Acórdão nº 28/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 28/2023

Processo n.º 869/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., ora reclamante, foi condenado, em primeira instância (Instância Local de Bragança – Secção Cível e Criminal – J2), pela prática de um crime de falsidade informática e um crime de abuso de poder, respetivamente previstos e punidos pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 109/09, de 15 de setembro, e pelo artigo 382.º do Código Penal. Em cúmulo jurídico, foi fixada a pena única de dois anos e onze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

1.1. Inconformado, dessa decisão interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que por acórdão de 3 de julho de 2017, negou provimento ao recurso do arguido mas, julgando parcialmente provido o recurso interposto pela assistente, acrescentou àquele a condenação pela prática de um crime de violência doméstica, pelo qual tinha sido também pronunciado. Em cúmulo jurídico, o Tribunal da Relação de Guimarães, condenou o arguido na pena única de quatro anos de prisão.

1.2. Novamente inconformado, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão datado de 15 de novembro de 2017 foi rejeitado, com fundamento em irrecorribilidade da decisão.

1.3. Desta decisão, recorreu para o Tribunal Constitucional em 4 de dezembro de 2017, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC).

A questão acabou por ser apreciada em Plenário com a prolação do Acórdão do Plenário n.º 525/2021, de 13 de julho, nos termos do qual se decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, revertendo decisão absolutória parcial proferida pela 1.ª instância, agravem, sem ultrapassar o limite de cinco anos, a pena unitária de prisão, suspensa na sua execução em que o arguido havia sido condenado na 1.ª instância».

1.4. Notificado desta decisão do Tribunal Constitucional, apresentou o ora reclamante, em setembro de 2021, recurso de constitucionalidade, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3 de julho de 2017. Este recurso de constitucionalidade não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

1.5. Notificado dessa decisão, o arguido deduziu reclamação ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC para o Tribunal Constitucional, dando origem ao Proc. n.º 1259/21, distribuído à ora relatora. Neste Proc. n.º 1259/21, decidido em conferência, foi proferido o Acórdão n.º 599/2022, em 22 de setembro de 2022.

O Acórdão 599/22, após a constatação da sua tempestividade, decidiu indeferir a reclamação,

1.6. Sem aguardar a decisão relativa ao Proc. n.º 1259/2021, suprarreferida, A., foi de novo junto do Tribunal da Relação de Guimarães, em 9 de junho de 2022, interpor recurso de sobre a mesma decisão de 3 de julho de 2017, acionando, novamente, a tramitação acabada de descrever.

2. Por despacho do relator, em 15 de junho de 2022, este recurso não foi admitido.

2.1. Inconformado o então recorrente reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 405.º, do Código de Processo Penal, que, por despacho do relator, viu a reclamação indeferida.

2.2. Ainda inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, indeferido por despacho do relator.

2.3. Inconformado com o referido despacho, reclama para o Tribunal Constitucional, dando origem aos presentes autos.

2.3. Foi proferido o Acórdão n.º 825/2022 (fls. 54 e ss.), que decidiu indeferir a reclamação apresentada.

2.4. O mesmo acórdão, a final, entendeu ainda notificar o reclamante para o efeito do disposto no artigo 542.º, do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 69.º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, no prazo de 2 dias (artigo 84.º, n.ºs 6 e 7, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), atento o relatado nos pontos 4 e 5 da Fundamentação.

3. Notificado, o reclamante vem aos autos dizer o seguinte:

«(…)

No acórdão ora proferido, o Tribunal Constitucional indeferiu a reclamação apresentada do despacho de não admissão do recurso para este Tribunal Constitucional, proferido pelo STJ, a qual, por sua vez, era interposta sobre o despacho que havia conhecido da reclamação do despacho da Relação de Guimarães que não admitira o recurso, entrado em 09.06.2022, sobre o acórdão de 03.07.2017 dessa Relação.

Mais notificou o Reclamante para se pronunciar sobre a eventual condenação como litigante de má-fé, atento o relatado nos pontos 4 e 5 da respetiva fundamentação.

Direito que ele ora exercita, por não alcançar nem conceber que a factualidade apontada possa constituir uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave que justifique um elevado juízo de reprovação e correspondente reação punitiva.

Vejamos.

O recurso de constitucionalidade mencionado no ponto 4 foi remetido ao Tribunal Constitucional por despacho do STJ, de 07.12.2017.

Apenas merecendo decisão no acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional (nº. 525/2021), proferido em 13.07.2021, ou seja, mais de 3,5 anos depois.

Esse acórdão nº. 525/2021 transitou em julgado, em 10.09.2021, e consubstanciou a irrecorribilidade do acórdão condenatório proferido pela Relação de Guimarães em Julho de 2017.

O aqui Reclamante interpôs, então, dois recursos para o Tribunal Constitucional (em 20.09.2021 e em 23.09.2021) para apreciação da constitucionalidade de várias interpretações normativas contidas na decisão da Relação de Guimarães.

Todavia, por despacho de 25.10.2021, a Relação de Guimarães não admitiu aqueles dois recursos, por considerar que a sua decisão de Julho de 2017 havia já transitado em julgado.

Tendo o aqui Reclamante apresentado reclamação desse despacho para o Tribunal Constitucional, em 09.11.2021.

Entretanto, no acórdão nº. 599/2022, proferido, em 22.09.2022, nos autos de reclamação nº. 1259/21, da 2ª. Secção, o Tribunal Constitucional entendeu o seguinte:

"Com efeito, os requisitos de admissibilidade deste mecanismo adjetivo reclamam uma abordagem holística, que permita acautelar adequadamente as preocupações do legislador. Assim, a exigência de utilidade do recurso de fiscalização concreta deve evidentemente ser conjugada com o requisito relativo à tempestividade da sua interposição (artigo 75.º, n.º 2, da LTC) e, bem assim, com a exigência de que o Tribunal Constitucional só se pronuncie depois de os demais tribunais terem "dito a sua última palavra" ou palavra definitiva sobre a questão de constitucionalidade concretamente em causa. A este respeito importa considerar que, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.ºs 2, 3 e 4, da LTC, tal implica não só a adoção de um conceito amplo de recurso ordinário - tão amplo que abranja também incidentes pós-decisórios como a arguição de nulidade (cf. o Acórdão n.º 337/99) -, como também o trânsito em julgado da decisão de que se pretende recorrer (cf. o Acórdão n.º 4/2004, n.º 4). Paralelamente, a irrecorribilidade definitiva nas jurisdições comuns da decisão de que se pretende interpor recurso de constitucionalidade com base no artigo 75.º , n.º 2, da LTC implica a imodificabilidade da decisão que não admitiu o recurso ordinário, o que, caso esta última tenha sido objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, implica o trânsito em julgado da decisão deste Tribunal relativa a tal recurso (cf. o artigo 80.º, n.º 4, da LTC) . Ou seja, apenas com a efetiva estabilização da questão da recorribilidade da decisão de mérito - aquela de que se pretende interpor recurso de constitucionalidade com base no artigo 75.º, n.º 2, da LTC - se poderá garantir a pertinência de um eventual conhecimento da pretensão de constitucionalidade manifestada. De outro modo, poderia este Tribunal Constitucional debruçar-se sobre uma decisão que, afinal, se vem a revelar como sendo ainda recorrível.

Assim, tendo em conta que, in casu, o Acórdão n.º 525/2021 do Plenário deste Tribunal Constitucional - que se pronunciou pela não Inconstitucionalidade da «norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que, revertendo decisão absolutória parcial proferida pela 1ª. instância, agravem, sem ultrapassar o limite de cinco anos, a pena unitária de prisão, suspensa na sua execução em que o arguido havia sido condenado na 1ª. instância - transitou em julgado no dia 10 de setembro de 2021, dispunha o ora reclamante de 10 dias, a partir de tal data, para apresentar recurso de constitucionalidade, se assim o pretendesse (artigo 75.º, n.º 2, da LTC).

Deste modo, uma vez que o recurso deduzido nos presentes autos de reclamação data de 20 de setembro (1ª. parte) e de 23 de setembro (2ª. parte), considera-se tempestiva a respectiva interposição. "

Em suma, o Tribunal Constitucional considerou que, por via do disposto no artº. 75º, nº. 2, da LTC, ambos os sobreditos recursos (de 20.09.2021 e de 23.09.2021) tinham sido interpostos tempestivamente.

O que equivale a dizer que - por terem sido interpostos tempestivamente - tais recursos para apreciação da constitucionalidade de diversas normas na interpretação adoptada no acórdão do Relação de Guimarães (e a subsequente reclamação contra a sua não admissão, apresentada em 09.11.2021), obstaram a que o acórdão da Relação de Guimarães tivesse transitado em julgado. (negrito nosso)

Tudo conforme se alcança...

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