Acórdão nº 00015/21.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | Ana Patroc |
Data da Resolução | 16 de Setembro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório P.
, NIF (…) e M.
, NIF (…), casados entre si, com domicílio na Rua (…), interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 31/05/2021, que julgou improcedente o recurso da decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, que lhes fixou o rendimento líquido para efeitos de IRS, referente aos anos de 2011 [€499.042,16], 2012 [€232.326,77], 2013 [€229.635,80], 2014 [€115.799,27], 2015 [€150.023,27] e 2016 [€99.333,76]; sendo que, igualmente, interpuseram recurso do despacho interlocutório, proferido em 27/02/2021, que considerou que a prova que compete à factualidade invocada é a prova documental, não tendo, por isso, sido produzida a prova testemunhal solicitada.
Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida: “01.
O inconformismo do julgamento a quo abrange questões de direito e de facto que sinteticamente se enunciam:
a) A primeira questão (de direito) que ora se pretende ver reapreciada é a decidia a p. 42 a 44 (nesta última página, a sua primeira linha) da Sentença a quo, tem reflexos directos nas correcções relativas ao ano de 2016, e reside em saber se se os valores que a AT considerou, enquadrou e tributou, por métodos directos, como rendimentos tributáveis em sede IRS através a categorias A podem ser tidas em conta para efeitos de aplicação do regime da al. f) do n.° 1 do artigo 87° da LGT; isto é, se os mesmos, apesar de rendimentos com fonte conhecida (e tributada), devem, como se propugna ser “desqualificados” (expressão da Sentença); b) A segunda questão (que é de direito) conduz-se a saber qual o rendimento de referência para se aferir da divergência justificada relativamente aos acréscimos patrimoniais, pugnando-se que os rendimentos tributados por método directo devem acrescer aos rendimentos declarados pelo contribuinte – e, também, aos movimentos nas contas bancárias “do paralelo” das sociedades “M., Lda” (n.° (...) e (...)) e “M. Lda” (n.° (...)) a que se reporta, também, a questão de facto; c) A terceira questão (que é de facto e de direito) prende-se com a circunstância de a Mma. Juíza a quo não ter proferido julgamento expresso (nem ter admitido prova sobre a matéria alegada na petição inicial) sobre a matéria de facto atinente à “titularidade dos rendimentos respeitantes aos movimentos a crédito identificados nos autos”, tanto no que contende com as contas bancárias “particulares” como nas contas bancárias “do paralelo” das sociedades “M., Lda” (n.° (...) e (...)) e “M. Lda” (n.° (...)).
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Conexamente com o referido na alínea precedente, pretende-se que seja revogada a decisão inserta no despacho de 27/02/2021 através do qual o Tribunal recorrido indeferiu – manifestamente mal – a prova testemunhal oportunamente requerida.
VEJAMOS
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Primeira Questão de Direito 02.
A Sentença de que se recorre aderiu à tese da Oposição na interpretação do substrato fáctico e jurídico em que assenta o Relatório de Inspecção, segundo a qual o que releva para avaliar a legalidade do recurso à disciplina da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT é a globalidade dos movimentos a crédito em contas bancárias co-tituladas pelos recorrentes – incluindo os movimentos que foram considerandos para efeitos de correcções aritméticas (que foram erradamente tidas como justificações parciais).
03.
E dessa sorte, considerou, erradamente que apesar de o valor dos putativos acréscimos patrimoniais tidos como injustificados ser inferior a 100.000€ em 2016 considerou estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do regime.
04.
Ora, quando a AT enquadra e tributa por métodos directos e à luz de diversas categorias de rendimentos, os valores assim considerados não são, na lógica dos artigos 87º 89.º-A da LGT, passíveis de ser “justificados” na medida em que não podem ser considerados como acréscimos patrimoniais.
05.
Na verdade, se a AT conhece a fonte do rendimento e o submete ao tratamento tributário que tem por adequado (no caso enquadrando-o e liquidando imposto, por métodos directos) tais valores não podem ser tidos como acréscimos carecidos de justificação.
06.
A justificação dos acréscimos implica, pela teleologia do instituto das “manifestações de fortuna”, que os mesmos não tenham sido objecto de enquadramento tributário.
07.
A questão decidenda reside assim em saber se os movimentos a crédito nas contas bancárias tituladas pelos Recorrentes que a AT qualificou e tributou por métodos directos devem entrar no cômputo dos acréscimos patrimoniais para efeitos de aferir da legalidade da aplicação do regime previsto na alínea f) do artigo 87.º e no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
08.
Ao contrário do entendimento que subjaz à Sentença, pugnamos que a resposta só pode ser negativa, pois que a qualificação e tributação de rendimentos por métodos directos excluí os mesmos da tipificação de “acréscimos patrimoniais não justificados”, não se confundido tais actos tributários de liquidação com a justificação a que se refere o regime presuntivo em foco nos presentes autos.
09. Ou seja, a AT não se substituiu ao contribuinte para justificar a licitude de incrementos não patrimoniais potencialmente subsumíveis à categoria G, antes enquadrou e tributou por métodos directos movimentos bancários no pressuposto de que os contribuintes não declararam os rendimentos respeitantes a essas categorias.
10.
A AT, ao entender que os Recorrentes não declararam rendimentos cuja fonte determinou, enquadrando-os e tributando-os por métodos directos, diferencia clara e decisivamente o “restante” que imputou à categoria G como acréscimo patrimonial não justificado.
11.
Em suma, os rendimentos que a AT subsumiu e tributou nas diferentes categorias de IRS não são acréscimos patrimoniais – pelo que os valores que careceriam de justificação nos termos e para os efeitos da disciplina das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais são apenas aqueles que não foram adstritos, pela própria AT, a outra categoria de rendimentos.
12.
O artigo 89.º-A e a alínea f) do artigo 87.º da LGT cuidam da tributação de rendimentos omitidos e cuja proveniência seja desconhecida (rendimentos ocultos), pelo que quando a própria AT afirma que determinados rendimentos não declarados têm como fonte o trabalho dependente, juros, rendimentos prediais, etc., os montantes em causa estão, logicamente, fora desta figura legal.
13.
A tributação das manifestações de fortuna, visa e permite a reintegração tributária de rendimentos que, face ao património ostentado pelo contribuinte, presumivelmente terão sido subtraídos à tributação em IRS e não devam ser enquadrados nas específicas categorias de rendimento através de métodos directos por se desconhecer a respectiva fonte.
14.
Ora, foi a própria AT quem afirmou conhecer, e assim determinou a fonte, da maior parte dos supostos “acréscimos patrimoniais” que detectou (a totalidade dos créditos nas contas bancárias do “paralelo” e parte dos créditos das contas “particulares”), subsumindo-os – de forma coerente como itinerário que percorreu – a diversas categorias e tributando-os por métodos directos.
15.
Ou seja, o enquadramento nas diversas categorias de rendimentos e inerentes correcções aritméticas em sede de IRS nos anos em causa nos autos não correspondem a “justificação parcial” de montantes susceptíveis de ser imputados aos recorrentes como acréscimos patrimoniais não justificados, antes verdadeira e própria correcção tributária de rendimentos que a AT entendeu terem sido auferidos em cada um dos anos em mérito.
16.
Acresce que incumbe à Administração Tributária o dever de demonstração da ocorrência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), sendo que no caso dos autos a AT não logrou sustentar os pressupostos inscritos na alínea f) do n.º 1 do artigo 87° da LGT.
17.
Com efeito, e ao contrário do afirmado na Sentença recorrida não existe coincidência entre o conceito de acréscimo patrimonial não justificado e os valores depositados nas contas bancárias quando, destes valores, parte substancial não tem, nos termos do RIT, fonte desconhecida (tanto assim que foi enquadrado em diferentes categoriais e tributado por métodos directos).
18.
E daqui se extrai – de forma directa – que no ano 2016 não existe uma divergência não justificada entre os rendimentos declarados superior a 100.000€ – pelo que o regime da alínea f) do artigo 87.º e do artigo 89.º-A da LGT não cobra aplicação, pelo menos quanto a esse período.
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Segunda Questão de Direito 19.
Os princípios tributários que subjazem à questão vinda de analisar suportam também a conclusão de que também nos demais anos em apreço (eventualmente com excepção para 2011) não se verifica a divergência imposta pela lei.
20.
Isto porque se entende e propugna, em oposição ao decidido pelo Tribunal a quo, que para apurar (se existe) tal divergência não deverão ser unicamente considerados os rendimentos declarados, mas também aqueles rendimentos que, para cada um dos anos em apreço, foram corrigidos e tributados pela AT por métodos directos.
21.
A Sentença a quo privilegiou o elemento literal na interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º da LGT (“declarado”) olvidando que a solução preconizada na Lei, ao estabelecer os 100.000€ de divergência, tem um objectivo material de detecção e penalização da existência de uma desproporção entre o rendimento submetido a tributação e o património ostentado.
22. Por outras palavras, sendo o objectivo da norma a detecção de discrepâncias entre o rendimento sujeito a tributação e o património evidenciado, afigura-se irrelevante que o respectivo imposto tenha sido auto ou hétero-liquidado.
23.
A partir do momento em que os rendimentos do...
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