Acórdão nº 502/22.8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA, instaurou a presente ação declarativa comum contra Banco 1... do Noroeste, pedindo a condenação deste na restituição da quantia de 17.000,00€ titulada pelo cheque n.º ...59 e no pagamento de juros de mora.

Para o efeito alegou, em suma, ser cliente do réu e, por essa via, titular de uma conta bancária sediada no balcão de ... do referido banco, em ...; no dia 10-11-2021 procedeu ao depósito de um cheque com o n.º ...59 (no referido valor) no aludido balcão do réu, sendo que o mesmo era sacado sobre conta existente no banco ora réu. Mais alega que, nesse mesmo dia, o saldo credor do cheque ficou disponível na sua conta, permanecendo nesse estado até ao dia 12-11-2021, data em que o réu procedeu à devolução do cheque e movimentou a débito a conta do autor. Conclui que o movimento de estorno efetuado pelo réu é abusivo, porque efetuado já após a referida quantia ter sido creditada na sua conta bancária, devendo assim o réu ser condenado a restituir-lhe o montante titulado pelo cheque.

O réu contestou, invocando a exceção de prescrição do direito do autor e defendendo-se por impugnação. Alega, em suma, que o cheque em referência foi apresentado a pagamento fora do respetivo prazo legal, pois apresenta como data de emissão o dia 20-12-2019 e o autor apenas procedeu ao seu depósito em 10-11-2021, ou seja, quase dois anos após a emissão do referido cheque, razão pela qual foi devolvido pelo que o autor entregou para depósito o referido cheque, aceitando que o banco réu procedesse à conferência do cheque em momento posterior à sua entrega, sendo que só após a conferência e da sua boa cobrança é que o respetivo valor seria disponibilizado. Por esse motivo, o valor do referido cheque ficou cativo até às 15h00 do dia 11-11-2021, data em que foi verificada a insuficiência de saldo na conta sacada, tendo então o réu procedido à devolução do referido cheque. Daí que, apesar de a conta bancária do autor apresentar um movimento a crédito de 17.000,00 €, em 10-11-2021, na verdade tal não significava, nem poderia significar, que esse valor se encontrava disponível na conta bancária do autor, pois que necessário seria ainda proceder-se à respetiva conferência e boa cobrança do cheque em questão, o que não aconteceu, já que nesse dia 11-11-2021, a ré, ao tentar pagar o referido cheque, verificou a insuficiência de saldo na conta bancária do subscritor do cheque, o que implicou a devolução desse cheque, impedindo a disponibilização do respetivo montante na conta bancária do autor até às 15:00 horas do dia 11-11-2021. Por tal efeito, no dia útil imediatamente seguinte, 12-11-2021, foi o autor notificado da respetiva devolução, não tendo o réu, em momento algum, procedido ao estorno abusivo do referido cheque, antes cumprindo todas as obrigações legais e profissionais a que estava vinculado. Conclui, pugnando pela improcedência da ação.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolvendo o réu do pedido.

Inconformado com tal decisão dela recorre o autor, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente procedência integral da ação.

Termina as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I) O recorrente não se conforma com o facto do tribunal a quo não ter levado em consideração na matéria de factos dois factos relevantes para a boa decisão da causa, a saber: Resulta provado, por via do documento junto com a PI sob o nº 1, que o cheque foi depositado no dia 10-11-2021 e, o qual por ser sobre a própria instituição de crédito, foi-lhe atribuída a data valor do próprio dia da apresentação.

Mais resulta provado, por via do documento junto com a PI sob o nº 3, que o cheque foi depositado às 13 h 59 m 04 s.

II) Os quais têm de ser dados como provados face ao acervo documental constante dos autos.

III) Assim como não se conforma com o facto do tribunal a quo não ter dado como provados dois factos, alicerçando a sua convicção numa errada interpretação e aplicação do direito e contrariando a prova documental carreada para os autos: O valor do cheque ficou disponível na conta bancária do Autor no mesmo dia da apresentação do cheque a pagamento e assim permaneceu até ao dia 12/11/2021.

No dia 12/11/2021, o Banco Réu retirou da conta do Autor o valor do cheque, sem autorização do seu titular.” IV) Os quais, de igual modo, têm de ser dados como provados face ao acervo documental constante dos autos.

V) Acresce que na alínea h) da fundamentação da matéria de facto o tribunal a quo considerou como provado que, do preçário do recorrido resulta que “Os depósitos de cheques sobre a própria instituição de valor superior a € 10.000,00, permanecem cativos até às 15h00 do dia seguinte.”, sem se aperceber que tal condição é nula por violar o estatuído no artigo 5º, do Aviso 3/2007 do qual decorre que o recorrido é livre de oferecer aos seus clientes condições mais favoráveis do que as enunciadas no Decreto-Lei nº 18/2007, de 22 de Janeiro, para a disponibilização de fundos depositados e datas-valor.

VI) As normas consignadas Decreto-Lei nº 18/2007, de 22 de Janeiro, e no Aviso 3/2007 são normas de interesse e ordem pública, pois regulam a prestação de serviços bancários e visam proteger os consumidores daqueles serviços, pelo que se revestem de uma natureza imperativa, o que determina a nulidade da estipulação consignada no preçário da Ré, por força do preceituado no artigo 294.º do C.C., quanto à diferenciação que é efectuada relativamente aos cheques de valor superior a € 10.000,00.

VII) Com base no facto ilegal do recorrido fazer uma diferenciação relativamente aos cheques de valor superior a € 10.000,00, o tribunal a quo deu como provado em i) que o valor do cheque ficou cativo até às 15h00 do dia 11/11/2021.

VIII) Facto este que contraria a data valor constante do doc. nº ... junto com a PI, pois tendo o cheque a data valor do dia 10/11/2021, esse seria o dia em que o valor do cheque tem de ser disponibilizado.

IX) Assim como, contraria o nº 1 deste primeiro artigo do Aviso 3/2007 e do Doc. nº ... junto com a contestação, de onde resulta que as “3 - As instituições de crédito têm o dever de conferir e certificar as entregas e a recolha de valores a que se refere o número anterior no mais curto lapso de tempo, não superior a vinte e quatro horas contadas a partir da entrega ou recolha, salvo situações excepcionais ou de força maior.” X) Mesmo que o cheque tivesse sido aceite condicionado à verificação, o recorrido só teria prazo para o fazer até às 13 h 59 m 4 s do dia 11/11/2021, e como tal nesse dia teria de ser efectuado movimento de estorno da quantia titulada no cheque.

XI) Uma coisa é certa, no dia 12/11/2022, já não era possível efectuar o movimento que veio a ser efectuado.

XII) Assim, se o valor titulado pelo cheque ficou retido até às 15 h do dia 11/11/2021, ficou ilicitamente.

XIII) O tribunal a quo faz uma errada interpretação do art.º 5º, nº 1 do decreto-lei nº 18/2007, de 22/01 e do aviso o Aviso 3/2007, sem qualquer sustentação no elemento literal, histórico, racional e teleológico, quando distingue cheques normalizados de cheques visados.

XIV) Embora o tribunal a quo, reconheça que em caso de depósito de cheque normalizado ou visado efectuado ao balcão e sacado sobre a própria instituição de crédito, na qual é depositado, é atribuída a data valor do próprio dia da apresentação junto daquela instituição, ficando o respectivo saldo credor disponível nesse mesmo dia útil, Cf. art.º 5º, nº 1 do decreto-lei nº 18/2007, de 22/01, a verdade é que o tribunal a quo entende que o cheque normalizado ao contrário do cheque visado não garante a existência de fundos suficientes para o seu pagamento e daí que no seu entendimento a norma não possa ser analisada isoladamente, mas tem que ser analisada em conjugação com o disposto no art.º 29º e 32 da LUCH, segundo as quais o banco, decorrido o prazo de 8 dias previsto para a sua apresentação, não é obrigado a pagá-lo.

XV) O recorrente não se conforma com tal raciocínio e tal conclusão, pois para saber se aquela conta tinha saldo, por ser da mesma instituição, bastava consultar o saldo da mesma informaticamente, algo que se faz em segundos e de imediato retirar o saldo da conta sob a qual foi emitido o cheque para de seguida o creditar na conta beneficiária da ordem de pagamento.

XVI) A interpretação que o tribunal a quo faz não tem sustentação no elemento literal, histórico, racional e teleológico da lei, tal como se depreende da norma e do preâmbulo do Decreto-lei 18/2007, nomeadamente, quando aí se refere que: “Na fase actual de desenvolvimento das tecnologias de informação e em face da crescente evolução dos meios electrónicos nas relações interbancárias, que possibilitam um acesso mais célere ao sistema bancário, não há motivo para que sejam praticados prazos tão dilatados na disponibilização de fundos por meio da realização das referidas operações bancárias. Neste contexto, e tendo em vista uma maior transparência e clareza na execução dos prazos aplicados nos instrumentos de movimentação de fundos entre contas de depósito, a débito e a crédito, o Governo entende ser agora necessário acautelar os interesses dos consumidores, utilizadores do sistema bancário, através da previsão de uma norma que estabelece a data valor de qualquer movimento de depósitos à ordem, determinando qual o seu efeito no prazo para a disponibilização de fundos ao beneficiário. A data valor é a data a partir da qual a transferência ou o depósito se tornam efectivos, passíveis de serem movimentados pelo beneficiário e se inicia a eventual contagem de juros decorrentes dos saldos credores ou devedores das contas de depósito, sendo a data de disponibilização o momento a partir do qual o titular pode livremente proceder à movimentação dos fundos depositados na sua conta de depósitos, sem estar sujeito ao pagamento de juros pela mobilização...

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