Acórdão nº 1321/19.4T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2023
Magistrado Responsável | TOMÉ DE CARVALHO |
Data da Resolução | 09 de Fevereiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 1321/19.4T8OLH.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Olhão – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção declarativa com processo comum proposta por (…) contra (…), (…) e (…), a Autora veio interpor recurso da sentença final.
* A Autora pedia que os Réus: a) fossem condenados a reconhecer que a Autora tem direito a haver para si, livre de ónus ou encargos, o prédio rústico identificado na matriz predial rústica de (…), concelho de Olhão, sob o artigo (…), secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…), da freguesia de (…), com a área de 4.000 m2, alienado pelas 1.ª e 2.ª Rés ao 3.º Réu, através de escritura pública notarial de compra e venda outorgada a 04-12-2018 e registada a sua aquisição através da Ap. (…) livre de ónus ou encargos e pelo preço de € 18.000,00 (dezoito mil euros) acrescido dos encargos legais de IMT correspondente a 5% do valor no montante de € 900,00 (novecentos euros) e de Imposto de Selo 0,80 % no montante de € 144,00 (cento e quarenta e quatro euros), num total de € 19.044,00 (dezanove mil e quarenta e quatro euros).
b) fossem condenados a entregarem o referido prédio à Autora livre e desocupado.
c) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 3.º Réu, comprador, venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.
* Para tanto, a Autora alega que é dona de um prédio rústico, que confronta com o prédio transacionado no dia 04/12/2018, pelas segundas Rés ao terceiro Réu pelo preço de € 18.000,00 (dezoito mil euros). Mais invoca que não teve conhecimento da referida venda e que não lhe foi dado o direito de preferência. E, termina, dizendo que a área dos referidos terrenos é inferior à unidade de cultura a que se reporta o n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil.
* Devidamente citadas, as Rés (…) e (…) invocaram a ilegitimidade activa da Ré (…) e afirmaram que a parte rústica que confina com o prédio vendido ao Réu (…) não é mais do que um logradouro e que a Autora não se dedica à agricultura.
Em benefício da sua posição, as Rés sustentam que o prédio vendido ao Réu (…) teve aposta uma placa de venda desde 2015 razão e que o Réu (…) as informou que a Autora não pretendia adquirir o prédio.
Além disso, em 13/11/2018, as Réus (…) e (…) comunicaram a intenção de venda, concedendo o prazo de 8 dias para o exercício do direito de preferência e que a Autora não procedeu ao levantamento da carta.
Adicionalmente, ao invocarem que esta teve conhecimento da projectada venda, defendem que se mostra caduco o exercício do direito de preferência.
* Na sua contestação, o Réu (…) defende igualmente a ilegitimidade da Autora, bem como a caducidade do direito ao exercício da preferência.
O Réu pede ainda a condenação da Autora como litigante de má fé.
* Por decisão proferida em 10/11/2020, (…) e (…) foram habilitadas em substituição de (…).
* Devidamente citada, a habilitada (…) declarou aderir de forma integral à contestação apresentada por (…) e (…).
* Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa deduzida, seguido do despacho de fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
* Realizada a audiência final, o Tribunal a quo decidiu: a) absolver os Réus (…), (…) e (…), bem como a chamada (…) do pedido.
b) julgar improcedente o pedido de condenação da Autora (…) como litigante de má-fé.
* A recorrente não se conformou com a referida decisão e o recurso apresentava as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença, que determinou a improcedência da ação instaurada pela A. ora Recorrente nos seguintes moldes: “
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Julgo a presente Acão improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo os Réus (…), (…) e (…), bem como a chamada (…) do pedido.
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Não pode, sob pena da maior injustiça, a ora Recorrente concordar com Absolvição dos RR. do pedido, com efeito, atenta a prova provada e o depoimento da testemunha (…), sempre se verificariam os pressupostos estabelecidos no artigo 1380.º do Código Civil, devendo ser reconhecido o direito da preferência legal a exercer pela confinante e ora Recorrente, acrescendo que, os próprios réus (…) e (…), remeteram inclusivamente e conforme resultou provado em sede de audiência de discussão e julgamento, a comunicação da preferência lega à ora Recorrente em 13/11/2018, (a qual nunca por esta foi recepcionada) por reconhecerem que a ora Recorrente se encontrava na possibilidade legal de exercer o Direito Legal de Preferência face ao prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…), concelho de Olhão, sob o artigo (…), secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…).
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O Tribunal a quo deu como provado que “A Autora é dona e legítima proprietária, com exclusão de outrem, de um prédio misto, constituído por 3 parcelas rusticas compostas de cultura arvense e horta (3720 m2) e uma parcela urbana composta de casas térreas destinada a habitação (388 m2), sito em (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo n.º (…), da secção (…), da freguesia de (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial, com uma área total de 4160 m2”.
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Deu ainda como provado o facto 7 “A Autora e o marido não desenvolvem no referido prédio qualquer actividade agrícola”.
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Ora, dispõe o artigo 1380.º do Código Civil. “1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (...) 4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações”.
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A Portaria 202/70, de 21 de Abril define as áreas de cultura para as diversas regiões do país, sendo que para o distrito de Faro, tal área mínima corresponde a 5 hectares.
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A razão de ser do regime legal consagrado no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, ancora num propósito propiciador do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente – cfr.
inter alia, Ac. Deste STJ de 11/10/79, in BMJ 290-395; de 18/01/94, in CJSTJ, Tomo I, pág. 46 e, na doutrina, Antunes Varela, in RLJ 127-308 e segs. e 365 e segs.
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O artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil confere um direito de preferência com eficácia “erga omnes”, que, segundo Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais” (pág. 225): “Não pode qualificar-se como um puro e simples direito potestativo trata-se, antes, de uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da prelação”.
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Dos requisitos legais citados apenas está em causa a natureza e qualificação do prédio da Recorrente.
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Como se sabe o direito de preferência em apreço é concedido aos donos de prédios rústicos confinantes, desde que um deles tenha área inferior à unidade de cultura – artigo 18.º do DL. 348/88, de 25.10 “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.° do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”, já que o objectivo da lei é fomentar o emparcelamento com que é melhorada a rendibilidade fundiária.
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Pelo supra explanado, e atenta a factualidade dada como provada, excecionando-se naturalmente o facto dado como provado a 7, designadamente “A Autora e o marido não desenvolvem no referido prédio qualquer atividade agrícola”, a Recorrente cumpre todos os requisitos para o exercício do direito de preferência consagrados no artigo 1380.º do Código Civil.
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Com efeito, na motivação da decisão absolutória dos RR. a Meritíssima Juiz a quo foi perentória na sua apreciação e subsunção dos factos a Direito ao constatar: “Ora, tendo ficado provado que a Autora e o marido residem no prédio de que a Autora é proprietária e nele não desenvolvem qualquer atividade agrícola, torna-se evidente que a Autora utiliza o prédio em causa essencialmente para a sua habitação, sendo o núcleo essencial do “prédio misto” da autora, a sua destinação e afetação, próprias de um prédio urbano, não se alcançando, deste modo, os fins para que o legislador consagrou, no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, o direito de preferência.
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E não podendo o prédio da Autora ser considerado prédio rústico, não fica demonstrado, desde logo, um dos requisitos do artigo 1380.º, n.º 1, do CC, o que conduz à improcedência da acção”.
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Entendendo a Recorrente, com a devida vénia e salvo melhor opinião que existiu erro na apreciação da prova e na subsunção dos factos ao Direito, em virtude da incorreta apreciação da testemunha (…), o qual devidamente apreciado conduziria a uma conclusão inelutável, o prédio da Autora deveria ser considerado como rústico, pelo que se verificam como cumpridos todos os requisitos elencados no disposto no artigo 1380.º do Código Civil.
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Com efeito no depoimento da testemunha (…), parece-nos inequívoco que o mesmo referiu que “não produzindo muito, tem semeado alguma coisa pelo que existe cultivo na propriedade da A. ora Recorrente, cultivo esse que continua a ser feito desde a época em que o seu sogro era vivo, ou seja anteriormente a 1996”.
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Pelo que considera a Recorrente que o facto 7 a ser dado provado, deveria ter sido da seguinte forma “que existe actividade agrícola no prédio da Autora, ainda que a uma escala pequena de produção que tem vindo a ser realizada desde o óbito do pai desta, pelo seu...
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