Acórdão nº 00224/13.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | José Augusto Araújo Veloso |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2013 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra indeferiu, por sentença datada de 13.06.2013, a providência cautelar de «suspensão de eficácia da deliberação de 25.10.2012 do Conselho Directivo do I... - ANM e Produtos de Saúde, IP» [I], e do despacho que, na sequência da mesma, foi proferido «em 02.11.2012 pelo Secretário de Estado da Saúde» [SES], actos mediante os quais, respectivamente, foi proposta ao SES a abertura, acompanhada de transferência de localização, da farmácia pertence ao contra-interessado AHB..., e foi autorizada a mesma - a sentença foi proferida em processo cautelar intentado pela requerente F..., LDA., contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE [MS], o I... e o contra-interessado AHB..., pedindo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [TAF] que suspendesse a eficácia da deliberação e do despacho já referidos.
Nas respectivas oposições, tanto as entidades requeridas como o contra-interessado deduziram a excepção da «ilegitimidade activa», que a sentença do TAF também improcedeu.
Desta sentença discordam a requerente cautelar e o contra-interessado, aquela quanto ao julgamento de facto e ao julgamento de direito atinente ao mérito da pretensão cautelar requerida, e este, ao abrigo da possibilidade de ampliação do objecto do recurso [artigo 684º-A, nº1, do CPC, ex vi 140º do CPTA], quanto à decisão de improcedência da excepção da ilegitimidade activa.
A requerente cautelar, enquanto recorrente, conclui deste modo as suas alegações: 1- A sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de facto: errou ao não dar como provado que «nem o I... nem o Senhor Secretário de Estado da Saúde [SES] alegaram quaisquer razões de protecção da saúde pública ou de garantia da manutenção da assistência farmacêutica à população para praticar os actos em crise»; 2- Errou, ainda, ao não dar como provado que o estabelecimento da autora se situa, na freguesia de Á..., em local muito próximo daquele onde o Despacho do SES, praticado em 02.11.2012, permitiu ao contra-interessado a abertura de estabelecimento de farmácia, na freguesia de R..., a cerca de 2.195 m, sendo que as duas freguesias confinam entre si e a freguesia de R... ainda com a freguesia da B... , todas do mesmo concelho; 3- Errou, ainda, por constituir facto notório de experiência comum, que a abertura de uma farmácia, na freguesia de R..., pelo contra-interessado, afectará o número de clientela residente na freguesia de R..., no estabelecimento da autora e o ganho da autora, e, também, ao não dar como provado que o valor do estabelecimento de farmácia da autora ficará diminuído com a instalação, a cerca de 2.195 m da farmácia do agora contra-interessado; 4- Tais factos eram apreensíveis em face do processo administrativo e dos documentos juntos aos autos; 5- A sentença recorrida errou, ainda, em matéria de direito; 6- O decretamento da providência conservatória de suspensão de eficácia, a coberto da alínea b) do nº1 e nº2 do artigo 120º do CPTA está sujeito aos seguintes requisitos: «[1] que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, ou a formular, nem a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, nas conservatórias, ou que seja provável a sua procedência, nas antecipatórias [fumus boni iuris]; [2] que haja fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal [periculum in mora]; [3] que da ponderação dos interesses em presença decorra que os danos que resultam da concessão da providência [sua proporcionalidade e adequação] se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa»; 7- Estes requisitos devem ser entendidos do modo como o foram no acórdão desse Venerando Tribunal, proferido em 14.06.2013, no processo nº100/13.7BEAVR, relativo aos mesmos despachos impugnandos e aos mesmos requeridos [I... e Contra-interessado], em caso totalmente paralelo, salvo quanto à identidade dos requerentes; 8- A perda de clientela da requerente e de valor do alvará de licenciamento do seu estabelecimento de farmácia e deste estabelecimento, consequente da abertura licenciada da farmácia do contra-interessado, consubstancia uma situação potenciadora de prejuízos de difícil reparação; 9- O interesse público invocado pela entidade pública demandada não diz respeito às populações abrangidas pela área de influência comercial da farmácia do contra-interessado, mas apenas «às expectativas criadas» pelo contra-interessado pela prática do acto anulado, sendo que estas carecem de qualquer suporte de legitimidade substancial num Estado de direito; 10- De qualquer jeito uma simples expectativa, juridicamente infundada segundo o quadro jurídico vigente a quando da prática do acto anulado, do contra-interessado não se deverá sobrepor ao interesse da aqui recorrente.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e o provimento da pretensão cautelar requerida a tribunal.
O MINISTÉRIO DA SAÚDE [MS] contra-alegou, concluindo assim: 1- A sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura; 2- A recorrente não tem razão, a sentença, ao contrário do que alega, fez correcta interpretação e aplicação da lei aos factos e não enferma por isso dos invocados erros de julgamento da matéria de facto e de direito; 3- A proposta/deliberação e o despacho consequente não foram fundamentados «… em razões de protecção da saúde pública, de garantia da manutenção da assistência farmacêutica à população …», mas antes, apenas e tão só, no «… respeito pelas expectativas criadas pela prática de acto administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado …», pelo que não tinha, por isso, de ser dado como provado aquilo mas única e simplesmente isto, razão pela qual improcede a alínea a) das conclusões do recurso; 4- De igual modo improcede a alínea b) das conclusões do recurso, uma vez que, quer na matéria de facto dada como provada [ver ponto 9], quer nos fundamentos de direito da douta sentença, foi tida em conta a proximidade das farmácias da recorrente e contra-interessado, factor este que foi devidamente ponderado para efeitos da não verificação do requisito do «periculum in mora»; 5- Para além disso, importa salientar que a sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura no que se refere à apreciação e decisão da não verificação do requisite do «periculum in mora»; 6- Com efeito, ainda que se admita que a abertura de nova farmácia na proximidade da recorrente possa ter reflexos no seu giro comercial e possa provavelmente acarretar alguns prejuízos, os quais dependem de um conjunto aleatório de factores imponderáveis, de todo o modo, se esses prejuízos ocorrerem não serão, no entanto, prejuízos de difícil reparação, como correctamente sustenta a douta sentença recorrida.
Termina pedindo o não provimento do recurso jurisdicional, bem como a confirmação da sentença recorrida.
Também o I… contra-alegou, concluindo assim: 1- A sentença recorrida não padece de nenhum vício por não terem sido apreciados factos alegados pelas partes, porquanto foram apreciados todos os factos necessários para a boa decisão da causa; 2- Além disso, todos os factos que a recorrente considera que o TAF deveria dar como assentes são totalmente irrelevantes para a análise da conformidade da norma constante do artigo 6º do DL nº171/2011, e da legalidade do acto suspendendo; 3- O TAF andou bem ao julgar não verificado o requisito do «periculum in mora», uma vez que, conforme tem defendido a jurisprudência, não será a abertura de uma nova farmácia causa adequada ao desvio de clientela da farmácia da recorrente, sendo os prejuízos alegados pela recorrente meramente hipotéticos; 4- De facto, o legislador utilizou a distância de dois quilómetros como critério legal para assegurar que, independentemente da capitação, cada farmácia tem a clientela necessária para ser um negócio atractivo e assim se manter aberta em funcionamento, de forma a garantir a distribuição medicamentosa e de serviços farmacêuticos pelo território e pela população.
5- Desta forma, estando assente que a farmácia do contra-interessado a mais de dois quilómetros da farmácia da recorrida a lei não considera que possa haver prejuízos tuteláveis, porquanto se os houver, os mesmos fazem parte da concorrência normal entre farmácias que a recorrida, pelo que os mesmos não podem ser considerados para efeitos de preenchimento de «periculum in mora»; 6- Por outro lado, como bem decidiu o TCAS e este TCAN, como a actividade das farmácias está relacionada principalmente com a saúde das pessoas, a escolha de uma farmácia por um utente faz-se por critérios bem diferentes daqueles que são usados para a escolha da satisfação de outras necessidades, pelo que não faz sentido, para análise do comportamento de clientela de estabelecimentos de farmácia, analisar apenas critérios economicistas; 7- Pelo que não será a abertura de uma nova farmácia causa adequada ao desvio de clientela da farmácia da recorrida, sendo os prejuízos alegados pela recorrida meramente hipotéticos.
Termina pedindo a manutenção da sentença recorrida.
Por fim, o interessado AHB..., contra-alegou e ampliou o objecto do recurso jurisdicional, nestes termos: 1- O recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo TAF nos termos da qual foi indeferida a providência cautelar interposta pela requerente, ora recorrente; 2- Sem prejuízo da demonstração, cabal, da improcedência da tese da recorrente que se levou a cabo, procedeu-se, nos termos do disposto no artigo 684º-A, nº1, do CPC [aplicável ex vi artigo 140º, do CPTA] à ampliação do âmbito do recurso, com fundamento na [im]procedência da questão prévia/excepção de ilegitimidade activa da recorrente; 3- De facto, e face à conformação que a recorrente faz do seu pedido...
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