Acórdão nº 25776/19.8T8LSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. No âmbito do Processo Especial de Revitalização em que é devedora Orey Antunes, SA. (designada nos autos por “SCOA”), foi proferida, em 25-07-2020, sentença homologatória do plano de revitalização que, objecto de apelação interposta pela Caixa Geral de Depósitos, SA, foi confirmada por acórdão proferido, em 03-12-2020, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que transitou em julgado em 29-12-2020[1].

2. Em 02-03-2022, a Caixa Geral de Depósitos veio interpor recurso extraordinário de revisão daquele acórdão, ao abrigo do disposto no artigo 696.º, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil (doravante CPC).

3. Por acórdão proferido, em 06-09-2021, pelo tribunal da Relação de Lisboa e nos termos do artigo 699.º, n.º1, do CPC, foi indeferido o referido recurso de revisão por inexistência de fundamento para o efeito.

4. Inconformada, a Recorrente vem recorrer deste acórdão para o STJ, formulando as seguintes conclusões (transcrição): “I. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão da Relação de Lisboa que, com sustento no art.º 699.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decidiu indeferir o recurso de revisão interposto pela CGD.

II. O referido recurso de revisão, assentou, essencialmente, nos fundamentos/requisitos encerrados nas al. c) e d) do art.º 696.º do Código de Processo Civil.

III. A Douta Relação entendeu que nenhum dos requisitos se encontrava preenchido, considerando que nem o documento apresentado pela Recorrente era novo e suficiente, e, por outra banda, IV. Se o documento não assumia as referidas características então é certo que falecia por inerência o fundamento de nulidade do PER, que teria por base de prova aquele mesmo documento.

V. Além do exposto, a Douta Relação sempre consideraria como não preenchido o dito fundamento da al. d) do art.º 696.º do CPC uma vez que considera que o plano de recuperação não é equiparável a uma transação.

VI. Merece censura toda a decisão da Douta Relação de Lisboa, em especial porque, em sentido avesso à unânime jurisprudência, considerou que o plano de recuperação não configura uma transação.

VII. É esta a questão de direito que se encontra em total e manifesta discordância com outros julgados, pelo menos 15 acórdãos.

VIII. Dispõe o art.º 14.º do CIRE que “No processo de insolvência (…) não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.” (negrito e sublinhado nosso) IX. Estamos, pois, perante uma garantia absoluta de recorribilidade sempre que se verifique uma situação de oposição de julgados, como sucede.

X. A Douta Relação de Lisboa entende que o PER não tem uma estrutura adversarial, que o plano apresentado pelo devedor e votado favoravelmente pelos credores não configura o terminus de um litígio “mediante recíprocas concessões”, até porque, pode prosseguir em caso de incumprimento e que vincula mesmo os credores que não deram o seu voto favorável ao plano, o que, no seu entendimento, é de todo incompatível com a figura contratual da transação e conclui assim pelo indeferimento do recurso de revisão por falta de preenchimento dos pressupostos do art.º 696.º, alínea d) do CPC.

XI. A contrariar este entendimento juntou-se o Acórdão-fundamento que refere inequivocamente no seu sumário que “O plano de insolvência e o plano de recuperação no PER têm a natureza de negócio processual, ou seja, de uma transacção.”.

XII. A par do mui Douto Acórdão-Fundamento e bem assim da jurisprudência dominante, a Recorrente entende que, enquanto manifestação de vontade das partes que é, o PER tem naturalmente de assumir-se como um negócio jurídico, em regra, extintivo de determinadas obrigações.

XIII. Trata-se de um acordo de vontades que, depois de aprovado e homologado, repercute na esfera jurídica dos visados.

XIV. Como contrato atípico que é, tem de característico a circunstância de se impor, dentro dos limites admitidos na lei, a todos os credores – sua vertente vinculativa; XV. Entre os vários tipos de negócios processuais encontram-se: a desistência, a confissão e a transação, cujas partes no negócio serão necessariamente as partes na ação.

XVI. No que respeita à transação, esta assume-se claramente como o negócio jurídico processual que legitimou e suportou o recurso de revisão interposto pela Recorrente e que foi indeferido, o que, face à jurisprudência enunciada bem como ao Acórdão-Fundamento, não deveria ter sucedido! XVII. E, enquanto contrato que é, a transação encontra-se, pois, sujeita ao regime dos negócios jurídicos (artigos 217.º e ss. do Código Civil) e, em especial, à disciplina jurídica dos Contratos (artigo 405.º do Código Civil).

XVIII. Impõe-se, portanto, a procedência desta Revista e o consequente deferimento do recurso de revisão com base no fundamento previsto na al. d) do art.º 696.º do CPC.

XIX. Acresce que, quanto à falta de admissão do documento para efeitos de preenchimento desta al. d) do art.º 696.º do CPC, ignorou a Douta Relação que os pedidos ou fundamentos formulados pela Recorrente eram simples, cumulados e independentes (não subsidiários), e assim sendo, o dito relatório [prova documental], para efeitos de verificação do cumprimento dos termos desta alínea d) do art.º 696.º do CPC, não exige os requisitos da novidade e suficiência.

XX. Com respaldo no texto do Douto Acórdão-Fundamento, quem pretenda ver declarada a nulidade do PER enquanto negócio jurídico tem duas opções: ou a ação de anulação/declaração de nulidade via comum ou o recurso de revisão.

XXI. Em qualquer destes dois cenários, competirá à Parte provar os factos que alega por via de quaisquer documentos ou outros meios de prova admitidos mas sendo certo que sem imposição de limites quanto aos requisitos [novidade e superveniência] que são especifica e unicamente exigidos apenas pela al. c) do art.º 696.º do CPC.

XXII. Portanto, o documento junto pela Recorrente, de forma independente para cada requisito do art.º 696.º do CPC, teria, neste caso [verificação da al. d), 696.º CPC], de ser apreciado como meio de prova idóneo às conclusões apresentadas pela Recorrente quanto à nulidade do plano de recuperação, sendo que não dependia das características da novidade e suficiência, outrossim impostas apenas e tão-só para a al. c) do art.º 696.º do CPC.

XXIII. Impõe-se, pois, que seja julgada procedente a presente revista por verificação da oposição de julgados, e admitida a revisão por nulidade de transação, devendo o relatório da D... ser apreciado para efeitos de prova de tudo quanto se aduziu a este respeito, em concreto o abuso de direito da Devedora.

XXIV. A lei estatui os limites gerais da autonomia privada no conteúdo do negócio jurídico (artigo 280.º do Código Civil) bem como no exercício de direito subjetivo, por excesso manifesto dos limites impostos pelo fim económico do direito (artigo 334.º do Código Civil).

XXV. Um plano aprovado em desconformidade com os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores (Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011) bem como dos princípios primordiais de qualquer negociação, a boa-fé e a transparência, tem se de entender como um plano inadmissível, por eivado de abuso do direito.

XXVI. Estão em causa questões que se subsumem ao verdadeiro interesse público têm de ser acauteladas pelo poder judicial.

XXVII. No caso, a Devedora agiu em termos apodicticamente ofensivos da Justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar a Recorrente, já que, XXVIII. Através deste PER, a Devedora pretendeu impor uma recuperação limitada ao falso valor que (conscientemente) atribuiu à garantia de penhor associada ao crédito da Recorrente.

XXIX. A Devedora atuou em manifesto abuso de direito, primeiramente, na modalidade de exceptio doli, já que não agiu de forma honesta nem como uma “pessoa” de bem e violou o mais básico dever de honeste agere, demitindo-se de agir de boa fé e na busca de uma solução construtiva que satisfizesse todos os envolvidos e não apenas os seus interesses próprios.

XXX. Além do exposto, como decorrência do princípio de confiança que incutiu à maioria dos seus credores, a Devedora agiu igualmente em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

XXXI. Está em causa um conceito de confiança subjetiva que se sustentou de forma objetiva nos termos e condições de um plano todo ele contaminado pela má-fé da Devedora, que, em seu proveito, alterou e omitiu factos relevantes para a decisão que se impunha aos Credores.

XXXII. Ao agir desta forma, entende-se que a Devedora fez deste processo um uso manifestamente reprovável e socialmente censurável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, o seu enriquecimento às custas dos Credores de boa-fé, em total desrespeito pelo fim social e económico que rege um procedimento desta natureza, atuação esta que redunda em abuso de direito, ferindo de nulidade todo o PER.

XXXIII. A SCOA sempre soube que a única forma de cumprir o plano seria através do recebimento de eventuais dividendos, tanto que essa informação consta dos próprios mapas previsionais apresentados no PER.

XXXIV. Ainda assim, de forma não séria, fez por iludir os seus Credores e, salvo o devido respeito, também o Douto Tribunal a quo.

XXXV. O próprio teor do relatório de contas de 2019 realça o real objetivo da SCOA, que é o de “liquidar os passivos da Companhia e entregar os ativos da Companhia em espécie aos acionistas evitando um processo desnecessário de venda dos ativos e mantendo o valor dos bens.

XXXVI. Os factos alegados pela Recorrente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT