Acórdão nº 00129/08.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução15 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M. e E. intentaram acção administrativa comum, com processo ordinário, contra EP-Estradas de Portugal, EPE, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização nunca inferior a € 300.000,00 com fundamento em alegado encerramento de uma via de acesso de viaturas a uma superfície comercial.

Citada para contestar, a Ré chamou aos autos L., S.A.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvidas do pedido as Rés.

N Desta vem interposto recurso.

Alegando, os A.A.

concluiram: A) 1.

DECIDIU o Tribunal a quo, sentenciando sob a égide do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967 – à data da propositura da acção revogado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (que aprova em anexo o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas –, NÃO existir um acto ilícito por parte da R., julgando a acção improcedente, apesar dos factos dados por provados e transcritos supra, improcedência da lide que não poderá permanecer.

  1. Resulta da sentença que os ora AA: -foram indemnizados na sequência de actos materiais lícitos – expropriação –, considerados os prejuízos, decorrendo do acórdão da RP que permanece uma área de terreno de 235 m2, que, apesar de expropriada, continua a servir de estacionamento e o acesso à superfície comercial fica com acesso pelo lado poente e paralelamente ao itinerário do IC, por uma nova “via colectora” que permite manter o acesso e entrada de veículos; -o valor de mercado do prédio e o valor locativo do armazém ficaram desvalorizados pelo “fecho” da via colectora”, sendo os encargos impostos inesperados e os prejuízos especiais (não imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa) e anormais (não inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos); -foram violados os princípios da boa-fé, da confiança e da legítima expectativa; -a actuação da R consubstancia clamoroso abuso de direito.

    1. A R praticou um facto ilícito material (obra dos agentes que executaram ordens e fizeram trabalhos ao serviço da R), acto jurídico ilícito que violou os princípios gerais aplicáveis, impondo-se a indemnização dos AA.

      Sem prescindirem, C) Caso assim não seja entendido, sempre terão de ser indemnizados os AA pela prática de actos lícitos praticados no domínio de gestão pública, prevista no artº 9º do DL n.º 48.051, de 21.11.67: (i) um acto lícito do Estado ou de outra pessoa colectiva pública; (ii) praticado por motivo de interesse público; (iii) um prejuízo especial e anormal; (iv) nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo.

    2. Normas jurídicas violadas: artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, e 4.º todos do DL 48.051, de 21 de Novembro de 1967; artigos 334.º, 483.º e 563.º do CC; e artigos 22.º e 62.º, n.º 2, da CRP.

      Termos em que deverá ser revogada a decisão recorrida, sendo feita – JUSTIÇA – A Ré/EP-Estradas de Portugal, S.A, contra-alegou, sem conclusões, finalizando assim: Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deve a apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA.

      L., S.A./ Interveniente também juntou contra-alegações, concluindo: 1.ª) A lei aplicável aos presentes autos, atendendo à data dos factos em questão (finais de 2006), é o Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.1967, pois era a legislação “vigente” nesse momento; 2.ª) Não é possível aplicar à situação em análise nos presentes autos a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que só entrou em vigor em 20.01.2008, por tal colidir com o disposto no art. 12º n.º 1 do CCivil e com os princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito democrático (art. 1º da CRP); 3.ª) Consequentemente, a “resposta jurídica” a dar à situação em análise nos presentes autos deverá buscar-se no Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.1967; 4.ª) Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos são: a) facto, b) ilicitude, c) culpa, d) dano e e) nexo de causalidade entre o facto e o dano (Acórdão do STA, datado de 14.05.2009, proferido no Proc. n.º 0833/07); 5.ª) Não se verifica na situação sub iudice o pressuposto da ilicitude (violação de normas legais e regulamentares) da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos; 6.ª) E isto quer se adopte uma tese estrita da ilicitude (Marcello Caetano) quer a tese ampla da ilicitude (Gomes Canotilho e Rui Medeiros, bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte); 7.ª) O encerramento do acesso directo do prédio dos autores à via colectora da actual A44 é uma conduta legal e legítima das oras Recorridas, pois, de acordo com a legislação aplicável, não são admitidos acessos de propriedades limítrofes e/ou confinantes aos IC’s (itinerários complementares) e auto-estradas, conforme consta expressamente dos arts. 5º e 7º do PNR (Plano Rodoviário Nacional, constante Decreto-lei n.º 222/98, de 17 de Julho), arts. 10º e 11º do Decreto-Lei n.º 13/94, de 15 de Janeiro e art. 1º, alínea a) do Código da Estrada; 8.ª) E o mesmo resulta também das Bases do Contrato da Concessão da Costa de Prata (constantes do Decreto-Lei n.º 87-A/2000, de 13 de Maio), pois aí se estipula que “a Auto-Estrada será vedada em toda a sua extensão.” (Base XXX n.º 4, alínea a); 9.ª) Ao invés, a proibição deste tipo de acessos às estradas nacionais não é absoluta, conforme resulta de uma interpretação a contrario do art. 7º n.º 3 do PNR (Plano Rodoviário Nacional, constante do Decreto-Lei n.º 22/98, de 17 de Julho), bem como do art. 108º do Estatuto das Estradas Nacionais (Lei n.º 2037 de 19.08.1947); 10.ª) Assinale-se que foi a alteração da E.N. 109 (com a qual confrontava o prédio dos autores) em IC1, primeiro, e em A44, posteriormente, que determinou o encerramento do acesso directo que este prédio tinha à estrada, em plena consonância com a legislação aplicável que anteriormente referimos; 11.ª) E conforme resulta do facto n.º 72 da matéria dada como provada na sentença recorrida; 12.ª) Subjacente a esta proibição aplicável aos IC’s e auto-estradas, bem como à diferença de regime para com as estradas nacionais, está um princípio de segurança rodoviária, pois as auto-estradas (e os itinerários complementares) destinam-se ao trânsito rápido, pelo que não é admissível a existência de acessos das propriedades confinantes ou limítrofes, pois tal opção poderia provocar ou causar o caos rodoviário, prejudicando-se assim o utente rodoviário da A44; 13.ª) Em reforço deste princípio de segurança rodoviária, tenha-se em conta a existência de um padrão elevado de qualidade rodoviária da A44, que resulta expressamente das Bases do Contrato de Concessão (a título de exemplo, vide as Bases IV, VIII, XXVII, XXXVII, XLV, LIII, LIV, LXXII do Contrato de Concessão) – neste sentido, vide Menezes Cordeiro, “Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas – Estudo de Direito Civil Português”; 14.ª) Também não se verifica na situação sub iudice a violação do princípio da boa fé (princípios gerais a que alude o art. 6º do DL n.º 48051), tal como este princípio tem sido configurado pela doutrina e jurisprudência nacionais; 15.ª) A inexistência da violação do princípio da boa fé resulta da matéria dada como provada pela douta sentença recorrida, como, aliás, esta bem salienta; 16.ª) Em especial, os autores tiveram conhecimento da decisão de encerramento do acesso directo do seu prédio, pelo menos, em 12.01.2004, data esta que é anterior à data do efectivo encerramento de tal acesso (finais de 2006), bem como das decisões judiciais do processo expropriativo (20.04.2004, quanto à decisão do tribunal de 1.ª instância, e 14.03.2005, quanto ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto); 17.ª) Assim sendo, tiveram os autores tempo mais do que suficiente para não serem apanhados de “surpresa” e adequarem a sua conduta à imposição lícita de encerramento do acesso à via colectora da A44; 18.ª) Acresce que, uma vez que tal conhecimento (12.01.2004) é anterior às sentenças judiciais relativas ao processo expropriativo (20.04.2004 e 14.03.2005), não podem os autores afirmar que a realidade aí descrita foi injustamente alterada; 19.ª) Ao invés, era seu dever carrear tais factos para esse processo judicial e não aproveitar-se de uma realidade que sabiam não existir à data dessas decisões judiciais; 20.ª) Em última instância, e à cautela, sempre se tenha em conta que o encerramento desse acesso directo se deveu a uma “alteração de pressupostos materiais particularmente relevantes” (Acórdão do TCA Norte, datado de 11.02.2010, proferido no Proc. 01312/07.8BEPRT) que, no caso concreto, se traduziu na alteração da EN109 para IC1 e posteriormente para a A44, com as consequências legais daí decorrentes; 21.ª) Razão pela qual se decidiu, e bem, na sentença recorrida, quando se afirma que “Analisando a factualidade dada como provada não resulta que as Rés tenham de algum modo violado os princípios da boa fé e da confiança que os AA. nelas depositaram, designadamente contribuindo para o circunstancialismo que acabou por determinar a desvalorização do imóvel em questão.”; 22.ª) Extravasam os recorrentes o pedido e causa de pedir peticionada nos presentes autos quando apenas agora pugnam que a situação sub iudice se traduz em responsabilidade civil extracontratual do Estado de demais pessoas colectivas públicas, razão pela qual a mesma não pode ser apreciada; 23.ª) Ainda assim, e à cautela, entende a ora Recorrida que deve pronunciar-se sobre a aplicação deste instituto à situação dos presentes autos; 24.ª) Os pressupostos desta modalidade de responsabilidade civil extracontratual, constante do art. 9º do DL n.º 48051, são, como salienta a jurisprudência e doutrina administrativista: a) a prática de um facto lícito...

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