/2020, o autor requereu a pensão de sobrevivência, na sequência do falecimento da sua esposa; A 26/12/2020 o autor tomou conhecimento do teor do ofício da CGA, I.P., com a referência ....213721/01, datado de 16/12/2020, do qual consta a informação que lhe foi fixada uma pensão de sobrevivência no valor de € 1.109,66, com efeitos reportados à data de 01/12/2020, e a imposição de uma dívida no valor de € 19.351,78, a pagar em 60 prestações (5 anos), sendo uma no valor de € 323,10 e 59 no valor de € 322,52; Tal notificação não vinha acompanhada de qualquer informação ou sequer da decisão da Direção da CGA, I.P. de 16/12/2020; Através de contacto telefónico com a CGA,I.P., o autor apurou que o ofício em questão se reporta a uma suposta dívida por falta de descontos para a sobrevivência, tendo o autor pedido à ré mais esclarecimentos; Não tendo obtido resposta, o autor remeteu à ré nova carta, em 05/04/2021, manifestando a sua indignação com a existência dessa alegada dívida da sua esposa, que ambos desconheciam que existia, renovando o pedido de esclarecimentos quanto aos meses e anos a que a dívida se reporta, o procedimento administrativo a que respeita, as diligências administrativas e legais que foram concretizadas com conhecimento do responsável do pagamento com vista à cobrança da referida dívida, mas sem ter obtido resposta; Em fevereiro de 2021, e nos meses seguintes de março, abril e maio, a CGA, I.P. descontou da pensão de sobrevivência fixada ao autor, o montante de € 322,52, correspondente à terceira, quarta e quinta prestações da alegada dívida existente; Mais alega ser manifesto não estar esclarecido quanto aos fundamentos de facto e de direito subjacentes à alegada dívida, de modo a poder formar uma convicção sobre a respetiva (i)legalidade; O ato em questão é lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do autor, impondo-lhe encargos, por lhe reduzir o valor da pensão de sobrevivência que lhe foi fixada por morte da sua esposa; O referido ato administrativo vertido na notificação da CGA, I.P remetida ao autor, datada de 16/12/2020, padece de falta de fundamentação, e ainda de vício decorrente da violação do direito de audiência prévia, previsto no artigo 121.º e seguintes do CPA; Invoca em seu beneficio a fundamentação do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 27/11/2020, no processo n.º 01043/..., que se debruça sobre a conduta da CGA, I.P em processo semelhante ao dos presentes autos; Acrescenta que o ato de fixação de uma pensão e a enunciação de eventuais dívidas de quotizações carece de especial fundamentação, nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da CRP, 152.º n.º 1 a) e 153.º do CPA, de forma a permitir à autora compreender quais as operações e cálculos subjacentes à dedução de um valor mensal, durante cinco anos, da sua pensão de sobrevivência. E que o ofício da ré não esclarece qual a origem da dívida, que valores foram considerados para o seu cálculo e desde quando foram considerados, não se compreendendo os pressupostos em que assentam as referências contidas no ofício; Em consequência não está em condições de analisar e avaliar a (i)legalidade do ato e de deduzir a adequada defesa; Adianta que em 21/06/2021, após a entrada da p.i. em juízo, o autor tomou conhecimento de ofício da CGA, com a referência ....312721.01, datado de 14/06/2021, em resposta à carta datada de 31/03/2021 que remeteu à CGA, continuando por esclarecer o itinerário de facto e de direito percorrido pela entidade demandada na fixação da referida dívida.

Conclui pedindo que a ação seja julgada procedente e, em consequência, seja anulado o ato administrativo ora impugnado.

1.2. Citada, a entidade demandada, CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P.

, contestou a ação, alegando, em suma, que o autor pretende que a ré lhe assegure o pagamento a 100% da sobrevivência requerida, sem que, para tal, tenha que pagar à CGA as quotas respeitantes ao tempo de serviço que relevam para o cálculo da pensão de sobrevivência que lhe foi atribuída, mas sem razão.

Sustenta, para o efeito, que o regime de pensão de sobrevivência do funcionalismo público, instituído pelo Decreto-lei n.º 24 046, de 21.06.1934, deixava à iniciativa dos interessados a adesão à mesma o que originava insuficiente cobertura dos familiares, em caso de morte do contribuinte.

Com o Decreto-lei n.º 142/73, de 31.03, que estabeleceu o Estatuto das Pensões de Sobrevivência (EPS), foi instituída a obrigatoriedade da contribuição dos servidores do Estado, em função de percentagem da remuneração auferida, passando, a pensão de sobrevivência a corresponder a metade da pensão de aposentação auferida pelo funcionário à data da sua morte ou a que teria direito se fosse aposentado nessa data.

O referido decreto-lei manteve em vigor o regime instituído pelo decreto-lei n.º 24046 de 21 de junho, permitindo aos seus contribuintes a adesão facultativa ao novo Estatuto das Pensões de Sobrevivência.

O decreto-lei n.º 343/91, de 17 de setembro, veio harmonizar os dois regimes de sobrevivência dando nova redação ao capítulo VII do decreto-lei nº 142/73 quanto à aplicação do EPS aos contribuintes do regime do decreto-lei n.º 24 046, de 21.06.

No caso, BB nunca requereu à CGA a retroação da inscrição e de contagem de tempo nos termos do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31.03, razão pela qual nunca lhe foi solicitado a regularização das quotizações em falta.

Assim, de acordo com o estabelecido nos artigos 61.º e seguintes do Decreto-lei n.º 142/73, de 31.03, ao requerer a pensão de sobrevivência, o autor acionou a retroação da contagem do tempo que a sua esposa beneficiou do regime do Decreto-lei n.º 24 046, de 21 de junho de 1934.

Por essa razão, para o autor beneficiar da pensão de sobrevivência é necessária a liquidação das quotas em dívida que ascendem ao valor global de € 19.351,78.

Não sendo crível que o autor pretenda ter uma pensão de 1.800$00 correspondente às quotas mensais de 15$00, pagas por BB, nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-lei n.º 24 046, de 21 de junho de 1934, sendo certo que a lei impõe que apenas releve no cálculo da pensão de sobrevivência o tempo de serviço em relação ao qual tenham sido ou venham a ser pagas quotas nos termos do artigo 11.º do EPS.

Podendo a retroação da contagem de tempo de serviço ser requerida a todo o tempo, gerando assim a obrigação de liquidação de valores em dívida, nos termos do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março.

A dívida de quotas está corretamente calculada não padecendo o despacho impugnado de qualquer vício.

Pede a improcedência da ação e a absolvição da ré do pedido.

1.3. Em 15/05/2022, a 1.ª Instância proferiu decisão em que fixou o valor da ação em € 19.351,78 (dezanove mil, trezentos e cinquenta e um mil euros e setenta e oito cêntimos), nos termos do artigo 32.º n.º 2 do CPTA, e julgou a ação procedente, cujo dispositivo é o seguinte: «Tudo visto e ponderado, e com base nos fundamentos expostos, julga-se procedente a presente ação, anulando-se a decisão da Caixa Geral de Aposentações, I.P., de 16.12.2020, no segmento em que procedeu à fixação de um valor em dívida à CGA, correspondente a prestações não efetuadas pela esposa do autor, entretanto falecida, no montante de € 19.351,78 e respetivo plano de pagamento, com as legais consequências.

Custas a cargo da entidade demandada.

Notifique e registe» 1.5. Inconformada com a decisão assim proferida, a Ré CGA interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes Conclusões: «1.ª A CGA considera que a decisão proferida nestes atos em 2022-05-15 deve ser substituída, por duas ordens de razões: (1) - porque ao decidir anular o ato administrativo apenas na parte em que procedeu à fixação de uma dívida correspondente a descontos não efetuados pela falecida esposa do Recorrido, o Tribunal não ponderou devidamente que essa anulação parcial afeta necessariamente o ato administrativo no seu todo; e (2) - porque, na perspetiva da CGA, uma análise mais detalhada dos Factos Assentes – mais concretamente quanto ao conteúdo dos pontos 12, 13 e 14 da Matéria Assente – teria permitido ao Tribunal a quo concluir que a CGA transmitiu ao Recorrido a informação sobre a forma como foi calculado o valor em dívida bem como quais os normativos aplicados na fixação da mesma.

  1. A CGA reconhece que estamos perante uma matéria jurídica complexa, que requer um esforço acrescido para a correta apreensão e...

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