Acórdão nº 00675/07.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução02 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. Os Recorrentes (AA... e BB...), notificados da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de IRS referente ao ano do 2003, e respectivos juros compensatórios, no valor global de €456.722,33, inconformados vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegaram, formulando as seguintes conclusões: «I. O facto de o Mmo. Juiz que elaborou a sentença, em 2012, não ter assistido à inquirição de testemunhas realizada em 2008, perante outro Mmo. Juiz, violou o princípio da plenitude da assistência dos juízes, constante do art. 654.º do Código de Processo Civil.

  1. Esta infracção constitui nulidade, por consistir na prática de um acto que a lei não admite, que pode manifestamente influir no exame ou decisão da causa, já que o segundo Juiz decidiu com base em meios de prova a cuja produção não assistiu.

  2. As diferenças de natureza do processo civil e do processo tributário não resultam nem se repercutem nos interesses que presidiram à consagração do princípio da plenitude da assistência dos juízes, pois o que está em causa em ambos os processos é a boa decisão da causa, que depende da imediação com as provas.

  3. Este princípio é ainda mais relevante no processo tributário, já que este não autonomiza o julgamento da matéria de facto, o que constitui uma acrescida razão para que também no processo tributário o juiz que preside à fase instrutória e à inquirição de testemunhas seja o mesmo juiz que profere a sentença, na qual se decide, em exclusivo, a matéria de facto e de direito.

  4. Em obediência ao princípio da economia processual, e por interpretação a contrario da 1ª parte do nº 2 do art. 654º do CPC, entendem os recorrentes não se justificar a repetição dos actos já praticados, devendo apenas a sentença ser proferida pelo Mmo. Juiz Dr. Marcelo Mendonça.

  5. Uma interpretação de que o princípio da plenitude da assistência dos juízes, constante do art. 654.º do CPC, não seria aplicável, por via do art. 2.º, alínea e) do CPPT, no processo tributário deverá, aliás, ser considerada materialmente inconstitucional, por flagrante violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).

    Sem prescindir, VII. O Tribunal recorrido julgou incorrectamente a matéria de facto, quando deu como não provado que “O valor do trespasse, referido em E), de € 135.000, foi o correspondente ao circunstancialismo que envolveu a “Farmácia (...)”, mencionado nas alíneas A) a D) e F) a K), aliado ao facto de se encontrar sedeada num meio rural”. VIII. Impõe-se uma resposta afirmativa a esta matéria, no sentido de que aquele valor foi determinado pelas especiais circunstâncias que rodearam o trespasse, tendo em conta os meios probatórios carreados nos autos.

  6. O depoimento das testemunhas corrobora integralmente o “circunstancialismo” que rodeou a operação de trespasse, tendo os depoimentos sido prestados com inteira credibilidade, de forma coerente, espontânea e sem reservas.

  7. Também a prova documental, não impugnada pela Administração Tributária, nem pelo Mmo. Juiz a quo, é categórica e concludente a este respeito.

  8. Salta à vista que estas operações tiveram em vista dar corpo à intenção dos impugnantes de que a farmácia revertesse, a final, para a titularidade da sua filha, logo que reunidos os requisitos legais necessários para o efeito.

  9. A cláusula penal fixada no contrato-promessa – manifestamente exagerada – pretendia compelir a trespassária ao cumprimento do contrato, atentos os fins visados pelos impugnantes.

  10. Pelo que, aquele valor de € 135.000,00 foi, clara e obviamente, determinado pelas especiais circunstâncias que rodearam o trespasse.

  11. Neste sentido se pronunciou, aliás, o Ministério Público, considerando que a prova testemunhal produzida em audiência foi favorável à pretensão dos impugnantes.

  12. Com relevância para a decisão da causa, mas ignorada pelo Tribunal, foi ainda alegada a matéria de facto alegada sob os arts. 22.º a 28.º da PI, comprovada pelo depoimento das testemunhas, que deve ser dada como provada.

  13. Deve ainda ser dada como provada, dada a sua relevância para a decisão da causa, a matéria alegada no art. 46.º da PI, acerca do teor do parecer do perito independente que interveio no procedimento de revisão da matéria tributável: doc. 15, junto à PI.

  14. Por outro lado, a douta sentença não procede à apreciação crítica da prova testemunhal.

  15. O princípio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões, exige uma apreciação crítica, exaustiva, motivada racionalmente, de acordo com os critérios legais de produção e valoração da prova, e na falta deles nas regras da ciência, da lógica e da experiência comum, o que não sucedeu, pelo que ocorreu manifesto erro de julgamento.

  16. Acresce que, sem que se perceba porquê, a administração tributária e a douta sentença não questionam a veracidade do valor da cessão da quota no capital da sociedade “Farmácia (...), Limitada”, em 2/12/2005, pela trespassária CC... à filha dos impugnantes, pelo valor de € 5.000,00.

  17. Ou seja, não aceitam o valor de € 135.000,00 do trespasse, mas não lhes causa estranheza o valor de € 5.000 da posterior escritura de cessão da quota.

  18. Numa situação análoga, considerou-se que a actuação da AT não prima pelo rigor e pela transparência, violando de forma grosseira as mais elementares regras de justiça, da imparcialidade e da boa-fé, porque não atende ao preço da aquisição da quota da escritura de 1993 e já não lhe repugna aceitar o preço de venda referido na escritura de 2000 – cfr. Ac. TCA Sul de 02-05-2007, in www.dgsi.pt.

  19. Caso a matéria de facto venha a ser alterada, tornar-se-á evidente que a correcção da matéria tributável e a consequente liquidação oficiosa se encontram inquinadas por diversos vícios, já invocados em primeira instância.

  20. Desde logo, por erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, pois a administração tributária invocou a alínea b) do n.º 1 do art. 87º da LGT, quando na verdade a quantificação directa da matéria tributável era possível, e até fácil de fazer, dispondo a administração fiscal de todos os meios para comprovar que o preço de € 135.000 pago pelo trespasse da “Farmácia (...)” foi o real.

  21. O fundamento para a aplicação dos métodos indirectos assentou, neste caso, na alegada “...manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado do trespasse efectuado em 2003”. XXV. Contudo, as particulares circunstâncias que rodearam o trespasse nunca permitiriam que tal negócio tivesse sido concretizado por um preço correspondente ao suposto “valor de mercado”, qualquer que fosse o critério utilizado.

  22. Com efeito, paralelamente ao trespasse da “Farmácia (...)” à “Farmácia (...), Limitada”, de que era única sócia e gerente CC..., foi celebrado um contrato-promessa de cessão da quota, entre a citada CC... e a filha dos impugnantes, DD..., através do qual a primeira prometeu vender à segunda a quota naquela sociedade, dentro de um determinado prazo (como veio efectivamente a suceder), sob pena de, em caso de incumprimento, ser aplicada exorbitante cláusula penal.

  23. A administração tributária ignorou em absoluto as razões subjacentes ao trespasse, e o circunstancialismo atinente à celebração do contrato-promessa e subsequente cessão da quota da sociedade “Farmácia (...), Lda.” à filha dos impugnantes, DD..., amplamente justificado e documentado.

  24. O valor de € 135.000,00 foi o real e, de modo algum, o trespasse poderia ter sido celebrado, nas condições descritas, pelo valor de € 1.022.534,50, o qual, atentas as circunstâncias em que o negócio foi corporalizado, se revela totalmente absurdo.

  25. Para determinar o valor de mercado que serviu de referência na situação sub judice, a administração tributária fundou-se no alegado conhecimento existente de operações da mesma natureza, recorrendo, para o efeito, a alguns elementos avulsos...

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