Acórdão nº 00773/17.1BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO A ABT & Filhos, Lda., veio interpor recurso da decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em 1 de março de 2018, no âmbito de Providência Cautelar apresentada contra o Município de Ovar, que indeferiu a mesma, tendente à suspensão do ato de 08/08/2017 que “ordena a cessação de utilização do edifício onde se encontra instalada e a funcionar uma central de betonagem para fabrico de betão pronto (...)” tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. O recurso ora submetido à mui douta e criteriosa apreciação de Vossas Excelências vem da douta sentença datada de 01/03/2018, que indefere a providência cautelar requerida para suspensão do despacho de 08/08/2017, proferido pelo Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ovar, que ordena a cessação de utilização do edifício em preço, fixando para o efeito um prazo máximo de cinco dias.

  1. Ocorre nulidade da referida douta sentença, nos termos do nº.1 do artigo 195º. do CPC, por omissão da prática de um ato que a lei prescreve no nº.3 do artigo 3º., pois foi dispensada a produção da prova testemunhal requerida sem previamente dar oportunidade à Recorrente de sobre tal dispensa se pronunciar, designadamente justificando a necessidade de produzir tal prova, indicando os factos que haveria de ter por objeto e a relevância dessa prova para a demonstração dos critérios da decisão a proferir.

  2. Nessa medida, constitui decisão-surpresa e viola o direito de tutela jurisdicional efetiva, sobretudo na vertente do direito a um processo justo e equitativo previsto no nº.1 do artigo 2º. do CPTA, nº.4 do artigo 268º. e nº.4 do artigo 20º. da CRP.

  3. E influi decisivamente na decisão da causa, porquanto, ao mesmo tempo, não recaiu douta decisão sobre muitos dos factos alegados pela Recorrente, sobremaneira relevantes para a demonstração do critério periculum in mora e ponderação de interesses.

  4. É o que sucede com o alegado nos artigos 93º., 94º., 95º. e 96º. do R.I., e artigos 44º., 49º., 50º. e 51º. do requerimento apresentado em papel, demonstrados pelos documentos juntos com este, e que desde já se requer sejam julgados provados.

  5. E com o alegado nos artigos 97º., 98º., 99º., 100º., 101º., 102º., 103º., 104º. e 111º. do R.I., que, a não ser tido como notório e por isso desnecessitado de prova, como se requer outrossim seja julgado, haveria de ser objeto da prova testemunhal dispensada.

  6. E parcialmente com o alegado no artigo 92º. do R.I., onde não vem julgado provado ou não provado, sob os pontos BL e BM, que a Recorrente tenha celebrado os contratos de leasing das viaturas em causa específica e exclusivamente para empregar no transporte do betão a produzir nesta central e satisfazer as encomendas dos clientes do raio de ação do mesmo.

  7. Ocorre assim também nulidade nos termos da alínea d) do nº.1 do artigo 615º. do CPC, por omissão de pronúncia sobre toda a factualidade referida nas conclusões precedentes.

  8. Ou, pelo menos, erro de julgamento, não podendo entender-se desnecessária ou irrelevante a produção da prova testemunhal para prova daquela matéria e, ao mesmo tempo, omitir em absoluto a prolação de douta decisão sobre a mesma e sua fundamentação, por forma a que a Recorrente agora a pudesse sindicar e exercer cabalmente o direito ao recurso.

  9. Por via da nulidade ou do erro de julgamento, sempre se impõe anular a douta sentença recorrida e ordenar a sua substituição por nova decisão que ordene a notificação prévia da Recorrida para pronúncia sobre a intenção de dispensa da produção de prova testemunhal e/ou que aprecie e decida a matéria de facto não julgada provada ou não provada.

  10. O ato suspendendo foi proferido com fundamento em elementos de facto e direito que não foram previamente dados a conhecer à Recorrente, que sobre eles nunca teve oportunidade de exercer direito de audiência prévia, e foram necessariamente ponderados na prolação do ato e inexoravelmente influenciaram o seu conteúdo e sentido.

  11. Elementos que consistem designadamente nas reclamações aparentemente apresentadas ao funcionamento da central instalada no imóvel em apreço, identificadas nos pontos 3., 4. 5. e 6.15.1 da Informação Técnica de 27/07/2017, que acompanhava o Ofício nº.7268/DAJF, de 09/08/2017 (pontos AJ e AP).

  12. Omissão que o Recorrido nunca supriu, como se impunha em cumprimento do disposto no nº.2 do artigo 121º. do CPA e face aos ditames dos princípios da legalidade, prossecução do interesse público e proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, boa administração, proporcionalidade, justiça, razoabilidade, imparcialidade, boa-fé, participação e decisão, tal como previstos nos artigos 3º., 4º., 5º., 7º., 8º., 9º., 10º., 11º., 12º. e 13º., todos do CPA.

  13. Tendo antes surpreendido a Recorrente com o ato suspendendo, quando tinha informando já ter realizado todas as alterações e correções que lhe foram impostas no auto de vistoria e solicitando a realização de nova vistoria com carácter de urgência (ponto AL), e cumprido a notificação da Informação nº.6128, de 04/07/2017 (pontos AN e AO), e assim também a legítima expectativa de ter cumprido todas as condições para emissão do título.

  14. Independentemente de terem originado processo de contraordenação, tais reclamações foram recebidas pelo Recorrido, consideradas na prolação do ato e inexoravelmente assim influenciaram os respetivos termos, como os puderam influenciar os autores das mesmas, pelo que nunca poderiam ser subtraídas à audiência prévia da Recorrente.

  15. Sob pena de se manter a interessada no procedimento na ignorância dos fundamentos em que assenta a decisão que lhe diz respeito, impedindo-a de sobre ela se defender, enquanto se permite a quem não é interessado influenciar essa mesma decisão, sem contraditório, subvertendo a lógica da audiência prévia e violando os elementares princípios regentes da atividade administrativa e a própria ideia de Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2º. da Constituição.

  16. Sendo que o Recorrido não deixou de notificar a entidade reclamante da tramitação que ia sendo adotada no processo administrativo e culminou na emissão do ato suspendendo, em violação flagrante dos princípios da igualdade e imparcialidade, com dois pesos e duas medidas.

  17. Era por isso nulo, ou pelo menos anulável, mesmo que apenas indiciariamente, nos termos do disposto na alínea d) do nº.3 do artigo 161º., ou do nº.1 do artigo 163º. do CPA.

  18. O ato suspendendo foi proferido quando já não se verificavam as circunstâncias de facto que motivaram a sua prolação e tinham sido realizadas todas as alterações e correções que haviam sido impostas à Requerente no auto de vistoria.

  19. O Recorrido apenas teve oportunidade de proferir o ato porque incumpriu o dever legal de realizar nova vistoria no prazo de 15 dias a contar do requerimento feito pela Recorrente em 22/05/2017, assim violando o nº.5 do artigo 65º. do RJUE, e os princípios que regem a atividade administrativa, designadamente os da legalidade, da prossecução do interesse público, dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa administração, proporcionalidade, justiça, razoabilidade, imparcialidade, boa-fé, participação e decisão, tal como previstos nos artigos 3º., 4º., 5º., 7º., 8º., 9º., 10º., 11º., 12º. e 13º. do CPA.

  20. Nesse requerimento de 22/05/2017, o Recorrido informou que já havia realizado todas as alterações e correções impostas (ponto AJ), o que inclusive demonstrou fotograficamente e é mesmo notório nomeadamente no que respeita à cortina arbórea, tendo requerido fosse realizada nova vistoria com carácter de urgência.

  21. Data a partir da qual o Recorrido dispunha de 15 dias para realizar nova vistoria, nos termos do disposto no nº.5 do artigo 65º. do RJUE, que nunca realizou nem sequer diligenciou por marcar, omitindo ilegalmente essa marcação e realização.

  22. Cumpridas as condições impostas à Recorrente e disso informado o Recorrido, aquela tinha direito à emissão do título.

  23. Emissão que solicitou judicialmente e nos termos do nº.6 do artigo 65º. do RJUE, pela formulação do pedido da alínea c) do R.I., num primeiro momento; e extrajudicialmente, num segundo momento, pelo requerimento a que se refere o ponto BO).

  24. Na oposição ao R.I. e na contestação da P.I. da ação principal, o Recorrido omitiu que do procedimento administrativo constava já o parecer da CCDR-C a que se refere o ponto AU) e donde resulta que a Recorrente havia adotado as medidas especiais para minimização das emissões difusas, previstas no artigo 10º. do D.L. nº.78/2004, de 03 de Abril.

  25. Nunca o notificou aquele ofício da CCDR-C à Recorrente, que dele veio a conhecer apenas em 04/01/2018 (!), em resposta ao requerimento formulado em 16/11/2017 (!) (ponto BO), outrossim em violação dos princípios da boa-fé, da colaboração com os particulares, da participação e legalidade, previstos nos artigos 3º., 10º., 11º. e 12º. do CPA, e com litigância de má-fé.

  26. Da douta sentença resulta que a Recorrente diligenciou ativamente pela legalização do exercício da sua atividade e utilização do edifício.

  27. O facto de a tramitação do procedimento administrativo ser longa, com este histórico de diligência e colaboração só milita em favor Recorrente e torna mais premente a necessidade de observação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e razoabilidade, da boa-fé, da participação e da decisão, previstos nos artigos 7º., 8º., 10º., 12º. e 13º., todos do CPA; e só torna mais censurável o facto de o Recorrido ter surpreendido com a prolação do ato suspendendo, sem mais aviso, quando há muito era devida à emissão do título.

  28. Ainda que apenas indiciariamente, impunha-se concluir pela violação do nº.5 do artigo 65º. do RJUE e dos referidos princípios que regem a atividade administrativa.

  29. Tudo donde se impunha concluir pela verificação do fumus boni juris, e analisar os demais critérios de decisão.

  30. A natureza provisória dos presentes autos...

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