Acórdão nº 377/18.1T8FAF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

O Ministério Público instaurou acção judicial de promoção e protecção a favor das crianças AA e BB (arts. 100.º e segs. da Lei n.º 144/99, de 1 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, adiante LPCJP).

Os menores foram acolhidos na instituição Fundação ..., em ..., ..., no dia 02-08-2019, em cumprimento da medida de acolhimento residencial que lhes foi aplicada pelo período de três meses, por se considerar que as crianças não podiam ficar entregues aos cuidados do progenitor, porquanto este não era capaz de assegurar as mais elementares necessidades daquelas, colocando em perigo a integridade e desenvolvimento integral das mesmas crianças.

Por despacho datado de 30-10-2019, foi determinada a prorrogação da medida provisória de acolhimento, até ao período de seis meses.

Em 14-02-2020, foram elaborados e assinados acordos de promoção e protecção, relativos à aplicação, em benefício das crianças AA e BB, da medida de acolhimento residencial, pelo período de seis meses.

Foram juntos aos autos os relatórios de acompanhamento da medida pelas técnicas competentes da Segurança Social, tendo sido realizada perícia às competências parentais do requerido, não tendo sido realizada perícia psicológica à progenitora, por esta ter faltado ao exame.

Por decisão datada de 26-08-2020, foi decidido prorrogar a medida de acolhimento residencial por mais dois meses.

Por despachos datados de 03-03-2021 e de 03-09-2021, procedeu-se à revisão da medida, e foi decidido manter a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada em benefício das crianças AA e BB, por mais seis meses.

A Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais (EMAT) propôs a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista à adopção, ao abrigo da alínea g), do n.º 1 do artigo 35.º, da LPCJP, e do artigo 1978.º do Código Civil por se considerar ser a medida necessária e adequada a salvaguardar o superior interesse das crianças.

O requerido opôs-se à medida proposta pela EMAT.

Por despacho de 29-06-2022, foi decidido prorrogar a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial aplicada em benefício das crianças, pelo período de três meses, enquanto se procede ao diagnóstico da situação das crianças e à definição do seu encaminhamento subsequente.

O Ministério Público apresentou alegações, e promoveu a aplicação da medida de promoção e protecção de confiança das crianças à instituição onde se encontram com vista à sua futura adopção.

O progenitor apresentou alegações, manifestando-se contra a aplicação da medida de promoção e protecção proposta, e a favor da aplicação de uma medida de apoio junto do pai.

Procedeu-se a debate judicial, com produção da prova requerida pelo Ministério Público e pelo requerido, após o que foi proferida sentença que decidiu: a) Aplicar às crianças AA, nascida em .../.../2018 e BB, nascido em .../.../2015, a medida de promoção e protecção de confiança à instituição Fundação ..., em ..., ..., com vista à adopção; b) Decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais relativas às mencionadas crianças por parte de CC e de DD; c) Decretar a inibição de visitas às crianças por parte da família natural ou biológica.

Inconformado, o requerido progenitor dos menores interpôs recurso de apelação para o Tribunal de Relação do Porto, que, em 14/12/2022, proferiu acórdão, que julgou o recurso improcedente e, em consequência, confirmou a sentença recorrida. Novamente inconformado, o requerido progenitor interpôs o presente recurso de revista, por via excecpional, para o Supremo Tribunal de Justiça.

O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

  1. Em 19/01/2023, foi proferida decisão da relatora com o seguinte teor: «Nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, não é admissível revista por via normal do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.

    No presente caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente a decisão de 1.ª instância, não existindo qualquer voto de vencido; por outro lado, a fundamentação do acórdão recorrido não é essencialmente diferente da fundamentação da decisão da 1.ª instância.

    Tendo o Recorrente vindo interpor recurso de revista por via excepcional, invocando as alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, a decisão de admissibilidade cabe à Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC.

    Contudo, considerando que o presente processo de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo é um processo de jurisdição voluntária, como decorre do art. 100.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de setembro), cumpre, em primeiro lugar, apreciar se a revista é admissível à luz do disposto no art. 988.º, n.º 2 do CPC.

    Dispõe tal normativo que “das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

    Tem entendido este Supremo Tribunal que, “no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, a intervenção do STJ pressupõe, atenta a sua especial incumbência de controlar a aplicação da lei processual ou substantiva, que se determine se a decisão recorrida assentou em critérios de conveniência e de oportunidade ou se, diferentemente, a mesma corresponde a um processo de interpretação e aplicação da lei” (Acórdão de 06-06-2019, proc. n.º 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

    À luz deste entendimento, haverá que, antes de mais, “ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade” (acórdãos deste Supremo Tribunal de 16-11-2017 (proc. n.º 212/15.2T8BRG-A.G1.S2) e 11-11-2021 (proc. n.º 1629/15.8T8FIG-D.C1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt).

    Cumpre apreciar.

    No caso concreto dos autos, a confirmação da aplicação aos menores da medida de promoção e protecção de confiança à instituição com vista à adopção partiu da consideração de que a família biológica não tem condições para recuperar o seu papel na vida dos menores e de que o interesse superior destes impõe que se defina, desde já, um projecto de vida claro e determinado.

    A este propósito, o Tribunal da Relação considerou ser “particularmente relevante a circunstância de ao progenitor terem sido dadas várias oportunidades para assumir uma paternidade responsável e a responsabilidade pela criação de condições para assegurar a confiança destes (factos dos pontos 9, 15, 16 e 22), os quais apenas lhe foram retirados e colocados em acolhimento residencial quando se apurou «que as crianças não podem ficar entregues aos cuidados do progenitor, porquanto este não é capaz de assegurar as mais elementares necessidades daqueles, colocando em perigo a integridade e desenvolvimento integral destas crianças».

    Esse acolhimento ocorreu quando a AA tinha sensivelmente ano e meio de idade e o BB quase quatro anos de idade. Dada a idade que os menores tinham nessa altura, os mais de três anos que já dura esse acolhimento na instituição, os escassos e sucessivamente menores convívios ou contactos com o pai, a praticamente absoluta inexistência de contactos com a progenitora durante esse período, a inexistência de alternativas na família alargada de qualquer dos progenitores, é fácil de constatar, atenta a idade dos menores, as etapas em que se divide o seu crescimento e a caracterização destas, não custa concluir que entre os menores e a sua família biológica não existem já os vínculos afectivos fortes que são próprios de uma família.”.

    Poderia afirmar-se que resulta do exposto que, na fundamentação do acórdão recorrido, a apreciação do caso é meramente casuística, incidindo nas circunstâncias concretas da vivência dos menores e da sua relação com cada um dos progenitores, além de relevar também a motivação e empenho do progenitor recorrente no exercício das responsabilidades parentais, o que levaria a concluir que a valoração em causa é puramente factual e não jurídica.

    Sucede, porém, que a valoração factual em causa nos autos não se mostra, no contexto da argumentação do acórdão, dissociável da necessária subsunção dos factos assim apurados aos pressupostos legais conducentes à adopção tal como previstos no art. 1978.º, n.º 1 do CPC.

    Entende-se, assim, que, pese embora a análise casuística que é necessariamente levada a cabo, a decisão do Tribunal da Relação não deixa também de ser orientada por critérios de legalidade estrita, que se encontram impugnados pelo recorrente (cfr. conclusões de recurso constantes dos pontos 18. a 31.).

    Deste modo, a impugnação por via recursória não se atém aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pela decisão recorrida, questionando também a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se funda tal decisão e, bem assim, a respectiva constitucionalidade (cfr. ponto 30.º das conclusões recursórias).

    Assim, num caso, como o dos autos, de processo de jurisdição voluntária para aplicação de medida de promoção e protecção, em que o recorrente impugna o acórdão do Tribunal da Relação com fundamento em que nele foi cometido erro de aplicação dos critérios legais constantes do arts. 1978.º, n.º 1, do CC, 35.º, n.º 1, alínea g), e 38.º-A, alínea b), da LPCJP, 6.º, n.º 1, 8.º e 13.º da CEDH, mediante incorrecta análise dos factos dados como provados, sustentando que a correcta aplicação daquelas normas levaria a que, atenta a situação actual do progenitor, bem como o interesse dos menores, não fosse decretada a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT