Acórdão nº 01602/21.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução11 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I – RELATÓRIO 1.1.

AA, com residência no Porto, intentou a presente ação administrativa contra o Estado Português, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de 30.000,01€ a título de indemnização pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.

Para tanto, alega, em síntese, que litigou contra o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., num processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e que durou 9 anos, 3 meses e 17 dias até ser proferida decisão final.

Segundo alega, está legitimado para a presente ação contra o Estado Português, na medida em que detinha 60% do capital social da sociedade, face ao disposto no art. 164.º, n.ºs 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Invoca que sofreu danos com gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, conforme exigido no art. 496.º, n.º 1, do CC, em virtude da incerteza, angústia e ansiedade que a espera lhe causou.

1.2. Citado, o Réu contestou a presente ação, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que o Autor também contribuiu para a delonga processual, uma vez que não requereu o andamento do processo, através da aceleração processual, como poderia e deveria ter feito.

Ademais alega que a culpa é diminuta, porque os meios humanos do Tribunal Central Administrativo Norte eram escassos para tramitar e decidir o volume de processos que ali davam entrada, considerando a elevada pendência e o número de juízes.

Finalmente, alega que a quantia peticionada é manifestamente excessiva, desajustada e injusta.

Conclui, pugnando pela improcedência da ação.

1.3. Em 09/03/2022 realizou-se a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

1.4. Prosseguiram os autos para julgamento, e concluída a audiência, foi proferida sentença, datada de 13/06/2022, decidindo de facto e de direito, onde se julgou parcialmente procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva: «Em face do exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação e, em consequência: a) Condeno o Réu a pagar ao Autor o valor de EUR 3.000,00 (três mil euros), acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença; b) Absolvo o Réu do demais peticionado.

Custas pelo Réu e pelo Autor, na proporção dos respetivos decaimentos, que desde já se fixam em 10% e 90%, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que o Autor beneficia.

Registe e notifique.» 1.5. Inconformado com a sentença recorrida, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes Conclusões: «i.

Na douta sentença recorrida foram valorados um conjunto de factos que, s.m.o., mereciam diferente ponderação.

ii.

Referimo-nos, mais concreta e inicialmente, ao facto 2., ao qual não foi atribuída qualquer relevância jurídica para a decisão da causa, sendo que dessa forma ficou prejudicada a conclusão jurídica que pretendemos.

iii.

A mora no desfecho do processo n.º 3407/11...., provocou danos não patrimoniais na esfera jurídica do Recorrente, merecedores da tutela do direito e imputáveis ao Recorrido, a título de responsabilidade civil extracontratual.

iv.

A decisão ora colocada em crise julgou parcialmente procedente a acção, e fixou em, apenas, 3 (três) anos o excesso de prazo razoável na prolação da decisão, à razão de EUR 1.000,00 por cada ano, pelo que condenou o Réu a pagar ao Autor o valor de EUR 3.000,00, acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença.

v.

A sentença recorrida desconsiderou a importância do litígio para o Recorrente – que integra o (iv) critério dos parâmetros quantitaivos que a jurisprudência do TEDH tem apontado para se aferir da violação do direito a uma decisão em prazo razoável –, quando, efectivamente, o objeto do litígio se revestia de especial significado para o Autor, não estando em causa o “mero pagamento de uma quantia económica”...

vi.

A violação do direito a uma decisão em prazo razoável, teve grave repercussão na vida pessoal e profissional do Recorrente.

vii.

O então Autor responsabilizava e reclamava do INPI, uma indemnização pela não concessão atempada de registo da marca “global” – apresentado a 16 de Setembro de 1998 e registado com o n.º ...97 – que só veio a merecer despacho de concessão de marca a 15 de Outubro de 2010.

viii.

A titularidade desta marca, “global”, era condição sine qua non do procedimento para o registo do domínio “global.info”, pela sociedade “Comunicus”, na Internet.

ix.

Registo que expirou a 31 de Julho de 2007.

x.

Com o cancelamento do domínio em nome da sociedade “Comunicus”, esta deixou de lucrar, pelo menos, 300.000,00 Euros, valor que, facilmente, poderia ter sido realizado com a alienação do domínio “global.info”, ou, ainda, rentabilizando-o através de publicidade.

xi.

Perdido aquele que teria sido o seu primordial ativo, o domínio “global.info”, a “Comunicus” soçobrou. Foi dissolvida e o seu património liquidado no final do ano de 2008.

xii.

Por conseguinte, quando o Recorrente intenta a acção contra o INPI para se ressarcir do prejuízo causado por aquele Instituto, processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 2 sob o n.º 3407/11. ..., e que durou 9 anos, 3 meses e 17 dias, não estava em questão um “mero pagamento de uma quantia económica” mas todo um projecto de vida! xiii.

Os danos morais aqui implícitos, não são os habituais e comuns que existem sempre nestes casos, coincidentes com a ansiedade, angústia, incerteza e frustração pela inexistência de decisão, antes assumem no caso vertente uma exacerbada gravidade, atenta a importância que a causa, comprovadamente, tinha para o Recorrente.

xiv.

Não há equidade nem proporcionalidade que não imponham que seja arbitrado ao Recorrente o valor mínimo de 2.000 Euros por cada ano de demora, atendendo à particular importância de que o assunto em litígio revestia para a vida, pessoal e profissional, do Recorrente.

xv.

Como aliás, vem sendo sufragado pelo TEDH – veja-se, por todos, o Acórdão Apicella C. Italie de 10/11/2004, do TEDH, onde lemos: “O montante global será aumentado até 2.000 se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito de trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas” (sublinhado nosso).

xvi.

Não há situação económica do País ou outras quejandas desculpas que possam interpor-se a este juízo, sob pena de uma leitura enviesada e miserabilista, e de os danos nunca serem legal e efetivamente ressarcidos e do Estado Português, mais dia menos dia, voltar a ser Réu em Estrasburgo, sempre pelas mesmas razões.

xvii.

Quanto à excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial, segundo um raciocínio global, o desenrolar do processo tem de ser aferido segundo os 3 primeiros critérios do TEDH e acolhidos pelos tribunais nacionais [abordado que foi o (iv) quarto critério – importância do litígio para o interessado – em v]: (i) a complexidade do caso, (ii) o comportamento processual das partes, e (iii) a atuação das autoridades competentes.

xviii.

Não podemos aceitar que a questão em apreço, esteja envolta em (i) mediana complexidade. Inexistiram, v.g., dificuldades probatórias ou um elevado número de intervenientes processuais.

xix.

Por sua vez, e quanto ao segundo critério, o (ii) comportamento processual das partes, nada houve a apontar que pudesse aportar dilação ao prazo de decisão.

xx.

Relativamente ao terceiro critério, a (iii) atuação das autoridades competentes, critério de todos o mais volátil e indeterminado, não nos parece ter sido sopesado na douta sentença, sendo no entanto, primacial, referir, uma permanente agilização do aparelho da Justiça que se revela na diminuição do excesso de prazo das decisões jurisdicionais.

Página 17 de 18 xxi.

Segundo este raciocínio, e a mais recente e melhor corrente jurisprudencial, nacional e do TEDH, a duração média de um processo judicial situa-se nos 2/3 anos, máxime 4, considerando a tramitação dos autos, a etiologia de eventuais delongas e as complexidades processuais e substantivas ínsitas.

xxii.

E não 4 a 6 de duração global da lide, conforme ditou a sentença, sem sequer ponderar a média aritmética, da qual resultariam 5 anos e não 6, de duração razoável...

Em suma, a sentença recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, por incorrer em erro de julgamento quanto ao montante arbitrado a título de indemnização, em violação da lei (arts. 3.º e 12.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, 496.º, n.º 1, e 566.º, n.º 3, do Código Civil (ex vi art. 3.º, n.º 3 daquele Regime), 22.º da CRP e 6.º, n.º 1, e 13.º da CEDH), devendo ser revogada e substituída por decisão que considere a exacerbada gravidade dos danos morais produzidos, compensando o Recorrente no valor de EUR 2.000 por cada ano de atraso, excesso de prazo que terá de se quantificar em pelo menos 5 (cinco) anos, o que, aritmeticamente, equivale a uma indemnização de EUR 10.000.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas.

mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida, com o que fará este Tribunal inteira e habitual J U S T I Ç A !» * 1.6. O Apelado contra-alegou, apresentando as seguintes Conclusões: «1 – O recurso vem interposto da douta sentença proferida na Ação em apreço em 13/06/2022 que condenou o Estado Português a pagar ao Autor o valor de EUR 3.000,00 (três mil euros), acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença, absolvendo-o do demais peticionado; 2 – No tocante ao excesso de prazo, a Mmª Juiz a quo atendeu à jurisprudência dominante que considera que a duração média de todo o processo...

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