Acórdão nº 00334/22.3BEPNF-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução25 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I. RELATÓRIO 1.

CECAJUVI – CENTRO de CONVÍVIO e APOIO à JUVENTUDE e IDOSOS de ...

, com sede no Largo da ...

, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Penafiel, datada de 14 de Setembro de 2022, que, no âmbito de Processo Cautelar apenso à Acção Administrativa que havia instaurado contra o INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, I.P.

, no qual requeria a suspensão da eficácia do despacho do Presidente do Conselho Directivo do ISS que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo Requerente e que manteve a decisão relativa à pretensa obrigação de o Requerente proceder à devolução ao Requerido da quantia de 142.273,35€ antecipando a decisão do processo principal, art.º 121.º do CPTA - julgou procedente a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto.

* 2.

Nas suas Alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “I – Constitui requisito da natureza meramente confirmativa de um acto administrativo a estabilidade e manutenção dos pressupostos de direito vigentes à data da prolação do acto confirmado.

II – Não constitui um acto meramente confirmativo um acto administrativo praticado em sede de decisão de recurso hierárquico que, mantendo a decisão objecto de recurso, o faz num quadro de regulação jurídica diferente do que vigorava à data da prolação do acto de 1º grau, em matéria relativa aos próprios fundamentos expressamente associados à decisão recorrida.

III – Praticado o acto de 1º grau com fundamento na nulidade decorrente da prática de um crime, nos termos do artº 161º, 2., c) do C.P.A., não há identidade dos fundamentos quando a conduta tipificada como crime é descriminalizada, entre a prolação do acto de 1º grau e a prolação do acto de 2º grau, que incidiu sobre a validade do primeiro; e o referido acto de 2º grau é praticado após a descriminalização da conduta típica.

IV – Reconduz-se à situação em análise o caso dos autos, em que o Recorrente viu rejeitada, pelo despacho que constitui o acto de 1º grau, a sua alegação em audiência prévia em procedimento administrativo, no sentido de que se verificara a prescrição, total ou parcial, da quantia eventualmente em dívida ao Recorrido, tendo este decidido, pelo acto de 1º grau, não haver lugar à prescrição, em virtude de a dívida decorrer de processamento pelo Recorrido de comparticipações em excesso pela Segurança Social, a título de um acordo de cooperação com uma IPSS – a Recorrente –, fundadas em falsas declarações relativamente à frequência de utentes e serviços prestados, o que constituiria crime, enquadrável pelo citado artº 161º do C.P.A. ...

V – Mantendo-se a decisão no acto de 2º grau, com a mesma fundamentação, não obstante ter sido, entretanto, publicado o Decreto-Lei nº 126-A/2021, de 31 de Dezembro, que desgraduou as falsas declarações em causa em mera contraordenação social, pelo seu artº 39-C, f), descriminalizando tal comportamento – mesmo que tivesse ocorrido na espécie.

Alteração legislativa que passou sem qualquer referência no acto de 2º grau, que, não obstante tivesse mantido a decisão de 1º grau, é impugnável pelos vícios próprios.

VI – Ao considerar meramente confirmativo o acto de 2º grau, e, nessa medida, inimpugnável, omitindo os efeitos que a alteração legislativa intercalar necessariamente implicava na situação dos autos, como o Recorrente alegou na petição inicial, a sentença violou, por erro de interpretação, o aludido artº 161º, 2., c) do CPA, bem como, por inaplicação, o artº 39º-C, f) do Decreto-Lei nº nº 64/2007, de 14 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 126-A/2021, de 31 de Dezembro.

VII – O acordo de cooperação celebrado entre Recorrente e Recorrido para funcionamento de um Serviço de Apoio Domiciliário constitui um contrato administrativo – qualificação aliás expressamente formulada pelo artº 7º, 2 da Portaria nº 196-A/2015, de 1 de Julho, para os acordos de cooperação em geral – e para o dos autos em particular.

VIII – Deve ser qualificada como “declaração negocial”, para os efeitos do artº 307º, 1 do Código dos Contratos Públicos, no âmbito desse contrato administrativo, a notificação do Recorrente “para (o Recorrente) acordar (com os Serviços do Centro Distrital do Porto) os termos e condições em que serão efectuadas as rectificações necessárias à regularização das situações detectadas” na acção de fiscalização que deu causa ao procedimento administrativo.

IX – Sufragando os dizeres da sentença, “quando estão em causa litígios sobre questões de validade e interpretação de contratos” – como é o caso dos autos –, “a Administração não dispõe de poder de dizer unilateralmente o Direito, decidindo através de acto administrativo se os contratos em que são parte são válidos ou não, ou interpretando o respectivo clausulado. É que o poder para efectuar tal interpretação e declaração de validade cabe aos tribunais, daí que as declarações do contraente público emitidas neste âmbito sejam meras declarações negociais e como tal não revistam a natureza de actos administrativos impugnáveis ...” X – Não nos encontramos, portanto, perante um acto administrativo – mas perante a mera possibilidade de um acto administrativo futuro, consoante o resultado do processo negocial entre Recorrente e Recorrido, susceptível de impugnação antecipada, nos termos do artº 54º, 2., b) do CPTA.

XI – Isto é, não se compreende como a sentença considerou procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto, por ser confirmativo, quando a mesma sentença considera que a questão é de contrato, judicialmente sindicável, e a todo o tempo – não é de acto administrativo, aliás ainda inexistente, mesmo na tese da sentença.

XII – Não tendo a mesma sentença razão quando invoca em auxílio da decisão absolutória o disposto no artº 307º, 2. do Código do Contratos Públicos, considerando que o despacho de 23.6.2020 do Director da Unidade de Fiscalização – o acto de 1º grau – constitui um acto administrativo, por estabelecer uma sanção determinada pelo contraente público relativamente ao cocontratante e constituir, nessa medida, uma situação enquadrável sob a alínea c) do mesmo preceito: “aplicação de sanções previstas para a inexecução do contrato”.

XIII – Em primeiro lugar, porque não estamos perante a aplicação de nenhuma sanção, decorrente do incumprimento do contrato, como erradamente – salvo o devido respeito – considera a sentença: “o despacho de 23.06.2020 do Director da Unidade de Fiscalização do Norte ... lhe aplicou (ao Recorrente) a sanção prevista no artigo 34º, alínea a) da Portaria nº 196-A/2015, de 01/07, ou seja, a advertência escrita para a regularização das circunstâncias que deram origem ao incumprimento ...” XIV – Ora, a advertência a que se refere a disposição citada não constitui uma sanção. Constitui, apenas, uma notificação, como estabelece o artº 35º da referida Portaria: “Considera-se advertência escrita a notificação dirigida à instituição para regularizar a circunstância que deu origem ao incumprimento.” XV – As sanções relativas ao eventual incumprimento das normas da cooperação são as que constam do Decreto-lei nº 64/2007, de 14 de Março, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 126-A/2021, de 31 de Dezembro; mas essas só serão convocadas se se gorarem as negociações entre Recorrente e Recorrido.

XVI – Em segundo lugar, não estamos também perante uma inexecução do contrato, que é do que trata a alínea c) do nº 2 do artº 307º do CCP, disposição invocada na sentença.

XVII – Não se pode considerar inexecutado um contrato que se encontra em execução, pelo menos desde 31 de Julho de 2001 – há mais de 20 anos (alínea B da Matéria de Facto).

XVIII – O que está em causa é apenas a interpretação do conteúdo e contexto do contrato – isto é, a sua execução.

XIX – Por outro lado, como resulta do nº 1 do mesmo artº 307º, a regra é a de as declarações negociais do contraente público não constituírem actos administrativos – sendo o disposto no nº 2 um conjunto de excepções a essa regra.

XX – Ora, é da natureza das normas excepcionais deverem ser interpretadas restritivamente, pelo que, para os efeitos do nº 2, “inexecução” é “inexecução”; não é “execução com dúvidas de interpretação”.

XXI – A sentença, ao não ordenar o prosseguimento dos autos para decisão de fundo, designadamente no que toca à interpretação do acordo de cooperação e do seu (in)cumprimento, a partir da declaração negocial emitida pelo Recorrido, violou o referido artº 307º do CCP - por erro de interpretação, no que toca ao nº 1 desse artigo; e por erro de aplicação, no que toca à alínea c) do nº 2 do mesmo artigo.

XXII – A sentença não apreciou sequer a pertinência dos pedidos...

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