Acórdão nº 1030/21.4T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Março de 2023
Magistrado Responsável | RUI MACHADO E MOURA |
Data da Resolução | 02 de Março de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
P. 1030/21.4T8STR.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) intentou a presente ação de investigação da paternidade contra (…), alegando, em síntese, que a sua mãe e o pretenso pai, aqui R., mantiveram entre si relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do A. e que apenas em 2021 teve conhecimento que o R. seria seu pai. Termina pedindo que seja reconhecido que o R. é seu pai, para todos os efeitos legais.
Devidamente citado para o efeito veio o R. apresentar a sua contestação, na qual excepcionou a caducidade do direito de acção, alegando ainda que o relacionamento que teve com a mãe do A., consistente num único acto sexual, foi conhecido pelo A. pelo menos antes de 1/6/2015, pois que o A. e a sua mãe falaram nisso com a irmã do R., a qual faleceu na indicada data de 2015.
Foi proferido despacho saneador, tendo-se identificado o objecto do litígio e identificados os temas de prova.
De seguida, veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença pela M.ma Juiz a quo, a qual julgou improcedente a excepção de caducidade do direito à acção invocada pelo R. e julgada procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, foi declarado que o A., (…) é filho do R., (…), com todas as consequências legais, ordenando-se que seja feito o competente averbamento no respetivo assento de nascimento do A. no que respeita àquela paternidade e avoenga paterna.
Inconformado com tal decisão dela apelou o A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
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Alega o Recorrido que apenas teve conhecimento de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação no ano de 2021, alegando para o efeito que a sua mãe – (…) – lhe contou da existência do Recorrente no decurso de uma cerimónia fúnebre, não tendo existido qualquer conversa sobre tal facto durante os restantes 46 anos da sua vida.
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Acontece que tais factos não correspondem à verdade, o Recorrido tinha conhecimento do Recorrente pelo menos em data anterior a 1 de Junho de 2015, data em que a irmã do Recorrente faleceu. Senão vejamos: c) Em data anterior a 1 de Junho de 2015 o Recorrente e a sua mãe deslocaram-se a casa da irmã do Recorrente com o objectivo desta o pressionar a assumir a paternidade.
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Tais factos foram devidamente confirmados pela Testemunha – Dr. (…) – no âmbito da sua inquirição enquanto testemunha na audiência de julgamento, como se comprova através da audição da respectiva gravação.
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Daqui resulta que o Recorrido tinha conhecimento da existência do Recorrente desde antes de 1 de Junho de 2015 e que ainda assim não intentou a acção judicial no prazo de 3 anos, tendo o seu direito caducado.
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É a própria mãe do Recorrente – (…) – que, inquirida como testemunha na audiência de julgamento, alega que conhecia a irmã do Recorrente, que lhe havia contado da existência do seu filho, bem como, que na cidade de Santarém é sabido que o Recorrido é filho do Recorrente, como se comprova através da audição da respectiva gravação.
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Em face do depoimento que foi prestado pelo Dr.(…) e pela Sra. (…), resulta que o Recorrido sabia de factos que poderiam levar à investigação da paternidade pelo menos em data anterior a 1 de Junho de 2015.
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Mesmo sabendo da existência de tais factos não logrou intentar a respectiva acção judicial, tendo o direito do Recorrido caducado nos termos da alínea c) do número 3 do artigo 1817.º do Código Civil.
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Em face de tal facto deve ser dado como não provado que o Recorrido “apenas teve conhecimento que o Réu (…) seria seu pai no ano de 2021, em data não concretamente apurada.” j) Devendo ser dado como provado que o Recorrido sabia que o Recorrente seria seu pai em data anterior a 1 de Junho de 2015, não tendo contudo intentado a respectiva acção judicial no prazo de três anos, tal como previsto na alínea c) do número 3 do artigo 1817.º do Código Civil.
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Facto esse que leva à improcedência da acção de reconhecimento da paternidade por se ter verificada por provada a procedência da excepção de caducidade do direito à acção. Caso tal não aconteça, deve este douto Tribunal ad quem considerar que: l) O Recorrido não teve conhecimento de quem era o seu pai nos dez anos posteriores à sua maioridade porque não quis.
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O Recorrido – segundo a sua mãe – nunca quis saber quem era o seu pai, veja-se para tanto o que foi dito pela sua mãe – (…) – no seu depoimento prestado no tribunal a quo, como se comprova através da audição da respectiva gravação.
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Do depoimento da mãe do Recorrido – (…) – resulta que o Recorrido não intentou a acção de reconhecimento da paternidade porque não quis, desconsiderando assim, o ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento da paternidade.
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Tal desinteresse – incumprimento da previsão do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil – criou no Recorrente a confiança que o Recorrido já não viria a exercer o pedido de reconhecimento da paternidade.
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A confiança que foi criada pelo Recorrido no Recorrente deveu-se ao facto do Recorrido não ter intentado a acção judicial nos 10 anos posteriores à sua maioridade.
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Deveu-se ao facto da acção judicial ter sido intentada 28 anos depois da maioridade do Recorrido.
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O exercício do direito tardio, para além de estar prescrito e caduco – n.º 1 como da alínea c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil – encontra-se também obstaculizado uma vez que o Recorrido está a atuar em abuso de direito – artigo 334.º do Código Civil – na modalidade de supressio.
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A supressio é um dos “subtipos do venire contra factum proprium”. Traduzem o comportamento contrário do titular do direito que o vem exercer depois de uma prolongada abstenção. A abstenção prolongada no exercício de um direito, pode, em certas circunstâncias, suscitar uma expectativa legítima e razoável de que o seu titular o não irá exercer ou que haja renunciado ao próprio direito, ao exercício de algum dos poderes que o integram, ou a certo modo do seu exercício.
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A actuação do Recorrido – visto que sobre ele recaia o ónus de diligência processual – criou a legitima e razoável expectativa que o Recorrido não iria exercer ou que havia renunciado ao direito.
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Daí que se diga que, ao ter interposto a acção de reconhecimento da paternidade 28 anos depois da sua maioridade, o Recorrido age em claro abuso de direito, na modalidade de supressio.
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Mais se diz que, prevê o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 401/2011 que, é “legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade uma situação de incerteza indesejável.” Por isso, “o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada.” Assim, “não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição.” t) Após análise do referido Acórdão do Tribunal Constitucional e da actuação do Recorrido resulta claro que: i) O Recorrido poderia ter tido conhecimento, logo aos 18 anos de idade, sobre a existência do Recorrente.
ii) O Recorrido não quis saber da existência do Recorrente.
iii) A actuação do Recorrido demonstrou um claro desinteresse do mesmo quanto ao conhecimento do seu progenitor e reconhecimento da paternidade.
iv) Mesmo sabendo que sobre si recaia um ónus de diligência quanto à iniciativa processual, o Recorrido preferiu nada dizer e assumir o seu desinteresse no reconhecimento da paternidade.
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A actuação do Recorrido é condenada, uma vez que, não é possível prolongar o desinteresse do Recorrido, através de um regime de imprescritibilidade o que levaria a uma situação de incerteza indesejável.
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Não tendo o Recorrido intentado a acção judicial de reconhecimento da paternidade – nos 10 anos posteriores à maioridade – por factos que lhe são imputáveis, o direito do Recorrido prescreveu, não podendo o mesmo vir agora requerer o reconhecimento da paternidade.
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Em face de tal facto, deve este douto Tribunal ad quem dar como provado que: i) O ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da paternidade recai sobre Recorrido.
ii) O Recorrido demonstrou desinteresse em querer saber quem era o seu pai, uma vez que, poderia ter sabido da existência do seu pai em qualquer momento, escolhendo, contudo, apenas obter esse conhecimento 28 anos após a sua maioridade.
iii) A ser verdade que o Recorrido não teve conhecimento da existência do Recorrente no prazo de 10 anos após a sua maioridade, tal deveu-se ao desinteresse do Recorrido.
iv) Se o Recorrido tivesse demonstrado algum interesse em saber quem era o Recorrente, bastar-lhe-ia ter perguntado à sua mãe quem era o Recorrente e, ao mesmo tempo, requerido o reconhecimento da paternidade no prazo de 10 anos após a sua maioridade.
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O prazo previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não foi pelo Recorrido cumprido por factos que lhe são imputáveis, daí que, esteja o...
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