Acórdão nº 00847/10.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 30 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.J.
, residente na Avenida (…), NIF (…), intentou contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.
, com sede na Rua (…), e o Delegado Regional da Delegação Regional do Norte do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., a presente ação administrativa especial, pedindo a (i) declaração de nulidade/anulação da decisão, de 21/05/2010, de resolução do contrato que havia sido celebrado em 12/11/2004; a (ii) inconstitucionalidade da interpretação do contrato assinado entre a Autora e a Entidade Demandada segundo a qual as obrigações da Autora se mantêm por mais de três anos e, para o caso de assim se não entender, (iii) a condenação da Entidade Demandada a praticar ato, em substituição do impugnado, que reclame apenas o reembolso parcial das quantias entregues à Autora.
Alegou, para tanto, em síntese a (i) incompetência do Delegado Regional para resolver, em nome do Instituto Demandado, o contrato celebrado; (ii) violação do princípio da confiança dos cidadãos no sistema jurídico num Estado de Direito; (iii) violação do princípio da salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos; violação do disposto nos Decretos-Lei n.º 213/2007, de 29/05, o Decreto-Lei n.º 157/2009, de 10/05, e a Portaria n.º 570/2009, de 29/05; (iv) falta de fundamentação de facto e de direito; (v) erro nos pressupostos de facto; (vi) falta de notificação do relatório de acompanhamento para o bom exercício do direito de pronúncia em sede de audiência prévia; (vi) a Autora cumpriu com as suas obrigações – criação de dois postos de trabalho – durante os anos 2007/2008/2009; por conseguinte, quando em 4/9/2009 teve lugar a visita de acompanhamento, já havia decorrido o período de 4 anos desde a data de concessão do apoio.
Juntou documentos.
*1.2.
A Entidade Demandada contestou, defendendo-se por impugnação, sustentando não se verificar nenhum dos vícios imputados à decisão impugnada, devendo a ação ser julgada improcedente.
*1.3.
Proferiu-se despacho saneador – de fls. 364 dos autos, a considerar não existir necessidade de abertura de um período de produção de prova e a ordenar a notificação das partes para a produção de alegações escritas.
*1.4.
Por requerimento de fls. 367 dos autos, veio a Autora manifestar que discordava da decisão de não abertura de um período de produção de prova, tendo porém o Tribunal mantido a decisão proferida no despacho saneador.
*1.5.
As partes produziram as suas alegações – cf. de fls. 376 e ss. e de fls. 407 e ss dos autos.
*1.6.
Foi proferida sentença no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel a declarar a incompetência, em razão do território, desse Tribunal, determinando a remessa dos autos para o TAF de Braga.
*1.7.
O TAF de Braga proferiu sentença que julgou a ação parcialmente procedente, constando da mesma o seguinte segmento dispositivo: «Por todo o exposto, julga-se improcedente a acção administrativa especial, absolvendo-se a Entidade Demandada do pedido.
Custas pela Autora - artigo 527.º do CPC e artigo 6.º do RCP.
Registe e notifique.
»*1.8.
Inconformado com a decisão proferida pelo TAF de Braga, o Autor interpôs recurso jurisdicional contra a mesma, formulando as seguintes conclusões: «A. Por despacho datado de 23/01/2012, foi proferido despacho saneador pelo qual foi decidido não determinar a abertura de um período de produção de prova, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, al. c), do CPTA, o despacho indica que entende «por ora» (sic) não produzir prova face à prova documental junta aos autos, e convida as partes a apresentar alegações de direito.
B. A Autora, por cautela de patrocínio, e por não concordar com o despacho, apresentou requerimento pelo qual requereu que fosse indicada qual a matéria de facto dada por provada e a dada por não provada, face ao convite para apresentar alegações de direito, mas também se insurgiu contra a não produção de prova porquanto considerava que, face à posição controvertida dos autos, havia matéria que importava produção de prova que não documental.
C. O seu requerimento foi indeferido por despacho datado de 15/03/2012, que de forma lacónica remete para o despacho saneador.
D. Não foram indeferidos os meios de prova indicados pela Autora na petição inicial, foi somente decidido não proceder com a produção de prova, e o decidido tem por base o constante do despacho saneador.
E. Sendo assim uma decisão susceptível de recurso a final nos termos do art.º 691.º, n.º 3 do CPC, na redacção à data aplicável.
F. A Autora, convenceu-se que face à prova documental que juntou aos autos a matéria que alegou estaria dada por provada, pois que dos autos nada há que pudesse ir contra esse seu convencimento.
G. No despacho saneador, considerando que o Tribunal a quo se mostrou pronto a decidir, não foi indicada a matéria assente pertinente para a boa decisão a tomar nos autos, não obstante a Autora até o tenha requerido, e o que era fundamental pois, como se veio a verificar, em sentença foram considerados factos provados desfavoráveis para a Autora e que eram controvertidos, e foram considerados provados factos que não podiam ser considerados provados por acordo das partes, e ainda, não foram considerados provados factos que não foram impugnados e estão documentalmente provados.
H. Acresce que o despacho saneador é datado de 23/01/2012 e foi proferido por Mmo. Juiz do TAF de Penafiel, e a sentença é datada de 29/05/2020 (mais de 8 anos depois) e foi proferida por Mma. Juiz do TAF de Braga (ou seja juízes diferentes), desconhecendo-se assim qual era o juízo quanto à matéria de facto que o Mmo. Juiz que proferiu o despacho saneador.
I. Mas o certo é que a decisão proferida, de não abrir a produção de prova leva a que tenha sido negado à Autora o acesso à Justiça, prejudicando a mesma, e teve um impacto negativo na decisão final pois levou a um erro de julgamento da matéria de facto, como infra se irá alegar na impugnação da matéria de facto dada por provada em sentença.
J. Ora, a decisão de não produzir prova não tem a devida fundamentação, e por maioria de razão também o despacho que indefere a reclamação da Autora não tem fundamentação.
K. Não chega mencionar que os autos têm prova documental suficiente, é necessário que se indique os motivos pelos quais se considera que a prova documental é suficiente, pois só assim, indicando os motivos, o destinatário do despacho consegue compreender a ratio que está por trás da decisão.
L. O que foi indicado à Autora foi que «por ora» entendia o Tribunal ser suficiente a prova documental, o que significava que até poderia, face aos poderes inquisitivos do Tribunal, ser determinada a produção de prova.
M. Acresce que, a prova documental não versa sobre todos os factos em discussão nos autos, razão pela qual foi indicada prova testemunhal.
N. De facto, a Autora no seu requerimento datado de 08/02/2012, fundamentou que os factos estavam controvertidos, face à posição da Ré, e que havia factos alegados que não tinham prova documental.
O. A prova testemunhal é essencial para a boa decisão da causa porquanto tem ligação directa com factualidade alegada pela A. e da qual depende os pedidos formulados, não sendo possível tal prova por documento, sendo ilegal considerar que a prova testemunhal não poderá fazer prova do alegado.
P. A convicção que a Autora assinou o contrato e a vontade com que quis contratar, pode ser provado por prova testemunhal, assim, como a interpretação efectuada do constante do contrato.
Q. Da mesma forma, a situação financeira da Autora, que foi alegada, e a consequência da decisão na sua vida familiar, que foi alegada, é factualidade que pode ser provada por testemunhas.
R. Também a ocupação do local pode ser feita por prova testemunhal, tal qual a Autora quis fazer.
S. E nos presentes autos não há limitação dos meios de prova, nem a lei limita os meios de prova a documentos.
T. E tanto quanto sabemos, com total certeza, o Mmo. Juiz, e a Mma. Juiz que profere sentença, não têm conhecimento prévio do que a testemunha, ou testemunhas que fossem aditadas nos termos legais, iam testemunhar, para que fosse decidido não abrir produção de prova, ou para decidir, como se decidiu em sentença que a prova testemunhal não convenceria o Tribunal.
U. Tal afirmação atenta mesmo contra os mais elementares princípios jurídicos do nosso ordenamento, porquanto não estando vedado os meios de prova é inimaginável e inaceitável que a Mma. Juiz do Tribunal a quo, sem ouvir a prova testemunhal, tenha um juízo formado quanto à mesma.
V. Estamos assim perante dois despachos que não especificam os fundamentos de facto da decisão de não determinar a abertura de produção de prova, pois como já atrás mencionamos não é possível ao destinatário dos mesmos compreender a que factos o Mmo. Juiz se refere quando afirma que a prova documental é suficiente.
W. Pelo que, se argui a nulidade dos despachos datados de 23/01/2012 e de 15/03/2012, nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. b), ou se preferir, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC (respectivamente CPC 1961, e CPC 2013), sendo nulo todo o demais processado, incluindo da douta sentença, o que desde já se requer e argui.
X. Acresce que, a falta de indicação da matéria dada por assente, é uma clara violação do disposto no art.ºs 86.º, n.º 5 e 6, 87.º do CPTA e do art.º 511.º (CPC 61, sendo o actual art.º 596.º), sendo assim ilegal o despacho proferido, devendo o mesmo ser revogado, e proferido um que colmate tal ilegalidade e que abra a produção de prova, e em consequência deve a douta sentença ser revogada com todos os devidos efeitos legais.
Y. Até porque, ao assim não ter sido feito pelo Tribunal a quo, se mostra haver uma decisão surpresa quanto à matéria assente, pois se quando foi proferido o despacho saneador o Tribunal considerava existiram factos assentes, sempre deveria ter feito constar do despacho...
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