Acórdão nº 01616/10.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCarlos de Castro Fernandes
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I – A Representação da Fazenda Pública (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida por J.

e A.

(Recorridos), contra os atos de liquidação de IRS dos anos de 2002 a 2005.

No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões: I- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J., na sequência da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa das liquidações de IRS, dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, na parte relativa à correção atinente à omissão de rendimentos de capitais, categoria E do IRS.

II- A decisão de anular as liquidações efetuadas pela Administração Tributária assenta no entendimento segundo o qual: «[…] O Relatório dos SIT não evidencia a existência de antecipação sobre lucros ao aqui Impugnante uma vez que daquele não decorrem os respectivos nexos necessários a comprovar o invocado, resumindo-se a raciocínios meramente conclusivos. A AT não evidenciou suporte factual para o efeito, na medida em que em causa estão valores que não constam da escrita da sociedade como atribuídos aos sócios, desconhecendo-se inclusive o caminho que seguiram, e, o porquê do caminho que seguiram. […]».

III- Com a ressalva do devido e merecido respeito pelo Tribunal “a quo”, afigura-se-nos que a factualidade relevante para a decisão da causa, dada como assente nos pontos 5) e 6) do probatório constante da sentença recorrida, não foi devidamente apreciada e valorada, e enquadrada à luz da norma aplicável contida no artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h), do Código do IRS.

IV- A ação de inspeção tributária ao Impugnante resultou da verificação de indícios de irregularidades nos valores declarados pelos sujeitos passivos, em consequência do processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT [cfr. acervo probatório da sentença, nos pontos 1) e 2)], em que foram constituídos arguidos, a “Sociedade T., Lda.” [S.] e os seus quatro sócios-gerentes, incluindo o Impugnante.

V- O Digno Magistrado do MP emitiu Parecer no sentido da improcedência da pretensão do impugnante, alegando, em síntese, que os meios de prova foram obtidos no âmbito de um procedimento de inspeção que respeitou todas as formalidades legais previstas no RCPIT, sendo que todas as provas foram obtidas por meios lícitos.

VI- Nos termos do art.º 86.º do Código de Processo Penal (CPP), o processo penal é público, sob pena de nulidade, a não ser que seja requerido o segredo de justiça pelo arguido ou quando os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, podendo, neste caso sob despacho do MP, com a subsequente validação judicial, determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça. Esta novidade trazida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto constituiu uma mudança radical no paradigma da publicidade do processo no decurso desta fase preliminar, quebrando-se, assim, com o carácter da quase plenitude do segredo de justiça, tanto interno, como externo, que vigorava essencialmente no decurso do inquérito.

VII - Concludentemente, esta nova redação deste preceito legal é de aplicar ao processo de inquérito n.º 212/02.7IDVCT. Ademais, e, como resulta vertido no acervo probatório - ponto 3), a utilização dos elementos constantes no processo de inquérito terá ocorrido por volta do ano de 2009, uma vez que o procedimento inspetivo teve início em 29.06.2009. Assim, à data de utilização dos elementos do processo de inquérito pela inspeção tributária (2009), aquele normativo legal já se encontrava em vigor, imperando concluir que, à data, o inquérito já não se encontrava sujeito a segredo de justiça.

VIII - Ainda, na senda do aqui considerado (inexistência de segredo de justiça no âmbito de processo de inquérito), o Procurador – Adjunto dos Serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim autorizou o Diretor de Finanças a utilizar os elementos de prova recolhidos [cfr. ponto 3) do probatório da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, no processo de impugnação n.º 1617/10.0BEBRG, relativo a um outro sócio do ora recorrido].

IX– O Tribunal “a quo” não considerou o facto de a “S.” ter contraído um empréstimo de financiamento à construção no montante de € 2.245.000,00, e de parte deste empréstimo, no valor de € 1.546.273,48, ter sido debitado proporcionalmente, ao valor das quotas, nas contas dos sócios, assim como os encargos financeiros a ele inerentes, no valor de € 339.382,43 – facto, aliás, não contestado pelo Impugnante.

X - Trata-se de um facto determinante, a nosso ver, para esclarecer como foi possível ter sido criado um débito dos sócios para com a “S.”, correspondente ao valor do “empréstimo” de € 1.546.273,48 [acrescido dos encargos financeiros de € 339.382,43], que justificasse futuras entradas de capital dos sócios para “amortizarem as suas dívidas”.

XI - Em nome do Impugnante foram contabilizadas amortizações, juros e suprimentos à S., nos anos de 2002, 2003 e 2004, no valor total de € 326.160,00, de acordo com a informação constante do RDE (cfr. fls.17), junto aos autos com o PA.

XII - Os valores recebidos dos compradores das frações do “Edifício (...)” que não foram declarados pela “S.”, estão devidamente discriminados no RIT [cfr. capítulo III, n.º 4], embora não constem da transcrição efetuada no ponto 5) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, totalizando os seguintes montantes: no ano de 2002, € 680.536,67; no ano de 2003, € 624.810,39; no ano de 2004, € 354.123,05 e em 2005, € 74.819,68.

XIII - Trata-se de omissões aos proveitos da “S.”, como o próprio Impugnante reconhece [cfr. artigo 75.º da PI], relacionada com as regularizações de imposto efetuadas pelos compradores das frações do prédio em causa, a que o Inspetor Tributário se referiu na audiência contraditória de inquirição de testemunhas, mencionado que a maioria [18] dos adquirentes das 22 frações do prédio em causa regularizou voluntariamente a sua situação tributária – o que também não foi tido em conta na fundamentação da sentença.

XIV - Baseando-se essencialmente nos elementos constantes do anexo 1 do RIT, como exemplo do trabalho realizado pela Inspeção Tributária, entendeu o Tribunal que o referido relatório não evidencia a existência de antecipação sobre lucros ao Impugnante – o que não se aceita.

XV - De acordo com a sentença recorrida «Analisando os elementos que constam do anexo 1, parte integrante do relatório dos SIT (que serve de exemplo para o trabalho efectuado pelos SIT), estes constataram que foi emitido cheque por comprador (ao portador) em 8.05.2002 no valor de €49.880,00, levantado por funcionária da sociedade J., Lda., de que também é sócio-gerente o aqui Impugnante, tendo nessa mesma data sido efectuados dois depósitos na conta da S. no montante de €24.950,00 e contabilizado na conta dos sócios (suprimentos).Com efeito, e, sem mais, poderíamos anuir com a tese aventada pelos SIT. Não obstante, há que constatar que dos elementos recolhidos não se verificam os necessários elementos causais por forma a verificar-se cumprido o ónus que sobre a AT recaía, a AT partiu de conclusões, sem no entanto lograr demonstrar as premissas que lhe serviram de esteio. […]».

XVI - Respeita o referido anexo à venda da fração “T”, do “Edifício (...)”, cujo valor da compra e venda, constante da escritura, foi de € 149.639,37 e o valor regularizado pelo comprador de € 319.279,15, sendo a diferença de valores de € 169.639,78.

XVII - O cheque emitido pelo comprador da fração, em 2002-05-08, no valor de € 49.880.00, foi depositado na conta da “S.”, mas contabilizado na conta dos sócios, a título de suprimentos, pelo que, temos um proveito da “S.”, a ser utilizado pelos sócios da “S.” para “emprestarem” dinheiro à sociedade, mas dinheiro que é da própria sociedade.

XVIII- A contabilização do valor de € 49.880,00 do cheque do comprador da fração “T”, na conta dos sócios da S. [suprimentos], foi efetuada pela “S.” na proporção das quotas dos sócios, cabendo ao Impugnante o valor de € 8.314,00.

XIX- Tendo este proveito da sociedade sido utilizado pelo sócio-gerente, aqui impugnante, neste caso, a título de suprimentos à sociedade, é porque foi esse o montante diretamente recebido pelo mesmo, embora o respetivo movimento não tivesse sido revelado na sociedade.

XX - Não há dúvida, como resulta do exemplo dado no anexo 1 do RIT, que o sócio-gerente recebeu importâncias da sociedade, que reverteram para a sua esfera pessoal, sem que tenham sido objeto de contabilização, enquanto tal, na esfera jurídica da sociedade.

XXI - Pelo que, teremos de concluir que, esse valor foi recebido a título de adiantamento por conta de lucros, e constitui um rendimento do sócio-gerente, a tributar em sede de IRS, na categoria E, como rendimento de capitais, previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS.

XXII - Acresce que os elevados montantes depositados como entradas dos sócios não são compatíveis com os rendimentos por estes auferidos, de acordo com o RDE, junto ao PA.

XXIII - Nos anos de 2002, 2003 e 2004, o sujeito passivo declarou rendimentos brutos, na ordem dos € 17.963,88, €17.963,88 e € 16.256,46, no total de € 52.184,22, sendo que as entradas de capital por si efetuadas na S., ascenderam, nesses anos, a € 326.160,00!!! XXIV - A análise crítica e conjugada de todos os documentos juntos aos autos, com destaque para o RIT [e respetivos anexos] e para o RDE, permite-nos verificar que a Administração Tributária, no decorrer da ação inspetiva a que alude o PA, recolheu dados objetivos que aí se encontram discriminados, a que nos vimos referindo, mas que não foram considerados no probatório, de onde se conclui que as entradas de capital do sócio na sociedade são o resultado do...

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