Acórdão nº 00619/20.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução28 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I – RELATÓRIO 1.1.

AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua do ..., propôs ação declarativa junto da Instância Local Cível de Valongo, contra a ASCENDI GRANDE PORTO - AUTO ESTRADAS DO GRANDE PORTO, S.A.

, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 5.792,65, acrescida de juros desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alega, para tanto e em síntese, que é possuidora, com reserva de propriedade para a financeira Banco BNP Paribas, do veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-FO-.., e que, em 22/06/2019, pelas 20h35m, na autoestrada n.º ... (A...), no sentido Alfena-Matosinhos, ao km 14,480, no concelho de Valongo, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o referido veículo, conduzido pelo marido da autora, BB, seguindo a autora no lugar do passageiro; O local do acidente configura uma curva acentuada, prolongada e fechada, com visibilidade reduzida, que se descreve para a direita, atento o sentido de marcha, e do seu início não se vislumbra o fim, tendo inclinação descendente; Há data do acidente, o pavimento estava em bom estado de conservação e no momento do acidente, ainda havia luz solar; O seu veículo circulava pela via de trânsito mais à direita, junto à linha longitudinal contínua, que ladeia a via, dela distando cerca de 0,5 metros e a velocidade moderada, na ordem dos 90/100 km/h, com o respetivo condutor atento ao trânsito de veículos.

Acontece que, sensivelmente a meio da curva, de forma súbita e inesperada, do seu lado direito, provindo da berma, surge um canídeo de médio porte, em correria desenfreada, assustado e desorientado, atravessando a via da direita para a esquerda, invadindo a faixa de rodagem e ocupando a via onde seguia o veículo em causa, colocando-se à sua frente, obstruindo-lhe a passagem quando dele distava não mais do que 2/3 metros, não permitindo ao condutor do veículo qualquer manobra de travagem ou desvio, de forma a evitar o embate no animal, o qual se tornou inevitável.

A colisão ocorreu com a parte frontal esquerda do veículo na fila mais à direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo.

Em consequência do acidente, o seu veículo ficou imobilizado sem poder circular.

De imediato, a autora e o seu marido chamaram as autoridades policiais, que compareceram no local juntamente com a carrinha de apoio da ré.

O canídeo morreu em resultado da colisão e foi retirado da via pelo funcionário da ré.

A ré é concessionária da A..., pelo que lhe compete zelar pela segurança da mesma, nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho; Como consequência direta e necessária do acidente de viação, o veículo sofreu danos nas seguintes componentes da sua parte frontal: para-choques e respetiva grelha, friso, farol de nevoeiro esquerdo, guarda-lamas esquerdo e respetiva tira, cobertura da cave da roda esquerda, travessa superior, suporte do para-choques, conduta de ar esquerda, carga do ar condicionado, anticongelante.

O valor da reparação do veículo, incluindo mão-de-obra de chapa, mecânica e pintura, ascende a € 2.392,65.

A autora solicitou uma peritagem para avaliar os estragos no veículo, e interpelou a demandada para reparar o veículo, tendo a mesma declinado a sua responsabilidade por email de 11.06.2019.

O veículo em causa é o único que a autora possui, pelo que a mesma ficou do mesmo privada, o que a impossibilitou de fazer as suas deslocações de trabalho e lazer, com um prejuízo quantificável em € 50/dia, quantia inferior à usada no mercado de veículos de aluguer para uma viatura idêntica, pedindo a quantia de 3.400,00€ a esse título.

A autora é logista no norteshopping e utiliza o veículo nas deslocações entre a sua casa e o trabalho, pelo que passou a socorrer-se de boleias e veículos emprestados por terceiras pessoas.

A autora ainda não ordenou a reparação do veículo porque não dispõe de dinheiro para a custear, o que prevê conseguir no final de agosto, quando reunir as poupanças necessárias.

1.2. Citada, a Ré contestou, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência da presente ação, contrapondo, para tanto e em síntese, que o acidente em causa ocorreu em 02/06/2019, e não em 22/06/2019, como se refere na p.i..

Aquela concessão da contestante tem as características (perfil) de autoestrada (AE), mas é, como era à data, uma AE sem barreiras físicas de portagens à entrada dos diversos nós existentes, os quais não eram e não são fechados, ou seja, não existiam à data do sinistro e não existem atualmente quaisquer barreiras físicas que pudessem impedir a entrada de animais, não sendo exequível para a ré e nem sequer exigido ou exigível pelo contrato de concessão celebrado com o Estado Português que mantenha postos de vigia em cada nó e em cada ramo de entrada e/ou saída da A...; A contestante exerce a vigilância sobre esses nós e ramos e, no dia do acidente, a ré também exerceu a vigilância sobre os nós da A... e respetivos ramos, e sobre aqueles nós situados no sublanço onde se integra o local de eclosão do sinistro indicado pela autora e particularmente sobre o denominado nó de Alfena cujo eixo (centro) fica situado nas proximidades do local onde a autora diz ter deflagrado o acidente (e os respetivos ramos mais perto ainda), tendo o nó de Alfena o seu eixo sensivelmente ao Km 14,825, ou seja, a menos de 350 metros do local onde a autora diz ter eclodido o sinistro, localizando-se os respetivos ramos desse nó ainda mais próximos do local avançado pela autora, não existindo barreiras físicas no referido nó à data do sinistro; As vedações das AE concessionadas em geral e daquela A... em particular merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português), o que resulta quer do contrato de concessão, quer do Decreto-Lei n.º 189/2002, de 28 de Agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 110/2015, de 18 de Junho (cfr., a este propósito, a alínea a) do n.º 4 da Base XXX), e isso tanto é válido no que se refere às características das vedações (dimensões, altura, etc.), como igualmente no que respeita à respetiva extensão e ainda à forma como devem ser colocadas, designadamente nos ramos dos nós de acesso/saída das AE pois, se assim não fosse, sempre aquela A... (ou outra qualquer AE concessionada) não seria considerada em condições de ser aberta ao tráfego e à utilização pelos respetivos utentes; Tanto à data do sinistro, como atualmente, as vedações que se encontram implementadas na A... respeitavam integralmente o respetivo projeto e mereceram a prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, e encontravam-se, na data do sinistro e nas imediações do local onde este terá eclodido, em boas condições de segurança e conservação, o que vale por dizer que as ditas vedações não apresentavam naquela data quaisquer buracos, aberturas, ruturas, anomalias ou deficiências de qualquer espécie, pelo que é absolutamente falso que a ré tenha descurado – ainda que minimamente – o dever de vigilância e/ou de conservação da sua concessão; Cumpriu na íntegra as obrigações que sobre si impendem enquanto concessionária da via, traduzidas na realização de patrulhamentos permanentes e regulares à sua concessão, bem como a manutenção e conservação das estruturas daquela via, pois, no dia do sinistro, os seus funcionários efetuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão desta, passaram por diversas vezes no local indicado pela autora como tendo sido o da eclosão do sinistro e não detetaram nas vias qualquer animal, designadamente um cão, nas imediações daquele local; Não é exigível nem sequer razoável que os patrulhamentos efetuados pelos funcionários da ré cubram, em cada instante, toda a área da via concessionada a esta, mas apenas que tenham – como sucedeu in casu – uma regularidade e uma cadência pré-estabelecidas, diligentes e aceitáveis; A ré obrigou-se, em condições normais, a efetuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 4 horas entre as 7 e as 23 horas (turnos diurnos), salvo se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes, incidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem; Os patrulhamentos da ré passaram no local do acidente por volta das 17h40m, i. e., cerca de 2h55m antes da hora do acidente, e, nessa altura e passagem efetuada no local pela patrulha da ré, não foi detetado qualquer animal a remover da via; A própria brigada de trânsito da GNR em serviço na rede também não detetou nos seus patrulhamentos normais à autoestrada a presença de qualquer animal no local em causa, sendo habitual, quando assim sucede, que alerte a central de comunicações da ré para que sejam tomadas as devidas providências, pelo que, antes de ter eclodido o acidente, a ré não tinha conhecimento - e nem razoavelmente o podia ter tido - da existência de qualquer animal na via nas proximidades do local do sinistro; Sempre que tem conhecimento de quaisquer animais que possam colocar em risco a segurança e a normal circulação automóvel na sua concessão – nomeadamente, através de informações de utentes ou da própria brigada de trânsito da GNR -, atua de forma imediata e diligente por forma a remover rapidamente esses objetos da via; Procedeu com toda a diligência e cuidado que lhe seria exigível, não lhe podendo, por isso, ser assacada qualquer culpa na produção do acidente; É aplicável a este acidente a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, concretamente o seu artigo 12.º, n.º 1, norma esta que incide tão-somente sobre o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança por parte das concessionárias de AE no âmbito da responsabilidade extracontratual, da mesma não resultando que as concessionárias só se eximem da sua eventual responsabilidade se provarem que se verificou um caso de força maior nem qualquer presunção de culpa, como também se pode concluir facilmente da leitura da Base LXXIII...

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