Acórdão nº 00228/14.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 28/03/2017, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por DLOL no processo de execução fiscal n.° 2720201201043978 e apensos, instaurado originariamente contra “MSP, Lda”, para cobrança coerciva de dívidas de coimas e encargos de processos de contra-ordenação, do ano de 2012, no montante de €8.242,27.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A - Incide o presente recurso sobre a Douta sentença de 28/03/2017, que julgou totalmente procedente a presente oposição, declarando extintos os processos de execução fiscal n.º 27202012043978 e apensos relativamente à oponente.

B - Concordamos com o excerto da citação de Nuno Bastos constante da pág. 18 da sentença ora em apreço: “… quem exerce de facto a gerência é quem está na origem dos poderes transmitidos através da procuração.” C - Não restam dúvidas de que, do ponto de vista jurídico e tendo em conta o instituto da representação como dispõe o artigo 258º do Código Civil “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado nos limites dos poderes que lhe competem produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”; nem que a procuração é um modo de representação voluntária pois nos termos do artigo 262º do CC é um ato pelo qual alguém atribui a outrem voluntariamente poderes representativos.

D - No caso em apreço, conforme documento n.º 5 junto com a PI, não só o âmbito da procuração emitida por JAM a favor da oponente estava bem definido, como nela ficou consignada a prévia obtenção, por escrito, da autorização da gerência, sempre que possível, para a prática dos atos nela discriminados, de acordo com o estipulado no nº 3 – “às procuradoras não é permitida a prática de quaisquer actos fora dos limites previstos na presente procuração, bem como a prática de quaisquer actos de favor, como fianças, abonações e vales, ao actos consigo próprios ou em seu próprio benefício, ficando vinculadas a obter previamente, e sempre que possível por escrito, autorização da gerência para a prática de cada acto em concreto.” E - A divergência da FP com a presente decisão, centra-se no facto de a Administração Tributária ter logrado recolher prova, nomeadamente documental (numa matéria de difícil comprovação como é a da gerência de facto) na qual fundamenta o extravasar, pela oponente, dos poderes que lhe foram conferidos por procuração – que, como bem faz notar a Meritíssima Juíza, a pág. 20 da sentença ora em apreço, “… trata-se de uma procuração para a prática de determinados atos por conta do mandante e não de uma procuração para o exercício de gerência”.

F - Tais poderes consubstanciam, na ótica da AT, o exercício, de facto da gerência, à revelia dos poderes atribuídos pela procuração e sem qualquer rasto de autorização escrita prévia (nem escrita, nem outra, pois que dos alegados contactos telefónicos, correio eletrónico ou Skype não há qualquer evidência nos autos).

G - Ao contrário do que parece ser o entendimento da Meritíssima Juíza a quo, o que cumpriria averiguar, no caso vertente, era se os atos concretamente assinalados pela AT como de exercício de gerência de facto (quer a certidão de notificação da constituição de penhor de acções, títulos e saldos de depósitos à ordem e a prazo no processo de execução fiscal ao qual deduz a presente oposição constante a fls. 81, que assina na qualidade de gerente; como a outorga de contrato de fornecimento de água e serviço de saneamento a fls. 82 e ainda o reconhecimento da dívida e acordo de pagamento constante de fls. 85 e 86 dos autos), estavam ou não abrangidos pelos poderes especificados na procuração e, na afirmativa, se tinham sido previamente autorizados, por escrito – a resposta é, indubitavelmente negativa, permitindo, em consequência, afirmar que a oponente se apresentava como responsável da executada, como tomava decisões, de modo próprio, relativas à gestão da originária devedora.

H - A prova testemunhal valorada pelo Tribunal a quo nada validou relativamente a estes atos em concreto – saber se estavam contidos no âmbito da procuração e, estando, se foram objeto de autorização prescrita prévia (na negativa, qual a razão da impossibilidade). Alude genericamente a uma atuação da oponente em nome do Sr Ms..., valorando várias vias de comunicação com o dito das quais não há um único vestígio em que se basear).

I - Nem poderia, atento o desconhecimento, quer do teor da procuração, quer de qualquer autorização escrita reveladas pela testemunha SRM, pág. 15 da sentença.

J - Também a testemunha CS nunca viu uma autorização escrita para a prática de um ato, aludindo igualmente à ultrapassagem da procuração nas questões da prestação da garantia, da notificação da penhora e no reconhecimento de uma dívida, conforme pág. 15 da sentença.

K - Cremos que a sentença ora em apreço encerra uma contradição insanável: por um lado classifica a procuração conferida à oponente como uma procuração para a prática de determinados atos por conta do mandante, e não uma procuração para o exercício da gerência; por outro lado, refere que a oponente praticava determinados atos de gerência em nome do Sr Ms... e por expressa vontade deste – mas quais, de entre os apontados pela AT? E como se materializou a expressão de tal vontade, necessariamente prévia à prática do ato? Desconhecemos.

L - Não releva para efeitos de responsabilização subsidiária apenas o que abstratamente decorre dos termos dos preceitos legais mas antes in casu o que verdadeiramente decorre no que respeita às relações havidas entre a oponente e a sociedade devedora sob a capa legal assumida.

M - Nada esclarece a sentença em análise, quedando-se a por entendimento de acordo com o qual a prática dos factos apontados pela AT “não permite concluir de modo concludente que a oponente agiu em nome próprio, extravasando os seus poderes de representação e arrogando-se a qualidade de gerente “de facto”; praticou atos de gestão, em nome do gerente, habilitada por que instrumento? Seguramente não a procuração, que, como foi reconhecido, não é uma procuração para o exercício da gerência.

N - Decidindo em contrário, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 1178 e 258 do Código Civil, 252, números 5 e 6, do Código das Sociedades Comerciais, e 11, números 1 e 2, da LGT; pelo deve ser revogada e substituída por outra que declare improcedente esta oposição e a autora parte legítima na execução fiscal.”*Não houve contra-alegações.

*O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

*Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por obscuridade da fundamentação, em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, e consequentemente, se errou na apreciação que fez dos pressupostos da responsabilidade subsidiária da oponente.

*III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: «3.1.

Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos: 1. Da certidão do registo da Conservatória do Registo Comercial de Viseu, referente à sociedade MSP, LDA., NIPC 50xxx52 consta o seguinte: “Ap. 05/20040209 – CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS) FIRMA: MS & C, LDA.

NIPC: 50xxx52 NATUREZA JURÍDICA: SOCIEDADE POR QUOTAS SEDE: Rua L… Distrito: Viseu Concelho. Nelas Freguesia: Vilar Seco OBJECTO: Comércio por grosso e a retalho de marroquinaria e artigos de viagem, artigos de perfumaria, cosmética, higiene pessoal e industrial, bijuteria, vestuário, calçado e acessórios de moda, óptica, relojoaria e ourivesaria, artigos de decoração, utilidades para o lar, drogaria, livraria, mobiliário e antiguidades, comercialização de granitos e figuras de cimentos; comércio de importação e exportação.

CAPITAL: 5.000,00 Euros SÓCIOS E QUOTAS: QUOTA: 3.500,00 Euros TITULAR: JAM Estado Civil: Casado(a) Nome do cônjuge: MGCM Regime de bens: Comunhão de adquiridos QUOTA: 1.500,00 Euros TITULAR: MGCM Estado Civil: Casado(a) Nome do cônjuge: JAM FORMA DE OBRIGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS: Forma de obrigar: Com a intervenção de um gerente.

Estrutura da gerência: Pertence a sócios ou a estranhos a designar em assembleia geral.

ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S): GERÊNCIA: JAM […] AP. 10/20091117 1:03:37 UTC – ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE (ONLINE) Artigo(s) alterado(s): 1.º (n.º 1) e 2º.

FIRMA: MSP, LDA.

OBJECTO: Promoção, distribuição e comercialização de produtos de cosmética, perfumaria e higiene, acessórios de moda, bijutaria, joalharia e relojoaria; artigos de mobiliário e decoração; sua importação e exportação.

[…]”.

[certidão de fls. 61/68 dos autos].

  1. Em 27.02.2009 foi celebrado um contrato de trabalho entre a MS & C, LDA. e DLO, nos termos qual esta exercia funções inerentes à categoria de Promotora de Vendas na área de Marketing. – cfr. fls. 48/51 dos autos.

  2. Em 02.01.2010 foi realizado um aditamento ao contrato a que alude o ponto anterior, nos termos do qual é alterada a categoria de DLO que passa a exercer as funções inerentes à categoria de Secretária de Direção. – cfr. fls. 52/54 dos autos.

  3. Em 08.07.2010 JAM, na qualidade de gerente da sociedade MSP, Lda outorgou uma procuração a favor de DLO, ora Oponente, e CMSL, com o seguinte teor:[imagem que aqui se dá por reproduzida][…]”.

    [cfr. fls. 58/60 dos autos].

  4. Contra a sociedade devedora originária foi...

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