Acórdão nº 00812/08.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCristina Travassos Bento
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*I. Relatório A., SA, com o NIPC (…), melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial por si deduzida, onde havia pugnado pela anulação de acto administrativo e cumulativamente à prática de acto devido que indeferiu o requerimento de prova do preço efectivo na transmissão das fracções autónomas melhor identificadas nos autos.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “1.ª A douta decisão recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pela ora Recorrente contra o despacho do Subdiretor-Geral para a Área da Justiça Tributária de 23.10.2007 o qual indeferiu o recurso hierárquico da interposto pela Autora da decisão do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, Exmo. Senhor, C., datado de 13.08.2007, exarado na Informação n.º 19/2007 daquele Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 6192/0208, de 03.03.2010, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente em maio de 2007, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com referência à alienação das frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal inscritas na matriz predial urbana sob os artigos P11945 AB e P 11945 AC ambas da freguesia de (...), concelho de Coimbra.

  1. Desde logo considera a Recorrente que o Tribunal não procedeu a uma análise crítica da prova produzida, o que inquina a sentença recorrida de nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA; 3.ª Com efeito, foram juntos aos presentes autos vários documentos, designadamente: a. O acordo celebrado entre a Autora, ora Recorrente, e a C., SA com vista à transmissão de futuras frações de um imóvel nas quais deveria ser instalado um hipermercado datado de 10.12.2003 (cf. Documento n.º 1 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 38 a 68 dos autos); b. O auto de entrega e receção da obra datado de 09.11.2004 que titula a transmissão para efeitos fiscais dos imóveis em causa (cf. documento n.º 2 junto à p.i., documento de fls 69/70 dos autos); c. A escritura pública de compra e venda das frações em causa datada de 30.06.2005 (cf. documento n.º 3 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 71 a 75 dos autos); e d. A notificação da avaliação patrimonial tributária das frações transmitidas realizada em outubro de 2006 (cf. documento n.º 4 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 78, 79 e 80 dos autos).

  2. No entender da Recorrente, o teor de tais documentos não foi plenamente valorado pelo Tribunal a quo, já que aquele Ilustre Tribunal não extrai qualquer conclusão quanto ao objeto da prova do preço efetivo de transmissão sobre a qual incidiu a decisão impugnada nos presentes autos. Efetivamente, no entender da Recorrente, tivesse, o Tribunal a quo valorado de forma crítica tais documentos chegaria à conclusão de que o objeto sobre o qual incidiu a avaliação tributária que se pretende sirva de referência à definição da matéria coletável do IRC de 2005 da Recorrente não traduz o ativo efetivamente por si transmitido.

  3. Como demonstrado, os imóveis objeto de transmissão onerosa foram alienados antes de estarem acabados e foram entregues em tosco, com vista à instalação de um hipermercado, e os imóveis avaliados foram os mesmos imóveis mas no estado de concluídos, após a abertura ao público do referido hipermercado (a 26 de abril de 2006, facto que é do conhecimento público). Os imóveis aqui em causa foram efetivamente transmitidos pela Recorrente (para efeitos tributários) em 09.11.2004, a escritura de compra e venda dos mesmos realizou-se posteriormente (em 30.06.2005) e a avaliação num momento subsequente (entre junho e outubro de 2006, i.e. mais um ano após a sua efetiva transmissão).

  4. Acresce que, tão-pouco elucida o Tribunal a quo por que motivo tais factos não foram objeto de valoração para efeitos de prova; 7.ª Por esta razão, conclui-se que a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto, decorrente da falta de apreciação crítica das provas; 8.ª Sem prejuízo do exposto, sempre seria de anular a sentença recorrida por insuficiência da matéria de facto; 9.ª Em face da prova produzida nos autos, em concreto os documentos supra elencados, outros factos deveriam, para todos os efeitos, ter sido relevados como factos provados na decisão sub judice, atenta a manifesta relevância dos mesmos para a boa decisão da causa. Não o tendo sido, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto, devendo, por conseguinte, ser anulada.

  5. Deste modo, e para os devidos efeitos, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos: a. Os imóveis objeto da transmissão onerosa aqui em análise foram alienados em 09.11.2004 antes de estarem acabados e, a essa data, entregues em tosco à adquirente com vista à instalação de um hipermercado (cf. documento n.º 2 junto à p.i., documento de fls 69/70 dos autos), e b. Esses imóveis foram objeto de avaliação patrimonial tributária volvidos quase 2 anos após a sua transmissão onerosa (cf. documento n.º 4 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 78, 79 e 80 dos autos), logo num estado distinto daquele em que foram alienados, i.e., no estado de concluídos e após a abertura ao público do referido hipermercado (ocorrida a 26 de abril de 2006, facto que é do conhecimento público).

    c. O objeto sobre o qual incidiu a avaliação patrimonial tributária que se pretende sirva de referência à definição da matéria coletável do IRC de 2005 da Recorrente não traduz o ativo efetivamente transmitido pela Recorrente.

  6. Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto.

  7. Alternativamente, face ao disposto no artigo 662.º do CPC (anterior artigo 712.º do CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, o Tribunal ad quem, para reapreciar a matéria de facto provinda da 1.ª instância, caso entenda que dispõe dos elementos de prova necessários, deve conhecer no mesmo acórdão que revoga a decisão recorrida a questão objeto de recurso.

  8. Sem prejuízo do exposto, importa referir que a sentença recorrida enferma de vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC), face ao preceituado no artigo 95.º, n.os 1 e 2, do CPTA.

  9. De facto, o Tribunal recorrido negou provimento às alegadas inconstitucionalidades do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC invocadas pela Autora, ora Recorrente, considerando que as mesmas não se verificam. No entanto, e em bom rigor, o Tribunal a quo não chega a apreciar e a pronunciar-se sobre a circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 129.º do Código do IRC traduzir uma violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, corolário do princípio da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.

  10. Com efeito, no que concerne à avaliação da constitucionalidade da norma do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, o Tribunal a quo remeteu para a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão n.º 145/2014 (por lapso identificado com o n.º do processo: 521/2013) (cf. p. 19 da sentença recorrida). No entanto, tal jurisprudência não aprecia a constitucionalidade daquele preceito por referência a estes princípios mas antes por referência ao direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, ao direito à tutela jurisdicional efetiva, bem como ao princípio da proporcionalidade, e, bem assim, às disposições constantes dos artigos 2º, 18º, 20º, n.ºs 1 e 4, 266º e 268º, n.º 4, da Constituição.

  11. Acresce que, no juízo que o Tribunal a quo posteriormente efetua quanto às inconstitucionalidades invocadas também não se pronuncia sobre a violação daqueles princípios circunscrevendo a sua análise ao âmbito da jurisprudência do Tribunal Constitucional seguida.

  12. Como tal, deverá esse douto Tribunal apreciar a ilegalidade do acto em crise por violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, corolário do princípio da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.

  13. Ao nível da violação dos princípios constitucionais, considera a Recorrente que a interpretação que do artigo 129.º, n.º 6 do Código do IRC no caso vertente ofende, entre outros, dois princípios, quais sejam, o da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.

  14. Para se atingir tal conclusão, importa ter presente que o artigo 58.º-A do Código do IRC consagra...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT