Acórdão nº 00439/14.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução18 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: N.

veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença de 16/04/2012, pela qual foi julgada improcedente, por não provada, a presente acção administrativa comum, que o Recorrente move contra a Comunidade Intermunicipal da Região Dão/Lafões, tendo a Ré sido absolvida do pedido da sua condenação no pagamento a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a importância total de € 13.650,02 euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até ao seu efectivo e integral pagamento.

*Invoca, para tanto e em síntese, que a sentença recorrida é nula por se verificarem contradições entre os factos provados e não provados, contradições entre os factos provados e não provados e a motivação da decisão factual e obscuridade e ambiguidade da referida sentença e pugna pela verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual da Ré.

A Recorrida apresenta contra-alegações, pugnando pela não verificação das arguidas nulidades da sentença recorrida e pela manutenção da mesma.

O Mmº Juiz a quo sustentou a decisão recorrida, considerando não existirem as nulidades invocadas pelo recorrente.

Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1- O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida a fls. do processo, julgando totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e em consequência, absolvendo a Ré do pedido formulado pelo Autor, tendo como fundamentação o facto de, na convicção do Tribunal, não ver em que é que a actuação da Ré tenha violado o direito ao trabalho patente na CRP, bem ainda os princípios da boa-fé e da confiança considerando in fine não haver responsabilidade civil extracontratual por parte da Ré.

2- A douta sentença padece, ab initio, de nulidade, atento o facto de conter contradições entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados.

3- Acrescenta-se ainda que a factualidade prevista no ponto 19 dos factos provados é matéria conclusiva pois nenhuma prova directa ou indirecta foi efectuada quanto a esse facto.

4- O Mmº Juiz a quo deu como provado no ponto 4 “que as restrições do autor nas visitas ao seu filho tenham derivado directamente do facto do autor não ter rendimentos para pagar a prestação de alimentos ao seu filho menor.” 5- Por sua vez nos pontos 15 e 16 dos factos provados dá como assente que “o autor, por altura da candidatura da ré CIM ao Programa de Estágios, tinha um filho menor de 5 anos de idade, ao qual estava obrigado a prestar uma pensão de alimentos de €100,00 mensais, a qual deixou de prestar por não ter possibilidades económicas de a prestar, tendo-lhe sido instaurado o processo nº 44/11.7TBVIS-E, no qual foi decidido também ficar restringido de ver/visitar o seu filho”.

6- Além das referidas contradições existe ainda contradição entre o ponto 11 dos factos privados e a própria fundamentação da matéria de facto dada como provada bem ainda com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede audiência de discussão e julgamento.

7- Ora, no ponto 11 dos factos provados, o Mmº Juiz a quo dá como provado que “a anulação desta candidatura, conforme tal comunicação, deveu-se ao facto de recentemente terem sido admitidos na entidade ré CIM dois novos postos de trabalho, por via de um procedimento concursal comum, os quais vieram preencher a lacuna do nível de perfil competências para o qual tinham apresentado a sua referida candidatura”.

8- Já na parte da fundamentação da matéria de facto, na página 12, 1º parágrafo, no que à testemunha J. diz respeito refere que a concretização dessa “medida programa-estágio” estava também dependente da estabilidade da candidatura da L., pois, apesar de já contratada a termo resolutivo incerto, estava a decorrer ainda o seu período experimental”.

9- Daqui se retira que, a anulação da referida candidatura ao programa estágio emprego não se prendeu com o facto de terem sido preenchidos os postos de trabalho, porque esses aliás até já estavam preenchidos anteriormente ao envio da aceitação da candidatura por parte da Ré mas sim pela verificação por parte da entidade ré se a referida L. executava bem as suas funções durante o período experimental.

10- Tal factualidade foi confirmada por ambas as testemunhas no seu depoimento.

11- Por fim, existe ainda a contradição entre o ponto 21 dos factos provados e o depoimento da testemunha L..

12- No ponto 21 refere-se que “A Entidade ré CIM apenas decidiu em 14 de Janeiro de 2014 a anulação/desistência do referido estágio do autor em causa porque, devido à nova composição do Conselho Intermunicipal da Ré, decorrente das eleições autárquicas realizadas em 29 de Setembro de 2013 e, assim, também por o secretário executivo da Ré, apenas ter tomados posse em 16 de Dezembro de 2013.

13- Ora, foi o próprio secretário executivo da ré que admitiu que além dele havia outrem que poderia ter anulado a referida candidatura a estágio, até porque aquele actua com delegação de poderes do presidente da Ré, delegação essa que nunca fora junta aos autos sequer por parte da Ré por forma a comprovar a data ou validade da mesma.

14- Destarte, são várias as contradições existentes na douta sentença, quer materializadas na própria sentença e os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, depoimentos esses que o Mmº Juiz a quo não poderia não considerar.

15- In casu, as contradições evidenciadas supra colocam em causa toda a motivação da douta sentença, pelo que a mesma deverá ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, por ser ininteligível e contrária à prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento bem ainda contrária à prova documental levada aos autos que demonstram que ambos os concursos foram iniciados anteriormente ao envio da candidatura ao programa estágio por parte da Ré.

16- No entendimento do Mmº Juiz a quo não foi violado o direito ao trabalho atento o facto de a candidatura do autor ser para realização de estágio profissional não se tratando assim de uma relação laboral.

17- Ora o artigo 58º nº 1 da CRP indica que “Todos têm direito ao trabalho” sendo que o nº 3 refere que “incumbe ao Estado, através da aplicação de planos de política económica e social, garantir o direito ao trabalho, assegurando: c) a formação cultural, técnica e profissional dos trabalhadores.

18- Sendo que no que concerne à formação profissional tem “em vista evitar que através da falta de formação cultural, técnica e profissional se restrinjam as possibilidades de emprego dos trabalhadores. Isto num duplo sentido: primeiro facilitar a obtenção de emprego; depois, propiciar carreira profissional, cfr. anotação ao artigo 58º, pág. 316 da CRP Anotada, 3ª edição de J.J. Canotilho e Vital Moreira.

19- Desta forma e a contrario da convicção do Mmº Juiz a quo, existe de facto violação do direito ao trabalho, na vertente de acesso a uma formação profissional, conforme exposto supra, violação essa que aconteceu quando a ré deliberadamente e sem justificação plausível anulou a candidatura ao programa estágio emprego, impedindo assim o autor de frequentar o referido estágio, frustrando as suas expectativas.

20- Aliás a própria medida estágio emprego foi criada com o objectivo através de experiência pratica em contexto laboral, melhorar o respetivo perfil de empregabilidade e promover a respetiva inserção profissional, conforme consta do introito da portaria que regula a referida medida bem ainda no seu artigo 2º.

21- Sendo que em termos qualificativos, os contratos de estágios são equiparados aos contratos de formação profissional a nível jurisprudencial.

22- Pelo que e em conclusão, o respectivo princípio legal de direito ao trabalho também se aplicará aos mesmos (art. 58º nº 3 alínea c) da CRP) pelo que se deverá concluir que houve violação deste princípio na vertente indicada.

23- Além disso, a ré desiste/anula a candidatura ao programa estágio emprego com a justificação que já não necessita do estagiário pois foram preenchidos dois postos de trabalho que preenchiam a lacuna laboral que a ré tinha.

24- Ora, além de ir contra os objectivos da própria medida conforme anteriormente demonstrado, o artigo 1º da Portaria nº 204-B/2013, de 18 de Junho que regula a medida estágio emprego refere que ”entende-se por estágio e desenvolvimento uma experiência prática em contexto de trabalho com o objectivo de promover a inserção de jovens no mercado de trabalho ou a reconversão profissional de desempregados, não podendo consistir na ocupação de postos de trabalho”.

25- Nestes termos, e atenta a referida proibição legal verifica-se, desde logo, que a portaria faz clara distinção e separação entre os postos de trabalho e os estágios iniciados ao abrigo da referida medida, não podendo um substituir o outro, logo o facto de terem sido preenchidos dois postos de trabalho na entidade ré em nada impedia ou podia impedir a continuação do estágio per si.

26- No que concerne aos princípios da boa-fé e da confiança, foi entendimento do douto tribunal a que os mesmos não foram violados, primeiro porque a Ré não se vinculou perante o autor e pelo facto de considerar que a expectativa do autor integrar o estágio não passou de uma mera expectativa e portanto sem qualquer protecção jurídica.

27- Atento o plasmado na sentença recorrida refere-se que uma das refracções deste princípio é em relação a actos de administração, a tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos.

28- No entanto, apesar de considerar que de facto houve expectativa por parte do autor em integrar o estágio na ré, expectativa essa que foi frustrada propositadamente, o Mmº Juiz a quo entendeu que não fora violado o referido princípio atento o...

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