Acórdão nº 00406/20.9BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:*I - RELATÓRIO 1.1.M., LDA, com sede na Rua (…), intentou, ao abrigo do disposto nos artigos 100º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a presente ação de contencioso pré-contratual contra o MUNICÍPIO DE (...), com sede institucional na Alameda (…), pedindo que: a) Que seja declarada ilegal e inválida a decisão de não adjudicação e a consequente decisão de não contratar, consignada no despacho de 29/05/2020; cumulativamente; b) Que seja revogada a decisão de não adjudicação e a consequente decisão de não contratar; cumulativamente; c) Que seja o Réu condenado na prática de ato devido, ou seja, a proferir decisão de adjudicação à Autora, devendo para o efeito prosseguir os tramites legalmente previstos quanto à conclusão do procedimento que permita a efetiva celebração do contrato público de adjudicação da aquisição de serviços e direção geral, direção de produção, curadoria artística, coordenação de cinema, coordenação do programa educativo, coordenação técnica, coordenação de produções, produtores executivos e assistentes de produção e ainda todos os meios técnicos para o MIMO Festival (...) 2020 e 2021, de acordo com o nº 6 do Decreto-Lei nº 10-I/2020, de 26/03; cumulativamente; d) Que seja o Réu condenado a pagar de imediato à Autora nos termos do disposto no nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10-I/2020, de 26/03, a quantia correspondente a 50% do valor do preço do contrato que se fixa em € 447.154,47, a que acresce IVA à taxa legal em vigor, acrescido dos juros de mora vincendos, até efetivo e integral pagamento; subsidiariamente, caso assim não se entenda, e) Que seja o Réu condenado a adjudicar e contratar a Autora para a realização/produção do Festival MIMO 2021, nos termos do convite e proposta devidamente apresentados; e, cumulativamente, f) Que seja o Réu condenado a pagar de imediato à Autora a quantia correspondente a 50% do valor do preço do contrato, referente ao MIMO 2020, que se fixa em € 223.577,23, a que acresce IVA à taxa legal em vigor, acrescido dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese que a deliberação do Réu, datada de 29/05/2020, que revogou a decisão de contratar, no âmbito do procedimento pré-contratual aberto para a “Aquisição de serviços para a realização do MIMO Festival (...) 2020 e 2021”, está ferida de ilegalidade por ter sido proferida sem qualquer fundamento legal; Aduz que com a aprovação do Decreto-Lei nº 10-I/2020, de 26/03, alterado pela Lei nº 7/2020, de 10/04, e pela Lei nº 19/2020, de 29/05, ao prever um regime especial aplicável à contratação de espetáculos por parte de entidades públicas, operou uma derrogação do regime geral previsto no Código dos Contratos Públicos (CCP), designadamente, da previsão constante do seu artigo 79º.

Observa que, com o referido normativo especial, pretendeu o legislador garantir a conclusão dos procedimentos pré-contratuais nos quais já tivessem sido praticados a decisão de contratar e o envio de convite à apresentação de propostas, nos casos de programação já anunciada mas ainda não contratualizada, impondo às entidades públicas que procedessem ao reagendamento do evento ou, no caso de tal não ser possível, ao seu cancelamento, mais impondo a realização dos pagamentos acordados. Entende que a decisão impugnada incorre em violação da tutela da confiança que os particulares depositam na atuação do ente público, bem como em violação do princípio da estabilidade.

1.2.

Citado, o Réu contestou, começando por suscitar o incidente do valor da causa.

Defendeu-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção, invocou a ilegitimidade processual ativa da Autora, aduzindo, em síntese, que a sua pretensão é que o Réu seja condenado no pagamento da quantia de € 447.154,47, pelo que, tendo em conta que a Autora atua na qualidade de agente, e de acordo com o previsto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3/07, a mesma só poderá proceder à cobrança de créditos se a outra parte a tanto o autorizar por escrito.

Observa que, conforme resulta da cláusula 8ª do contrato celebrado entre a Autora e o principal, aquela tem exclusivamente o poder de cobrar os créditos deste decorrentes dos contratos no uso dos seus poderes de representação; Mais argumenta que, atenta a modalidade de ação intentada, pretende a Autora que lhe seja atribuído um putativo e futuro crédito que, à presente data, não existe, à semelhança do vínculo contratual que lhe daria origem; Conclui, assim, não configurar a presente demanda um processo de recuperação de quantias contratuais, pelo que, a Autora, na sua qualidade de agente, não está munida dos poderes necessários para o exigir o pagamento reclamado, não detendo legitimidade processual ativa, exceção dilatória insanável, que determina a sua absolvição da instância.

Na defesa por impugnação, invoca, em síntese, que contrariamente ao arguido pela Autora, deve ser considerada a redação do Decreto-Lei nº 10-I/, de 26/03, que lhe foi atribuída pela Lei nº 7/2020, de 10/04, com a Retificação nº 18/2020, de 30/04, já não lhe sendo aplicável a Lei nº 19/2020, de 29/05, que apenas entrou em vigor a 30/05/2020.

Mais alega ser inverosímil que a atitude protagonizada pelo Réu tenha formado qualquer convicção junto da Autora de que o festival se poderia realizar em 2020 e, com toda a certeza, em 2021, reafirmando não estar o Réu sujeito a um dever de adjudicar; Sublinha que em momento algum entre as partes foi celebrado qualquer contrato de aquisição de serviços, pelo que, se a Autora antecipou a preparação das obrigações que para si adviriam, fê-lo sem possuir qualquer título para o efeito; Assevera que não impendia sobre si qualquer obrigação de reagendar o evento, por não ter sido celebrado qualquer contrato, nem tampouco qualquer dever de adjudicação, à luz do previsto no nº 6 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10-I/2020, de 26/03, porquanto o festival MIMO 2020 ainda não se encontrava agendado, nem tampouco se encontrava anunciada a respetiva programação, não sendo tais conceitos coincidentes; Para se poder considerar que a programação já estava anunciada, exigia-se todo um conjunto de informações, como as relativas aos artistas que iriam participar no dito festival, as respetivas datas, os concretos locais das atuações e, bem assim, o horário da sua realização, o que não sucedia no caso presente.

Afirma que sobre si não impendia qualquer obrigação de proceder ao reagendamento de um festival que ainda nem sequer tinha contratualizado; Conclui que agiu em plena conformidade legal, atento o imposto pela alínea d) do nº 1 do artigo 79º do CCP, só reconhecendo à Autora o direito a receber o montante previsto no nº 4 de tal norma.

Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, invoca a inconstitucionalidade material das normas constantes dos nºs 5 e 6 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10-I/2020, de 26/03, por violação do princípio da separação de poderes, do princípio da prossecução do interesse público e do princípio da autonomia local.

1.3.

A autora replicou, alegando, em suma, quanto à invocada exceção da sua ilegitimidade ativa que é parte na relação material controvertida, tal como a mesma vem definida em sede de petitório; Entende que o ato impugnado traduz uma lesão direta dos seus interesses e direitos, que se reflete na sua esfera jurídica, conforme o previsto no artigo 55º do CPTA, afirmando que atua na qualidade de agente, com poderes de representação da principal, tendo autorização expressa para cobrar os créditos decorrentes da celebração de contratos; Pede a total improcedência da arguida exceção.

Quanto ao incidente de valor, a autora nada disse.

1.4.

O Réu juntou aos autos o respetivo Processo Administrativo instrutor ( PA).

1.5.

Em 13/11/2020, o TAF de Penafiel proferiu despacho saneador-sentença no qual considerando possuírem os autos todos os elementos de prova necessários para uma decisão conscienciosa sobre o mérito da lide, dispensou a produção de prova testemunhal, assim como a realização de audiência prévia, julgou procedente o incidente de valor, fixando o valor da ação em € 447.154,47, considerou que a autora é parte legítima na presente ação e conheceu do mérito da ação que julgou totalmente procedente , sendo do seguinte teor o respetivo segmento decisório: «Face a tudo o que antecede, julga-se a presente acção totalmente procedente e, consequentemente: a) Anula-se a decisão de não adjudicação, constante do Despacho proferido pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Réu, datado de 29/05/2020; b) Condena-se o Réu a adoptar toda a retomar a tramitação procedimental pré-contratual tendente à aquisição de serviços para a realização do “MIMO Festival (...) 2020 e 2021”, determinando a adjudicação e a celebração do contrato com a Autora, bem como a adoptar toda a tramitação prevista nos nºs 1 a 4º do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10-I/2020, de 26 de Março (com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 7/2020, de 10 de Abril; e c) Condena-se o Réu a pagar à Autora o valor de € 447.154,47, correspondente a 50% do valor do preço do contrato, acrescido de IVA à taxa em vigor e de juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento, de acordo com o previsto no nº 5 do artigo 11º do referido normativo.

*Desde já se fixa o prazo de 20 dias para o cumprimento dos deveres decorrentes do constante no ponto b).

*Custas pelo Réu (artigo 527º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, e artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais, Tabela II).

*Registe e notifique.» 1.6.

Inconformado com a decisão proferida que julgou a ação totalmente procedente, o MUNICÍPIO DE (...) interpôs o presente recurso de apelação, formulando as presentes conclusões: «I. Vem o presente recurso interposto do saneador sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente...

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