Acórdão nº 00598/13.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução05 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. O Recorrente (AA...), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em que foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS e respetivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 2007 a 2010, no valor total de €152.888,63, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: «A. A invalidade que a Recorrente alegou, por violação dos princípios da imparcialidade e da isenção da administração, não teve como objecto primário o relatório de fiscalização, acto administrativo este já elaborado, de facto, depois de decidido o indeferimento administrativo do pedido de suspeição por parte do seu superior hierárquico, mas antes os actos investigatórios praticados a montante sem que esse incidente estivesse resolvido.

B. Deve dar-se como provado o facto constante do artigo 149º da PI, nos termos do qual “durante a tramitação do pedido de suspeição o senhor funcionário BB... praticou actos e realizou diligências”, como resulta do documento de fls. 130 do PA e que impõem ao tribunal decisão diversa quanto à ilegalidade da actuação administrativa dele decorrente.

C. Tal circunstância faz com que sejam anuláveis todos os actos praticados neste procedimento de liquidação nos termos do art.º 51º do C. P. Administrativo, por violação do dever de imparcialidade, de isenção da administração e da justiça.

D. E o que dizer do facto do agente contra quem foi levantada a suspeição, ter procedido à análise do direito de audição? Respeitará tal situação os princípios da justiça, da imparcialidade, da boa-fé? Parece-nos que não...

E. Na fundamentação do acto tributário a Administração está obrigada a ponderar os novos argumentos que eventualmente tenham sido aduzidos pelo contribuinte na audiência prévia e a explicitar as razões pelas quais entende não lhe conceder relevância, sob pena do acto se converter numa manifestação de abuso e arbitrariedade.

F. O direito de audição e o dever de consideração dos elementos novos são violados se: (a) a administração nada refira sobre essa argumentação; (b) a administração se refugie em fórmulas pretorianas do género “face aos elementos enviados e após análise é de manter o acto”; ou (c) a administração não responda materialmente à questão levantada pelo administrado, produzindo, ao invés, um discurso que não tem nexo com as questões equacionadas e que não lhes dá resposta directa.

G. Se a resposta administrativa não tem directamente aptidão material ou adequação substancial ou compreensiva relação ou nexo argumentativo com a questão suscitada em audiência prévia, aflorando questão diversa, tal resulta na violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7, da LGT.

H. A relação de indispensabilidade, a que alude o art.º 23.º do CIRC, só pode ser aferida em termos económicos e não, como subjaz à decisão recorrida, em termos de mérito quanto à boa ou má eleição dos meios económicos e financeiros possibilitada pelo exercício do direito constitucional de autodeterminação e autonomia privadas.

I. Desde que exista, em termos de causalidade económica, uma relação de dependência ou conexão necessárias entre os gastos suportados e os rendimentos sujeitos a imposto, não pode deixar de considerar-se satisfeito o requisito estabelecido no art.º 23.º do CIRC para que eles devam considerar-se custos fiscalmente relevantes.

J. Não cabe na competência da administração tributária fazer juízos sobre o bom ou mau exercício dos poderes jurídicos de gestão das empresas, ínsitos no direito de autodeterminação e de autonomia privada reconhecido constitucionalmente aos sujeitos jurídicos.

K. “Cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja, da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua a sua actividade”.

L. “Quando o acto da Administração se traduza na afirmação positiva da prática, pelo contribuinte, do facto tributário e da sua expansão quantitativa, é a ela que incumbe a prova da sua verificação, devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra ela”.

M. Não é ao contribuinte que cabe o ónus da prova da indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, nem basta à AT questionar essa indispensabilidade”.

N. Raciocínio oposto configura uma insustentável inversão judicial do ónus da prova em termos de fazer recair as consequências de um estado de dúvida sobre o sujeito passivo, bastando à AT “duvidar” ou “questionar” os elementos conformadores do lucro tributável na sua concreta expressão quantitativa.

O. Ademais, a invocação do ónus da prova em questões relacionadas com a necessidade do custo não tem qualquer pertinência dado que o que está em discussão é a qualificação de um gasto como indispensável.

P. É quanto ao pressuposto fáctico-material subjacente a essa qualificação que incide o ónus de prova da administração tributária, tendente à demonstração de uma realidade que, de forma inequívoca, possa fundar a “dispensabilidade” dos custos comprovadamente realizados, o que, vale por dizer, caberá à AF fazer prova dos pressupostos fáctico-materiais que a autorizem a proceder à correcção desses valores.

Q. Devendo a actividade administrativa ser ajuizada, na qualificação dos custos, de acordo com sua aptidão para traduzir, fora de qualquer dúvida, uma forte (correcta e adequada) motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial.

R. Radicando as correcções em premissas infundadas e que se encontram ao arrepio da realidade empresarial ao nível dos custos suportados, assentando, assim, num pressuposto inidóneo para aportar os custos ao critério da indispensabilidade, o que determina a ilegalidade das correcções aos Custos/gastos com deslocações de pessoal, que englobam multa de trânsito e encargos com refeições no Funchal e em Coimbra; Custos/gastos com refeições registados em “outros custos/gastos com pessoal” e Encargos com combustíveis suportados com terceiros.

S. A AT tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.

T. Os indícios que foram carreados para os autos e que a sentença recorrida considerou como suficientes são: a) na contabilidade da impugnante, as facturas constam como regularizadas (pagas) ainda no ano de 2009, conforme registo suportado pela Nota de Lançamento n.º ...6, através da qual se declara o envio de dois cheques s/CGD, respectivamente, de 12.000.00€ e 13.000.00€, sem identificação da sua numeração; b) na contabilidade do emitente das facturas não é possível identificar a forma de pagamento do valor das facturas e, quando solicitado para o efeito, o mesmo referiu que recebeu em numerário, de forma faseada, nos anos de 2009 e 2010; c) na contabilidade do emitente das facturas não foi possível apurar quaisquer elementos que permitam concluir que os serviços mencionados nas facturas hajam sido realizados; d) o emitente das facturas apenas conseguiu identificar um conjunto de materiais que, ou correspondem à obra de outro cliente, ou foram adquiridos em data anterior à do início dos trabalhos alegadamente realizados para a impugnante.

U. Para além do referido em a), nenhum dos outros indícios está demonstrado de facto, permitindo-se o senhor agente, com a cobertura do Tribunal, referir putativas declarações prestadas pelo emitente das facturas, bem se sabendo que nos termos do art.º 55º, al. b) do RCPIT, as declarações tomadas no procedimento de inspecção têm de identificar sempre o declarante, mencionando também a sua função, o que “obsta à funcionalidade probatória das declarações extractadas, dado que o desconhecimento, no procedimento, da identidade dos seus autores não permite que lhes seja atribuível a credibilidade necessária para sobre elas a AT formar o juízo decisório”, sendo que: “O preceito consagra o princípio da objectividade da inspecção tributária: a recolha dos elementos de facto tem de fundar-se em critérios que possam ser verificados e repetidos, em momento posterior, nos mesmos termos em que o foram pelo agente de fiscalização, seja por banda de outros agentes da administração, seja pelo tribunal. Afasta-se assim toda a subjectividade no apuramento dos factos “ – Cfr. LGT, Comentada e Anotada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Vislis Editores, e numa putativa análise da contabilidade daquele, sem que a mesma se encontre junte aos autos, ou seja, estamos perante afirmações completamente indemonstradas, cujo valor probatório é zero.

V. A conduta do senhor inspector, avalizada pelo Tribunal, demonstra bem a sua incompetência e intuito persecutório, permitindo-se referir diligências processualmente virtuais.

W. Não logrando a AT fazer a prova do bem fundado da formação do seu juízo, isso tem de ser valorado contra ela e é obstativo da análise sobre se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.

X. A recorrente não consegue perceber como é que o Tribunal conseguiu dar credibilidade a argumentos totalmente...

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