Acórdão nº 01579/15.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução13 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO S., Lda. instaurou acção administrativa contra o MUNICÍPIO (...), indicando como demandado particular, P., pedindo a declaração de nulidade da decisão proferida em 24.02.2015 pelo Vereador do Pelouro da Inovação e Ambiente da Câmara Municipal (...), que ordena a execução coerciva de encerramento preventivo do estabelecimento, nos termos do art° 149° do Código do Procedimento Administrativo, através da correspondente selagem do imóvel, até à regularização da situação de incómodo sonoro e aplicação do respectivo procedimento contra-ordenacional, por não ter sido precedida de audiência prévia, por violar o princípio da proporcionalidade e por se verificar a conformidade da situação de ruído gerada pelo seu estabelecimento com os limites previstos no Regulamento Geral do Ruído.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1- A Recorrente não se conforma com a sentença proferida a qual, com o devido respeito, faz uma má interpretação dos factos e do direito aplicável, considerando erradamente improcedente a acção intentada pelo ora recorrente, não se pronunciando sobre questões levantadas pela Recorrente sobre as quais se devia pronunciar, violando o principio do contraditório, existindo nulidade da sentença nos termos do art. 615º do C.P.C. aplicável por força do art. 140° do CPTA. Sentença que viola o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, o princípio da legalidade e as regras do ónus da prova.

2- Assim, desde logo errou a sentença recorrida quando diz a fls. 35 in fine "Nesta medida, a declaração de invalidade do acto impugnado só se justificaria se o mesmo estivesse apoiado em pressupostos errados, isto é, se a Entidade Demandada tivesse suposto que se verificava uma determinada realidade e, se, por outro lado, a medida cautelar imposta se mostrasse desproporcional." 3- Ora, a impugnação da Autora assenta exactamente nestes dois pontos os quais não foram julgados convenientemente. Desde logo há factos que são dados como provados e que não o podiam ser já que são falsos ou deturpados: "14) Do tratamento de dados obtidos verificou-se que o valor obtido está acima 2dB(A) do valor limite estabelecido na legislação (5 dB(A). A fls 22 "2.4.13 Em visita ao local no dia 10 de Setembro, as intervenções efectuados resumem-se alteração da localização de máquina do café da área de atendimento ao público, na área da cozinha, contrariamente ao informado pelo estabelecimento em Julho de 2014, que teriam implementado medidas de reforço acústico deste compartimento, estas traduziram-se no encerramento das janelas da cozinha, conforme fotografias em anexo. 2.4.14 As medidas adoptadas pelo estabelecimento, são de carácter avulso e não demonstram a resolução da situação de incomodidade de forma definitiva, não alterando em nada a decisão emitida pelo Exmo. Sr. Vereador da Inovação e Ambiente. Efectuar uma nova medição com as medidas adoptadas pouco robustas seria mais uma vez protelar a resolução em definitivo da situação de incómodo provocada pelo estabelecimento." 4- Da Sentença deveriam constar como provados os seguintes factos:

  1. Do resultado da avaliação acústica verifica-se a conformidade da situação específica de ruído com os limites estabelecidos na alínea b) n° 1 do artigo 13 do Decreto-lei 9/2007 de 1 de Janeiro. B) Pois, para o período de referência diurno o valor obtido de 7db(A) está de acordo com o quadro dos valores limite constante do anexo 1 de tal normativo. C ) O horário do estabelecimento é entre as 10.00H e as 15.00H ao almoço e entre as 19.00H e as 22.00H ao jantar. D) Pelo que no período de referência diurno o qual ocorre entre as 7 horas e as 20 horas e é de 13 horas o estabelecimento da recorrente apenas labora durante 6 horas. E) Pelo que, de acordo com o referido quadro, anexo 1, o factor de correcção D (db(A)) a aplicar é de 2 sendo o valor limite para o caso específico de 7 db(A) e não de 5 db(A), como erradamente consta do Relatório de ensaio.

    5- Daqui resulta clara a nulidade do acto impugnado que se justifica por o mesmo estar apoiado em pressupostos errados, isto é, a Entidade Demandada supôs que se verificava uma determinada realidade que efectivamente não se verifica.

    6- Mais, os factos alegados e em contradição com a Impugnação da ora Recorrente, não podem pura e simplesmente ser considerados provados, pois que, quem alega os factos, neste caso a Câmara Municipal (...), tem o ónus da prova desses factos, pelo que o juiz a quo não podia dar como provados factos, que no acto impugnado foram dados como provados meramente com base em presunções completamente destituídas de fundamento, e impugnados, violando as regras gerais do ónus da prova 7- Neste sentido vide acórdão do STA de 27/01/2010, Processo 0978/09 no qual se pode ler. "1 - Em face do regime do ónus da prova no procedimento administrativo previsto no n.° 1 do art. 88.° do CPA apenas «cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado», sendo, consequentemente, sobre a Administração que recai o ónus da prova de factos que possam constituir obstáculos à satisfação das suas pretensões, bem como dos pressupostos da sua actuação." 8- Como se pode ler em "ÓNUS DA PROVA E PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS" - António Bento São Pedro - Juiz Conselheiro do STA "Não é racionalmente sustentável a existência de uma presunção de legalidade dos actos administrativos, com relevo no âmbito da repartição do ónus da prova, no Contencioso Administrativo. O art. 6° do CPTA ao estabelecer um estatuto de "igualdade das partes" e a concepção segundo a qual o objecto do processo nas acções impugnatórias, não se reconduz a uma pretensão anulatória, passando a ser (literalmente) "a pretensão material do interessado" expressamente recusada (art. 66°, 2 do CPTA), são indícios (legais) da queda do presunção de legalidade dos actos administrativos." 9- Ora da leitura da sentença facilmente se constata que as partes não foram tratadas da mesma maneira, tendo sido violado o princípio da legalidade.

    10- Como se pode ler da obra supra citada do Conselheiro António Bento São Pedro: "Vigorando, entre nós, o princípio da legalidade, a actividade administrativa para ser válida deve ser exercida "no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos" - cfr. art. 266, 1 da CRP, o que implica, como é evidente, o respeito pelas regras legais de repartição do ónus da prova. Nem poderia ser doutro modo, sob pena de termos uma presunção de legalidade a afastar a aplicação de normais legais, o que seria manifestamente contraditório (uma presunção de legalidade ilegal)." 11- Na referida obra é citado o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-1-2000, de que foi relator o Ex.mo Cons. MÁRIO TORRES, in Cadernos de Justiça Administrativo, 20, pág. 38 e seguintes. "Assim - diz-se no Acórdão - não pode exigir-se ao recorrente a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo e, por exemplo, a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do acto) de modo a caber à Administração apenas provar as excepções invocadas - tal equivalência equivaleria na prática à pura e simples invocação da presunção de legalidade do acto administrativo, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjectivo) da ilegalidade do acto impugnado. Deve pelo contrário, levar-se em conta, para a construção do quadro de normalidade que há-de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos, no que respeita aos actos desfavoráveis o dever de fundamentação." - ob. cit. pág. 44.

    12- A tese deste Acórdão foi acolhida pelo Prof. AROSO DE ALMEIDA, que em anotação ao mesmo, refutou os dois argumentos tradicionais onde assenta a ideia de que cabe ao recorrente provar os factos de onde emerge a anulação: presunção de legalidade do acto administrativo; posição das partes na relação jurídica processual (recorrente, logo, prova dos factos geradores da invalidado).

    " 13- Pelo que tendo a Recorrente realizado obras que considerou necessárias à resolução da situação que se dizia existir, caberia à Recorrida a realização de novos testes acústicos de forma a verificar a conformidade.

    14- Sendo completamente falso e errado o constante a fls. 38 da Sentença nomeadamente: "Também das amostragens efectuadas nos dias 13 e 19 de Março de 2014, 9 e 10 de Abril de 2014, resultou que o funcionamento do estabelecimento no período diurno não cumpria o valor definido na alínea b) do n° 1 do artigo 13 e que o valor obtido estava acima 2 db) (A) do valor limite estabelecido na legislação: 5dB(A). Tendo presentes tais resultados e em assim os limites legais que foram considerados 5dB(A)-como relevantes e patentes nos relatórios de incomodidade, constatou-se que no estabelecimento da A. se verificou esse limite (tendo em conta o estabelecido para o período diurno) não se encontrava a ser respeitado, ultrapassando - o em 2 dB(A), motivo que determinou a prática do acto impugnado" 15- De facto, a Recorrente alegou e provou que: Para o período de referência diurno o valor obtido de 7db(A) está de acordo com o quadro dos valores limite estabelecidos na alínea b) n° 1 do artigo 13 do Decreto Lei 9/2007 de 1 de Janeiro conjugados com o anexo 1. Efectivamente o horário do estabelecimento da Recorrente é entre as 10.00H e as 15.00H ao almoço e entre as 19.00H e as 22.00H ao jantar. Pelo que no período de referência diurno o qual ocorre entre as 7 horas e as 20 horas e é de 13 horas, o estabelecimento da recorrente apenas labora durante 6 horas, ou seja menos de 50% do tempo.

    16- Estes factos não foram impugnados pelo que deveriam ter sido dados como provados. E se impugnados, deveria ter sido ouvida a prova...

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