Acórdão nº 2053/18.6T8STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ MANUEL BARATA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc.º 2053/18.6T8STR-A.E1 Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrentes: (…) e (…).

*No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Comércio de Santarém - Juiz 2, no âmbito da insolvência de (…) – Comércio e Indústria de (…) e (…), Lda., foi deduzido incidente de qualificação culposa da insolvência contra os ora recorrentes e a sua consequente afetação, com fundamento nas alíneas a), d), f), g) e h), do artigo 186.

º/2, do CIRE.

O Sr. AI e o Ministério Público não acompanharam o pedido de qualificação da insolvência como culposa.

A requerida insolvente foi notificada na morada da sede, e os requeridos foram regularmente citados, tendo apresentado oposição.

Procedeu-se à elaboração de despacho saneador, com seleção do objeto do litígio e dos temas de prova.

Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão: Por tudo o exposto decide-se:

  1. Qualificar a presente insolvência da (…) – Comércio e Indústria de (…) e (…), Lda. como culposa; b) Julgar afetados pela qualificação da insolvência os requeridos (…) e (…), inibindo-os quer para administrar patrimónios de terceiros, quer para exercer o comércio bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 5 (cinco) anos; c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela pessoa afetada pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; d) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores da insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal valor a apurar em sede de liquidação de sentença, de acordo com aquilo que não seja satisfeito com a liquidação do ativo da massa insolvente e a força dos patrimónios dos afetados, apurado após a realização do rateio pelos credores.

    Custas a cargo da massa insolvente, nos termos do artigo 304.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

    Proceda-se às comunicações referidas no artigo 189.º, n.º 3, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

    *Não se conformando com o decidido, os recorrentes apelaram, formulando as seguintes conclusões que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

  2. Vem o presente recurso impugnar a sentença proferida nos autos, versando essencialmente sobre a fundamentação de Direito que lhe está subjacente, por discordarem os Recorrentes da interpretação que faz a douta sentença a quo das normas legais aplicáveis, e que concretamente aplicou, o que consubstancia uma violação do regime jurídico da qualificação da insolvência, conforme se demonstrará.

  3. A Mma. Juiz a quo que “no caso dos autos, a qualificação da insolvência como culposa estriba-se nas alíneas a), d), f), g) e i), do artigo 186.º/2, do CIRE, considerando, no mais, o limite temporal dos 3 anos que antecederam a instauração do processo de insolvência, está em causa apenas factualidade praticada pelos requeridos … (como gerente em representação da "Empresa Editora … ") e … (como gerente em representação da "Empresa Editora … ") após 16-7- 2015.” c) Da factualidade dada como provada entendeu a Mma. Juiz a quo que não se provou a existência de bens da insolvente que esta, após 16-7-2015, tenha ocultado ou feito desaparecer, sendo os mesmos parte considerável do património da devedora.

  4. Motivo pelo qual ficou prejudicada a qualificação da insolvência nos termos da alínea a) do artigo 186.º/2, do CIRE.

  5. “Também nada se provou quanto à disposição de bens da devedora após 16-7-2015, nem a utilização de créditos ou bens da devedora contrariamente aos interesses da mesma, já que nesta data não existiriam, de acordo com a prova produzida, quaisquer bens da devedora.” f) Outrossim, “relativamente à prática de irregularidades contabilísticas com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora, após 16-7-2015, a mesma não ficou provada porquanto a única irregularidade apontada pela AT na sua inspeção tributária às contas de 2015 foi alvo de retificação, e o Sr. AI, com base na contabilidade de 2015 e anos seguintes não detetou qualquer indício de irregularidade que lhe permitisse concluir nesse sentido.

  6. Ficando, por isso, igualmente prejudicada a qualificação da insolvência nos termos das alíneas d), f) e g) do artigo 186º/2 do CIRE.

  7. Não obstante, concluiu a Mma. Juiz a quo que “(…) produzida a prova, resultou à saciedade que desde 2002 que as contas da insolvente a reconduziam à situação do artigo 35.º do CSC, de falência técnica. Em 2008 a devedora deixou de pagar pontualmente os salários dos seus trabalhadores. Em 2012 duas trabalhadoras da insolvente despedem-se com justa causa por terem salários em atraso. Durante o ano de 2013 a insolvente deixa de desenvolver a sua atividade no lugar da sede e passa a ocupar a sede da sócia maioritária, com quem faz acordo de pagamento de rendas por encontro de contas; todos os bens que tinha são vendidos em processo executivo e, no caso da carrinha, pela própria pelo valor de € 200,00; e, por fim, cessa a sua atividade para efeitos de IVA e IRS em 30-12-2013; e deixa de laborar em 2-1-2014. Já com toda a atividade paralisada, no balancete geral analítico de dezembro de 2017 da “(…) – Comércio e Indústria de (…) e (…), Lda. constam como resultados transitados - € 173.913,59 (valor negativo). Sendo os únicos gerentes da devedora, os aqui requeridos, um advogado e um contabilista, que estão nessas funções desde a constituição da mesma, não há forma de duvidar do conhecimento dos mesmos quanto ao dever de apresentarem, há largos anos, a sociedade à insolvência. O prazo para o devedor se apresentar à insolvência é, atualmente, e em 2015, fixado em 30 dias e, ao tempo dos factos, a contar do seu conhecimento da situação de insolvência, ou da data em que a devesse conhecer (artigo 18.º, n.º 1). No entanto, sendo o devedor titular de empresa, é estabelecida uma presunção iuris et de iure quanto ao seu conhecimento generalizado das suas obrigações previstas na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º (n.º 3 do artigo 18.º), isto é, das suas obrigações tributárias, ou das suas obrigações à segurança social, ou das suas obrigações de retribuição laboral, ou das rendas devidas por locação, etc.… Desta forma, desde pelo menos 2015 que existe um incumprimento reiterado, pelos requeridos, do dever de apresentarem a devedora à insolvência. Consequentemente, ao abrigo do artigo 186.º/2-i), do CIRE, tem a vertente insolvência de ser qualificada como culposa.” i) Nos termos do artigo 186.º, n.º 1, do C.I.R.E., a «insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência».

  8. Para Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 508), o artigo 186.º, n.º 1, do CIRE consagra-se uma «cláusula geral aberta» que exige, para a qualificação da insolvência como culposa, não apenas uma conduta dolosa ou com culpa grave do devedor e seus administradores mas também um nexo de causalidade entre essa conduta e a situação de insolvência, consistente na contribuição desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, 2011, pág. 283-4) – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01-02-2018, disponível em www.dgsi.pt k) São, por isso, requisitos cumulativos da qualificação de um insolvência como culposa, nos termos do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE: (i) o facto inerente à atuação, por ação ou por omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; (ii) a ilicitude desse comportamento; (iii) a culpa qualificada do seu autor; (iv) e o nexo causal entre aquela atuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01-02-2018, disponível em www.dgsi.pt l) Uma vez considerada a dificuldade de apurar o dolo ou a negligência grave do devedor ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, o legislador permite o recurso a um conjunto tipificado (e taxativo) de factos-índices da mesma (reportados a factos/situações tidos como graves), fazendo-o nos números 2 e 3 do artigo 186.º em causa.

  9. Assim, nos termos do artigo 186.º, n.º 2 – que é que aquele que ora releva, uma vez que a decisão em crise qualifica a insolvência pelo artigo 186.º/2, alínea i), conforme resulta do ponto h) destas conclusões – parece ter sido entendimento da Mma. Juiz a quo que da verificação dos factos-índices nele estabelecidos, designadamente da alínea i), resulta iniludivelmente o carácter culposo da insolvência, prescindindo-se assim de um juízo de culpa (que se afigura aqui presumida normativamente), e da demonstração da existência do nexo de causalidade entre a conduta culposa e a sua adequação para a criação ou para o agravamento da insolvência.

  10. Entendemos, porém, que a recondução da realidade de facto a uma aplicação simplista desta norma, que como veremos resulta em manifesto erro do Tribunal, levar-nos-ia porventura a considerar culposas a esmagadora maioria das insolvências do tecido empresarial português, constituído, consabidamente, por pequenas e médias empresas que esbarram em esforços inimagináveis para honrar os compromissos assumidos.

  11. Sem conceder, ressalve-se que nos presentes autos não se demonstraram preenchidos, ainda que...

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