Acórdão nº 00274/11.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que foi julgada procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alega, em síntese, que: «A- A presente impugnação tem por objeto as liquidações de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante global de € 107.666,93.

B- Na douta sentença recorrida julgou-se totalmente procedente a presente impugnação e, em consequência, anulou-se as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, com todas as consequências legais.

C- O Representante da Fazenda Pública, não se conformando com o deferimento total do pedido do Impugnante, entende que a douta sentença ora recorrida sofre de errada interpretação e aplicação da lei. Vejamos, D- As questões que importava apreciar nos presentes autos eram duas, a saber: A legalidade da desconsideração como custo fiscal nos termos do disposto alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 42º do IRC das operações pelo facto de as mesmas não se encontrarem tituladas por faturas regularmente emitidas, e; A legalidade das correções efetuadas em sede de tributação autónoma na parte relativa a “despesas confidenciais ou não documentadas”.

E- Dúvidas não restam, aliás, isso mesmo resulta da douta decisão de que os documentos internos (auto-faturas) registados na contabilidade do impugnante marido não são suscetíveis de configurar documento equivalente a fatura, por ausência dos requisitos essenciais destas.

F- Ou seja, os documentos internos de suporte das despesas não contêm todos os elementos indispensáveis, designadamente, não estavam identificados os fornecedores dos animais adquiridos pelo impugnante marido.

G- Em suma, dúvidas não restam de que os documentos registados na contabilidade do ora impugnante marido não podem relevar como documentos comprovativos dos respetivos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, alínea a), e 42º, nº 1, alíneas b) e g), do CIRC, aplicável por remissão do artigo 32º do CIRS.

H- No entanto, alguma doutrina e jurisprudência têm defendido que, apesar da deficiente documentação do custo ou da falta de idoneidade dos documentos de suporte, o contribuinte poderia produzir prova para comprovar que suportou o encargo, e consequentemente, ser o mesmo aceite fiscalmente.

I- Ou seja, tem sido defendido pela jurisprudência e pela doutrina que um documento externo pode ser substituído por um documento interno, apenas e só para efeitos para determinação do lucro tributável, quando do documento interno conste todos os elementos indispensáveis para que a veracidade da operação subjacente possa ser demonstrada.

J- Dito de outra forma, para efeitos de IRC e IRS (por remissão do artigo 32º do CIRS) o documento comprovativo dos custos para efeitos do disposto no 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de ter as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA.

K- De facto, para efeitos da determinação da matéria coletável, que não para efeitos de IVA, tem-se entendido que a fatura não é a única prova documental, sendo admitidos outros documentos desde que contenham os elementos fundamentais da operação.

L- Aliás, é também jurisprudência do STA, veja-se o Acórdão de 27/9/2000, recurso nº 25033, onde se escreveu que, para efeitos de IRC, que não para efeitos de IVA, “a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.” M- Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se o impugnante marido foi capaz de alegar e provar, uma vez que é ao contribuinte a quem passa a caber o respetivo ónus de provar, a existência e o montante dos referidos gastos.

N- Ora, salvo o devido respeito por melhor entendimento, desde já se adianta que não foi capaz de o fazer.

O- Como resulta do Relatório da Inspeção Tributária o impugnante marido forneceu uma listagem com os nomes dos alegados sujeitos passivos a quem o contribuinte tinha feito aquelas compras.

P- Sucede, porém, que a AT efetuou uma “circularização” a cerca de 150 fornecedores, tendo constatado que apenas três deles confirmaram a existência de transações diretas ou indiretas com o Impugnante marido.

Q- Ou seja, dos alegados fornecedores indicados pelo impugnante marido a quase totalidade referiu nunca ter tido direta ou indiretamente relações comerciais com o impugnante marido.

R- Concluindo, e uma vez que o ónus da prova cabia ao impugnante marido, foi este incapaz de identificar os verdadeiros beneficiários (fornecedores) dos meios financeiros que saíram da empresa.

S- E, não se diga que competia a AT confrontar os alegados vendedores, uma vez que, como já referimos, a prova cabia ao impugnante marido, como resulta, aliás, do n.º 1 do artigo 74º da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

T- Não obstante, e ainda que se admitisse ser de aceitar como gasto os referidos montantes, por obediência ao princípio da capacidade contributiva em detrimento da proteção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal, sempre teria o impugnante marido de fazer prova da existência e do montante do gasto, através da demonstração de todos os elementos indispensáveis, o que não fez.

U- Ao não o ter feito não restava outro caminho à AT que não fosse o de desconsiderar tais montantes como custo fiscal e uma vez que estamos perante despesas confidenciais ou não documentadas proceder à tributação autónoma nos termos do disposto no artigo 81.º, nº 1, do CIRC, em vigor à data dos factos.

V- Por último, a enorme exigência documental, transversal a toda a legislação fiscal, tem subjacente o combate à evasão e fraude fiscal, ou seja, se um determinado valor for considerado custo para um sujeito passivo terá que corresponder a um proveito para outro.

W- Destarte, a atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado aos atos tributários, sendo que estes por serem legais, deverão manter-se, X- Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foi violado o disposto no art. 42º do CIRC, por remissão do artigo 32º do CIRS, ambos em vigor à data dos factos.

Y- Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que considere a impugnação totalmente improcedente.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre, a costumada JUSTIÇA» 1.2. Os Recorridos (D... e T...), notificados da apresentação do presente recurso, vieram contra-alegar, concluindo: «A) A douta sentença ora sob recurso não merece a mais leve censura, uma vez que, com clareza e objetividade, se limita a aplicar a lei aos factos provados.

B) A Recorrente pretende a anulação da referida decisão porquanto considera ter ocorrido erro de julgamento de direito, por violação do artigo 42º do CIRC, aplicável por remissão do artigo 32º do CIRS em vigor à data dos factos.

C) Porém, compulsado o teor das conclusões da Recorrente, designadamente as conclusões D., E., F., M., N. etc., resulta que o seu recurso assenta essencialmente em matéria de facto.

D) Em face do disposto no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Supremo Tribunal Administrativo não tem competência para conhecer dos recursos de decisões com fundamento em matéria de facto – artigo 26º, b), e artigo 38º, al. a).

Sem prescindir, dir-se-á: E) O Tribunal a quo atendeu ao teor do RIT para julgar procedente a impugnação judicial, sustentando que a Inspeção Tributária não duvidou da existência das operações tituladas nos documentos contabilísticos do Recorrido e não demonstrou a simulação e consequente fraude fiscal.

F) A materialidade assente não foi impugnada pela Recorrente.

G) Pese embora a Recorrente não concorde, a sentença fez correta aplicação do direito designadamente ao decidir afastar a aplicação das alíneas b) e g), do n.º 1 do artigo 42º do CIRC.

H) Na verdade, ainda que as auto-faturas emitidas pelo Recorrido se mostrassem formalmente irregulares, a administração fiscal poderia ter atuado no sentido de conhecer os elementos em falta porquanto, em face da prova documental apresentada, designadamente da listagem com os nomes dos sujeitos passivos a quem o Recorrido fez as compras, era possível o confronto destes com a origem dos animais abatidos no matadouro.

I) Afastada que foi a aplicação das normas em causa, forçoso seria concluir, como concluiu a decisão em recurso “pela ilegalidade das correcções efectuadas em sede de “custos não aceites fiscalmente por não constar dos documentos emitidos pelo sujeito passivo um número de identificação válido”.

J) Já quanto à decisão sobre a tributação autónoma, a douta sentença em recurso faz uma apreciação dos factos à luz do n.º 1 do artigo 81º do CIRC e da jurisprudência, pacífica nesta matéria, que chamou à colação, para concluir que “da prova complementar produzida pelos impugnante no âmbito do procedimento inspectivo permitia identificar os beneficiários dos valores neles inscritos pelo que não se estaria em presença de despesas não documentadas (...) K) Nesta conformidade, o Recorrido não vislumbra, pois, qualquer erro ou suscetibilidade de crítica que possam ser apontados à douta sentença, tanto mais que a decisão em apreço se limita a aplicar o direito aos factos concretos [assentes] que se fundam nos elementos de prova carreados e produzidos nos autos, sobre eles fazendo incidir uma análise crítica e ponderada.

L) O Tribunal a quo formou a sua convicção ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, em conjugação com os elementos que dispunha, aliado à posição assumida pela própria...

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