Acórdão nº 499/17.6T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 499/17.6T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Central de Competência Cível de Setúbal – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na acção comum de condenação proposta por (…) contra (…), (…), “(…), Lda.”, (…), (…) e (…), o Autor veio interpor recurso da sentença proferida.

* O Autor pedia que: a) fosse declarada a ineficácia, em relação ao Autor, das transmissões de propriedade do bem imóvel, prédio misto, sito em Águas de Moura, Estrada de (…), (…), na freguesia de Marateca, concelho de Palmela, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da Secção U e na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o artigo n.º (…), devendo ainda ser ordenado à 5.ª e 6.º réus a restituição do referido bem, por forma a garantir a satisfação do seu crédito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil.

e, subsidiariamente, que b) fosse declarada nulidade das transmissões de propriedade do bem imóvel por simulação absoluta, devendo ainda ser ordenado o cancelamento dos registos efetuados com base nos aludidos negócios de compra e venda e doação.

* Em abono da sua pretensão, o Autor invoca que os 1ºs Réus venderam o imóvel identificado na petição inicial à empresa “(…), Lda.” que, no mesmo dia, o vendeu a (…), mãe da Ré. Esta, de seguida, doou o imóvel aos seus netos, filhos do 1º e 2ª Réus, livre de ónus ou encargos, por forma a salvaguardar o imóvel e impossibilitar a cobrança do crédito do Autor no montante de € 54.148,57 acrescidos de juros de mora vincendos desde 18/01/2017.

Alega ainda que os 1º e 2ª Réus com a venda deste imóvel conseguiram esvaziar o património que podia garantir a satisfação do crédito do Autor, pois resultaram infrutíferas as diligências encetadas pelo mesmo para localizar outros bens no património dos Réus susceptíveis de responder pelo crédito.

Mais se diz que os 1º e 2º Réus nunca deixaram de habitar o imóvel em causa, o qual foi transferido entre familiares e por montante exageradamente baixo que corresponde a 1/3 do verdadeiro valor do imóvel.

* Devidamente citados, os Réus apresentaram contestação, alegando, em suma, que nunca pretenderam prejudicar os credores e evitar a satisfação integral dos seus créditos. E concluem, assim, pela inexistência de qualquer acto que prejudique o Autor.

* O objecto do presente litígio consistia em apreciar da ineficácia em relação ao Autor das transmissões de propriedade do imóvel e da nulidade das transmissões de propriedade do bem imóvel por simulação absoluta.

* Realizado o julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu absolver os Réus de tudo o peticionado.

* O recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentaram as seguintes conclusões: «I. Ora e salvo melhor opinião entende o Recorrente que o Tribunal a quo valorou mal os depoimentos e declarações prestadas.

  1. Quanto aos pontos da factualidade considerada não provada pela sentença recorrida: “Os gerentes da 3ª ré sabiam que com estes negócios pretendia o 1º réu furtar-se ao pagamento das suas dívidas tendo tais atos sido praticados pelos réus com o intuito de impossibilitar o autor de obter a satisfação integral do seu crédito” (Ponto 8), “O 1.º e 2ª réus, agiram em conluio com os restantes réus com o intuito exclusivo de enganar e prejudicar o autor, impedindo-o de exercer os seus direitos de crédito” (Ponto 10), e “Os réus acordaram entre si fazer as declarações constantes das duas primeiras escrituras de compra e venda e da última escritura de doação, sem verdadeiro intuito de realizar contratos de, respetivamente, compra e venda e doação” (Ponto 11).

  2. O Tribunal a quo julgou-os não provados, contudo deveria ter decidido os mesmos como provados pelos fundamentos acima indicados.

  3. Em primeiro lugar, não obstante o 1.º Recorrido afirmar que, aquando do divórcio e dos negócios impugnados, não tinha qualquer litígio ou dívida, a verdade é que a empresa (…) já ultrapassava tempos difíceis a essa data.

  4. Mais ainda, 2011 foi o ano no qual se consolidou a dívida do 1.º Recorrido perante o Recorrente.

  5. Conforme decidido em ação que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Central de Lisboa, 1.ª Secção Cível – J18, sob o n.º de processo 11312/14.6T8LSB, tendo já sido proferida sentença em 08.06.2016, dando a mesma procedência ao pedido do Recorrente.

  6. Aliás, o Douto Tribunal a quo decidiu pela anterioridade do crédito do Recorrente sobre os negócios impugnados.

  7. Desde logo se denota a falta de coerência e justificação para o facto de o negócio em causa ter sido realizado primeiro com a empresa 3.ª Ré e só depois com a 4.ª Ré, quando poderia ter sido celebrado diretamente… IX. Ora, se porventura tivesse existido alguma justificação plausível para a venda do imóvel à empresa 3.ª Recorrida, para posterior transmissão à 4.ª Recorrida, qualquer um dos Recorridos conseguiria enunciá-la.

  8. Além disso, no que diz respeito aos valores declarados no 1.º e no 2.º negócio, esses valores são escandalosamente baixos, a saber € 85.000 e € 87.500, respetivamente.

  9. Para a decisão em causa deveriam ainda ter sido considerados os próprios pagamentos realizados nos negócios em causa.

  10. Conforme se poderá comprovar através do Requerimento probatório submetido a 28.06.2019 por parte dos Recorridos, de acordo com a versão dos Recorridos, na escritura de dia 18.01.2012 de passagem do imóvel para a Recorrida (…), foram efetuadas transferências bancárias no valor de € 75.000,00 e um pagamento em numerário de € 10.000,00.

  11. Na segunda escritura, também realizada a 18.01.2012 e de transmissão do imóvel da Recorrida (…) para a Recorrida (…), o preço foi pago mediante dois cheques bancários no valor de € 75.000,00 e um pagamento em numerário de € 12.500,00.

  12. Aliás, o próprio legal representante da 3.ª Ré, no seu depoimento admitiu que nunca realizaria um pagamento em dinheiro.

  13. Não se recordando (qualquer um dos Recorridos!) de qualquer pagamento em numerário.

  14. Porque tais pagamentos nunca sucederam! XVII. Em segundo lugar, relativamente à primeira escritura celebrada no dia 18 de janeiro de 2012, as transferências realizadas para a 2.ª Recorrida no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros) e de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) reportam-se ao dia 17 de janeiro de 2012, ou seja, um dia antes da escritura.

  15. Já no que concerne à segunda escritura, outorgada no mesmo dia 18 de janeiro de 2012, os cheques no valor de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) e de € 30.000,00 (trinta mil euros) foram emitidos a 11 de janeiro de 2012 e descontados no dia 13 de janeiro do mesmo ano, ou seja, cinco dias antes da respetiva escritura.

  16. O facto de todos os pagamentos, tanto os da primeira escritura como da segunda terem sido realizados antes da data da escritura demonstram o grau de confiança e intimidade entre as partes.

  17. Além de a Recorrida (…) não ter recebido qualquer lucro com a realização do negócio, ainda teve prejuízos, nomeadamente com o pagamento do Imposto de Selo no valor de € 680,00 (cfr. Documento junto com a Petição Inicial sob o n.º 22).

  18. O objetivo claro e flagrante foi a dissipação de património.

  19. Quanto aos pontos da matéria de facto considerada não provada na sentença recorrida “Desde a data de construção da moradia e até ao dia de hoje, 1º e 2ª réus sempre moraram efetivamente nessa moradia” (Ponto 3) e “Após as transmissões do imóvel os 1.º e 2.º Réus continuam a viver juntos, na referida moradia” (Ponto 4), salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria tê-los considerado como provados.

  20. O 1º Recorrido foi apanhado em completa contradição quando confrontado com os Avisos de Receção referentes às citações dos seus filhos, com morada na Estrada (…), os quais foi o próprio que assinou a 25.01.2017.

  21. Ora, o 1.º Recorrido afirma ter residência na Rua (…) em Águas de Moura desde 2012, porém, no ano de 2017 recebia comunicações endereçadas aos seus filhos na casa sita na Estrada (…), foi visto na referida morada por diversas vezes a realizar planos familiares e os seus veículos encontravam-se sempre lá estacionados. Da matéria de Direito XXV. A presente impugnação pauliana foi intentada pelo Recorrente para proteção do crédito que tem sobre o 1.º Recorrido, já reconhecido judicialmente.

  22. O Recorrente intentou já outras impugnações paulianas que têm por objeto similares situações de dissipação de património por parte do 1.º Recorrido.

  23. Não pode o Recorrente concordar com a sentença recorrida na parte em que considera não se verificar má-fé nos negócios celebrados pelos Recorridos.

  24. Ora, os negócios impugnados não correspondem, de forma alguma, a um enquadramento normal de negócio realizado entre pessoas independentes com o objetivo de realizarem um negócio.

  25. Os Recorridos apenas pretendiam a transmissão do imóvel para os 5.º e 6.º Réus livres de ónus e encargos.

  26. Tendo em conta que o Tribunal a quo considerou comprovada a anterioridade do crédito do Recorrente em relação aos atos impugnados, estranha-se que não tenha entendido os negócios impugnados como praticados de má-fé.

  27. Aliás, nem precisaria o Recorrente de provar que os atos foram praticados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do seu crédito, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 610.º do Código Civil.

  28. Ora, nos termos do artigo 611.º do Código Civil, cabe ao devedor o ónus da prova de que possui bens penhoráveis de igual ou maior valor, e não ao credor, ora recorrente.

  29. Porém, de todo o modo, o Recorrente provou com todo o alegado de que os atos foram sim praticados pelos Recorridos dolosamente com o fim de impedir a satisfação do crédito do Recorrente.

  30. O Tribunal a quo entendeu não se verificar provada a má-fé dos Recorridos no sentido de que estes tivessem consciência do prejuízo que poderia ser causado ao Recorrente, para efeitos de preenchimento do requisito de má-fé essencial para a ação de...

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