Acórdão nº 2529/21.8T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelJERÓNIMO FREITAS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 2529/21.8T8MTS.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos, AA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 1, contra A..., L.da, pedindo que julgada a acção procedente, em consequência seja: - Reconhecida a existência do contrato de trabalho entre o A. e a Ré., desde 01/02/1988 até á data em que lhe foi comunicado que já não era trabalhador da empresa, ou seja, 8/02/2021; - Declarada a ilicitude do despedimento promovido pela Ré e, em consequência, ser esta condenada a: - A Ré condenada a pagar uma indemnização ao A. em substituição da reintegração, calculada em montante nunca inferior a 30 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, ou seja, em montante não inferior a € 40.590,00, não podendo, contudo, ser inferior a 3 meses de retribuição base, nos termos do artigo 391º do CT; - A Ré condenada a pagar ao A. todas as retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento, ou seja, 8/02/2021, até ao trânsito em julgado, nos termos do artigo 390º do CT; - A Ré condenada a pagar ao A. as quantias relativas aos créditos retributivos, vencidos e não pagos, correspondentes às quantias discriminadas no item 103.º desta P.I., no montante total de €6.544,26; - A Ré condenada a pagar ao A. a quantia de € 2.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais; - A Ré condenada a pagar juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que foi admitido ao serviço da R. no dia 1 de Fevereiro de 1988, para, sob as suas ordens, direcção e subordinação, desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de empregado de escritório.

No dia 12/12/2003, adquiriu uma quota no capital social da sociedade Ré. Por deliberação da assembleia geral da Ré, tomada nessa mesma data, foi nomeado gerente da sociedade Ré, tendo também sido deliberado que seria remunerado pelo exercício da gerência.

Atenta a incompatibilidade do exercício das funções de gerente com o exercício das funções de trabalhador subordinado no seio da mesma sociedade, não mais prestou as funções de empregado de escritório, tendo-se suspendido o contrato de trabalho.

Manteve as funções de gerente até Setembro de 2019, quando foi vítima de um enfarte do miocárdio. Na sequência daquele evento, em 13/11/2019, comunicou à sociedade a sua renúncia ao exercício da gerência. E, em 20/11/2019, cedeu a totalidade das suas quotas mediante a celebração do devido contrato.

Entende que manteve o estatuto de trabalhador da sociedade R., uma vez que o seu contrato se encontrava suspenso até à data em que renunciou à gerência e cedeu as quotas. Para sustentar a suspensão do contrato de trabalho, invoca aplicar-se o disposto no art.º 398.º, n.º1, do Código das Sociedades Comerciais, relativo às sociedades anónimas, mas que no seu entender é também aplicável analogicamente às sociedades por quotas.

Defende que essa causa suspensiva do vínculo laboral manteve-se até à produção de efeitos da renúncia à gerência, em Novembro de 2019, data a partir da qual o contrato de trabalho retomou a sua normal execução, mas ficando de novo suspenso, agora em consequência da sua incapacidade para o trabalho devido ao enfarte de miocárdio, e nos termos do artigo 296.º n.º1 do CT.

Mais alega que o contrato veio a cessar em 08-02-2021, por despedimento ilícito da Ré, por efeito da comunicação desta dizendo-lhe já não ser seu trabalhador, em resposta a uma sequência de interpelações suas reclamando créditos laborais.

Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificada a ré para contestar.

A Ré contestou, contrapondo, no essencial, que a tese construída pelo autor não pode ser acolhida, não tendo ocorrido qualquer suspensão do contrato de trabalho, desde logo, por não ser aplicável o art.º 398.º, n.º 1 do C.S.C. e, por decorrência, não havendo já lugar á aplicação do art.º 294.º do CT.

Alega que em 12 de dezembro de 2003, o Autor, por sua livre vontade e iniciativa, adquiriu quota no capital social da Ré, tendo sido, nessa mesma data, nomeado gerente da sociedade Ré, o que aceitou livremente, bem como a remuneração atribuída a tal título. O contrato de trabalho cessou com o início do vínculo como membro de órgão estatutário, por essa razão, com o pleno conhecimento do A., a Ré comunicou o fim do seu vínculo laboral, como trabalhador por conta de outrem, em 30-11-2003.

Mais alega, que o artigo 398.º do C.S.C., não tem aplicação às sociedades por quotas, como é o caso da Ré. E, também não ocorreu suspensão do contrato nos termos dos artigos 294.º e ss. do C.T., porquanto não se verificou acordo das partes nesse sentido, nem ocorreu nenhum facto não imputável ao trabalhador que assim determinasse.

Não há, pois, despedimento ilícito, nem o Autor tem direito aos alegados créditos laborais que reclama, nem há qualquer fundamento para o pedido de indemnização por danos morais.

Conclui, pedindo a sua absolvição dos pedidos e a condenação do Autor em litigância de má-fé, dado ser manifestamente censurável a conduta com que se apresenta na presente lide.

Foi proferido despacho saneador no qual foi afirmada a validade e regularidade da instância e dispensada a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.

Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento.

I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte: -«Em face do exposto julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, decido absolver a ré de todos os pedidos contra ela formulados pelo autor.

Custas a cargo do autor.

[..]».

I.3 Inconformado com esta sentença, o autor interpôs recurso de apelação, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, julgando-se a ação totalmente procedente, por provada, sendo a recorrida condenada nos exatos termos peticionados.

I.4 A Recorrida Ré apresentou contra-alegações, que encerrou com as conclusões seguintes: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Nestes termos, e nos melhores de Direito aplicáveis, devem as alegações de recurso do Recorrente ser julgadas improcedentes nos termos acima expostos, e, em consequência, deve a decisão recorrida ser mantida nos seus exatos termos.

I.5 O Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado pela improcedência do recurso, no essencial, na consideração do seguinte: -«[..] Perante tal factualidade não resulta que o recorrente tenha continuado a prestar idêntico trabalho anteriormente exercido – cfr. Ac. do STJ. de 29-09-1999. Após sua aquisição de quotas, não resulta que o litígio tenha uma efetiva natureza laboral, pelo que nenhuns créditos salariais lhe são devidos – cfr. Ac. do STJ.de 08-07-2020.

É notório que a argumentação da alegação do recorrente não possa subsistir em confronto com a criteriosa fundamentação doutamente expendida na decisão sob recurso.

Como tal, a ilustre julgadora “a quo” estava a habilitada a pronunciar-se sobre o mérito da causa no modo como decidiu.

Improcedem, pois, as conclusões formuladas [..]».

I.6 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.

I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], coloca-se para apreciação o seguinte: i) A arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito, em violação dos artigos 154.º, 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil e, ainda, 205.º, n.º 1 da CRP; ii) Alegado erro de julgamento na apreciação e decisão sobre a matéria de facto, relativamente aos factos provados A e Z e aos factos não provados indicados na conclusão 6.ª; iii) Na aplicação do direito aos factos, em razão do Tribunal a quo não ter entendido que o contrato de trabalho esteve suspenso e após a cessação da suspensão veio a cessar por despedimento ilícito.

  1. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO O elenco factual fixado pelo Tribunal a quo é o que segue: A) O autor foi admitido ao serviço da ré no dia 1 de fevereiro de 1998 para, sob as suas ordens, direção e subordinação, desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de empregado de escritório.

    1. Tal admissão foi titulada por contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré a tempo completo mediante a retribuição mensal de 24.970$00 correspondente a € 147.96.

    2. O autor adquiriu, no dia 12.12.2003, uma quota no capital da sociedade ré no montante de € 1400,00 D) O autor manteve a prestação normal com a categoria profissional de empregado de escritório até ao referido dia 12.12.2003, momento em que, em assembleia geral e por deliberação ali tomada, foi nomeado gerente da sociedade.

    3. Mais foi deliberado na mesma assembleia, para além da nomeação de gerente, que o exercício da gerência pelo autor seria remunerado.

    4. O autor passou então a exercer na sociedade ré as funções de gerente com a remuneração mensal no montante de € 813.00 acrescida de subsídio de refeição no valor de € 5,20.

    5. O autor não mais prestou as funções de empregado de escritório.

    6. O autor permaneceu no exercício das funções de gerente até ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT