Acórdão nº 00449/04.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCláudia de Almeida
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO S., SA, inconformada com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida do acto de liquidação nº 900193, de 31 de Dezembro de 2003, emitido pela Divisão de Controlo Aduaneiro e de Venda de Mercadorias (DCAVM) da Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, no montante de €1.243.660,69, referente a dívida aduaneira, IVA e juros compensatórios, do período compreendido entre Janeiro de 2001 e Agosto de 2002, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente findou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «1.ª A sentença recorrida não apreciou devidamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa; 2.ª O Tribunal a quo limita-se a dar como provados factos que servem à solução de direito que entendeu perfilhar, sem atribuir qualquer relevo à matéria constante dos artigos 169.º a 223.º da petição inicial, especialmente na parte em que se explicam as descontinuidades nas vendas de açúcar para Portugal Continental; 3.ª Tais descontinuidades ora se devem a legislação restritiva (período de 1928 a 1962), ora se devem a dificuldades de abastecimento em matéria-prima (período de 1986 a 1992), sendo certo que foi precisamente para pôr termo a estas dificuldades que foi instituído o POSEIMA em 1992; 4.ª Deverá ser considerada provada por documentos e admitida por acordo a matéria de facto alegada supra sob os nºs 15, 16, 26 e 27 e, consequentemente, aditada ao probatório de modo a que do mesmo constem todos os factos relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito; 5.ª Deverá ser valorada a prova testemunhal indicada sob os nºs 30 a 64 ut supra a qual corroborou amplamente os factos objeto da prova documental e admitidos por acordo, tendo incidido especialmente nos pressupostos e finalidades do POSEIMA e sobre a articulação entre a expedição de açúcar para Portugal Continental e a viabilidade empresarial da S., S.A.; 6.ª Em face da matéria de facto provada por documentos e por acordo da partes e em face da prova testemunhal, a solução de direito não pode ser a que consta da sentença recorrida, até porque o acórdão interpretativo do Tribunal de Justiça da União Europeia permite ampliar o juízo probatório de modo a perfilhar uma interpretação do artigo 8.º, 2.º par. do Regulamento (CEE) n.º 1600/92 e do artigo 3.º, n.º 5, 3.º par. do Regulamento (CE) n.º 1453/2001 compatível com as finalidades do POSEIMA; 7.ª Ao adotar como período de referência para determinar a existência de uma corrente comercial tradicional a data de entrada em vigor do POSEIMA (1992), o Tribunal a quo fez uma leitura errada do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, pois nada impede que essa corrente tradicional possa ser analisada num período mais dilatado no tempo, sob pena de serem postos em causa os próprios pressupostos do POSEIMA; 8.ª Faltam na sentença recorrida, os factos que permitem sustentar uma interpretação teleológica do POSEIMA; 9.ª Esses factos e essa interpretação teleológica obrigam a considerar como período de referência para se aferir da existência de correntes comerciais tradicionais, não tanto o período que foi considerado no Regulamento de Execução do POSEICAN (1989, 1990 e 1991) e, por essa razão, retomado no considerando 13 do Regulamento execução dos regimes específicos de abastecimento das regiões ultraperiféricas (Regulamento n.º 20/2002 da Comissão), mas sim todo o período anterior à adesão de Portugal às Comunidades Europeias, pois foi, justamente, devido à adesão que a S., S.A. deixou de ter condições para manter uma corrente comercial (de resto natural) com Portugal continental e com a Madeira; 10.ª Não faz sentido interpretar o POSEIMA de modo a pôr em causa a atividade da S., S.A., quando este é explícito em considerar que as medidas que consagra «devem contribuir, nomeadamente, para melhorar as condições de produção da beterraba sacarina e as condições de competitividade da indústria açucareira local, no limite de quantidades determinadas» (considerando 12 do Regulamento n.9 1600/92 - ênfase aditada) e quando as sucessivas revisões a que foi sujeito vieram consagrar este objetivo (veja-se a revisão operada pelo Regulamento (CE) n.º 247/2006 do Conselho de 30 de Janeiro, que estabelece medidas específicas no domínio agrícola a favor das regiões ultraperiféricas da União Europeia [POSEI]); 11.ª A Recorrente não pode deixar de pugnar, através do presente recurso, por uma solução jurídica que tenha atenção os factos que estiveram na origem do POSEIMA e que tenha em conta os resultados de uma interpretação que não pode ter como consequência a cessação da actividade da S., S.A.

, sob pena de o intérprete deturpar os fins tidos em vista pelo legislador, pondo em causa os elementos lógico, teleológico e sistemático da interpretação jurídica e o controlo dos resultados dessa mesma interpretação; 12.ª Estando explicada a razão de ser da descontinuidade verificada nas expedições de açúcar para Portugal continental, não pode deixar de se concluir que entre 1907 e 1992, a S., S.A. colocou, em regime de venda, açúcar branco no Continente Português e Madeira com assinalável regularidade: a regularidade consentida por uma legislação fortemente restritiva; 13.ª Durante 85 anos, a S., S.A., superando todas as dificuldades de fonte legal e resultantes da própria exiguidade da sua unidade industrial, vendeu açúcar branco no Continente Português e Madeira em mais de metade dos anos que integram este período; 14.ª Uma corrente comercial mantida ao longo de quase um século, apesar das dificuldades de ordem geográfica e, sobretudo, das restrições legais — primeiro nacionais, depois comunitárias - não pode deixar de ser considerada como regular; 15.ª À escala regional, as quantidades expedidas para o Continente e Madeira revestem verdadeiro e importante significado; 16.ª Considerando apenas o período de 1984-1985, verifica-se que foram expedidas para o Continente e para a Madeira, em média anual, cerca de 4.500 toneladas; 17.ª No caso de se considerar os três últimos anos, anteriores à adesão, a média anual atinge 3.066 toneladas. Mesmo alargando o horizonte temporal para atender ao período entre 1907 e 1992, conclui-se que essa média foi superada várias vezes.

18.ª Por referência a uma quota de produção A/B que não pode ultrapassar as 10.000 toneladas de açúcar/ano, uma expedição média anual de 4.500 toneladas ou, em alternativa 3.066 toneladas, representa inequívoco significado; 19.ª Tudo isto permite concluir que ao limitar a sua análise à concordância absoluta com a posição da Fazenda Pública, o Tribunal a quo não julgou verdadeiramente este caso; 20.ª Não julgou verdadeiramente este caso porque no seu acórdão de 15 de Maio de 2003 (processo C-282/00, Col., 2003, p. I-4741) o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias declarou, sem margem para dúvidas, que «constituem expedições tradicionais para o resto da Comunidade, na acepção do artigo 8.º, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 1600/92, as expedições que, no momento da entrada em vigor desse regulamento, em 1 de Julho de 1992, revestiam carácter actual, regular e significativo» remetendo para os órgãos jurisdicionais nacionais (neste caso para o Tribunal a quo) a tarefa de apreciar se era esse o caso das expedições de açúcar dos Açores para Portugal continental e para a Madeira, realizadas entre 1907 e 1992.

21.ª O Tribunal a quo entendeu que não era esse o caso; mas fê-lo erradamente, quer porque limitou a base instrutória ao universo factual que suporta a solução jurídica que entendeu adotar, descurando outras soluções jurídicas, quer porque imputou ao acórdão interpretativo do Tribunal de Justiça a fixação de um período de referência para a determinação da existência de "expedições tradicionais" à data de 1 de Julho de 1992, quando o Tribunal de Justiça pretendeu deixar essa questão em aberto para apreciação do julgador nacional; 22.ª A Recorrente não pode aceitar que se admita o escoamento para o exterior do açúcar obtido a partir de matéria-prima local e que não se admita esse escoamento quando o açúcar é obtido a partir de matéria-prima objeto do regime especial de abastecimento consagrado no POSEIMA que, justamente, visou anular uma situação de desfavorecimento em que se encontrava a S., S.A.

que, ao contrário das suas concorrentes, não tinha a possibilidade de se abastecer em ramas no mercado internacional a preços competitivos; 23.ª A Recorrente não pode aceitar que se lhe atribua uma quota de produção na ordem das 10.000t, permitindo-se o seu aprovisionamento em ramas disponíveis no mercado internacional até às 6.500t, como ainda recentemente se fez no POSEI, quando se sabe que o consumo de açúcar no mercado açoriano não excede as 6.000t e que esse mercado é igualmente abastecido pelas empresas concorrentes com sede em Portugal continental; 24.ª A explicação para se atribuir à S., S.A.

uma quota de produção que excede o consumo no mercado açoriano consiste em admitir que, entre outras, uma das finalidades do regime específico de abastecimento consagrado no POSEIMA - e agora no POSEI - tem que ver com a garantia da viabilização empresarial da S., S.A.

, devido ao seu papel na economia da Região, numa lógica de apoio às regiões ultraperiféricas, com assento no artigo 299.º, n.º 2 do Tratado que institui a Comunidade Europeia, agora artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia; 25.ª Tal finalidade foi expressamente consagrada no ponto 9.2 do Título IV do programa POSEIMA, anexo à Decisão do Conselho 91/315/CEE e no considerando 12 do Regulamento n.º 1600/92 onde ficou consignado que «relativamente aos Açores, estas medidas devem contribuir, nomeadamente, para melhorar as condições de produção da beterraba...

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