Acórdão nº 1821/20.3GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução08 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Local Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo abreviado n.º 1821/20.3GBABF, tendo aí, após realização da audiência de julgamento, sido proferida a seguinte decisão (transcrição): “Assim sendo e em face do exposto, o Tribunal decide absolver o arguido AA da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, sem custas, deposite, registe e notifique, remeta os autos à ANSR para efeitos de imputação de eventual imputação contraordenacional.” Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. O Ministério Público não se conformando com a douta sentença que absolveu o arguido AA da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01, vem dela interpor recurso, o qual incide sobre matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por se entender que o Tribunal absolveu o arguido devido a uma errada interpretação jurídica das normas aplicadas

2. Sem prejuízo, a título de questão prévia, e caso não tenha sido proferida decisão sobre esta matéria pelo Tribunal a quo, requer-se a correcção de erro material contido na sentença, ao abrigo do disposto 380.º, n.º 2, do Código de Processo Penal

3. Nos factos provados da sentença recorrida consta que “No dia 18/01/2020, pelas 22h30, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula …(…)”, quando do teor da própria sentença e da prova aí enunciada, resulta claro que a data indicada “18/01/2020” trata-se de mero lapso, e que se pretendia fazer constar “18/10/2020”, o que se requer

4. A questão a decidir no presente recurso subsume-se a saber se o regime de caducidade e cancelamento dos títulos de condução, previsto no artigo 130.º, do Código da Estrada, é ou não aplicável aos títulos de condução brasileiros caducados, porquanto o Tribunal absolveu o arguido, por entender que a sua conduta apenas é susceptível de integrar a contra-ordenação prevista no n.º 7 desta disposição legal

5. Ao absolver o arguido o Tribunal interpretou erradamente tal disposição legal e violou o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei 2/09, de 03/01, 121.º, n.ºs 1, 4 e 9, 125.º, n.º 1, als. c) e c), e 130.º, todos do Código da Estrada, 41.º, n.º 2, da Convenção de Viena relativa ao tráfego Rodoviário, e despacho n.º 10942/2000, publicado em Diário da República, 2.ª Série, 27.05.2000

6. O artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 2/09, de 03/01, mais concretamente o segmento “sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada”, carece de concretização, sendo que, para tal efeito, e tendo em consideração que o arguido é titular de carta de condução emitida pelas autoridades brasileiras, não basta recorrer à previsão do artigo 121.º, n.ºs 1 e 4, do Código da Estrada, sendo necessário complementar esta disposição legal com o regime previsto no artigo 125.º, n.º 1, als. c) e d), do mesmo diploma legal e com a Convenção de Viena relativa ao tráfego Rodoviário 7. O artigo 41.º, n.º 2, desta Convenção, prevê que as Partes Contratantes reconhecerão – para aquilo que nos interessa, Portugal e Brasil – o título que tenha sido emitido por outra Parte Contratante, desde que este se encontre válido. Em conformidade, o despacho n.º 10942/2000, publicado no Diário da República, 2.ª Série, 27.05.2000, reconhece que “as carteiras nacionais de habilitação brasileiras (CNH) que se apresentem dentro do seu prazo de validade habilitam à condução de veículos em território nacional, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada” (actual al. d) da mesma disposição legal, anotação e sublinhados nossos)

8. Uma vez que a carta de condução do arguido não se encontrava dentro do prazo de validade, não habilita à condução de veículos em território nacional, pelo que não se poderão aplicar as mesmas regras da caducidade e cancelamento previstas no artigo 130.º, do Código da Estrada, inexistindo qualquer violação do princípio constitucional da igualdade com tal solução (neste sentido, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 07/01/2016, processo 651/13.3PAPTM.E1, e de 22/10/2019, processo 126/18.4GBPTM.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/10/2020, processo 872/18.2SILSB.L1-5)

9. A definição do conceito de “falta de habilitação legal” não emerge do artigo 130.º, mas antes dos artigos 121.º e 125.º, do Código da Estrada

10. A Convenção de Viena relativa ao tráfego Rodoviário e o despacho n.º 10942/2000, de 27.05.2000, reconhecem que as carteiras nacionais de habilitação brasileiras habilitam à condução em Portugal desde que se encontrem válidas e não “desde que não se encontrem caducadas há mais de cinco anos”, sendo esta interpretação contrária à lei (artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil)

11. Sendo portador de carta de condução brasileira caducada à data dos factos, o arguido não tinha habilitação legal para conduzir em Portugal, porque esse título cai fora do âmbito de aplicação, quer da convenção de Viena, quer da convenção bilateral de reconhecimento mútuo, não se encontrando, assim, habilitado a conduzir, nos termos do disposto dos artigos 121.º e 125.º, ambos do Código da Estrada

12. Atento o exposto, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei 2/09, de 03/01, sendo adequado, no nosso entender, impor-lhe uma pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros).” Defendendo em síntese: “Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01.” O recurso foi admitido

O arguido respondeu ao recurso, nos termos que, em síntese, se expõem (transcrição): “1. O Ministério Público deduziu acusação contra o Arguido imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01; 2. O processo prosseguiu para Audiência Final que decorreu com observância de todas as legais formalidades; 3. O Tribunal a quo, por entender que a factualidade dada como provada não integra o crime de condução sem habilitação legal, mas antes a prática de uma contraordenação, p. e p. pelo n.º 7 do artigo 130.º do Código da Estrada, decidiu absolver o Arguido; 4. O Ministério Público não se conformando com a sentença proferida veio dela interpor recurso nos presentes autos; 5. A sentença recorrida fez correta apreciação dos factos e aplicação de Direito, devendo ser confirmada pelos seus fundamentos; 6. O objeto do recurso é em síntese saber se o disposto no n.º 7 do artigo 130º do Código da Estrada se aplica apenas aos títulos de condução portugueses ou se se aplica também aos títulos de condução estrangeiros caducados; 7. A conduta do arguido não preenche os elementos típicos do crime de condução sem habilitação legal; 8. Os elementos do tipo de crime (condução sem habilitação) são definidos pelo DL 2/98; 9. O Arguido entende que o Tribunal “a quo” fez uma correta interpretação e aplicação do direito na sentença recorrida; 10. Em face do direito aplicável e da prova produzida em juízo não poderia o Tribunal “a quo” ter decidido de outra forma, porquanto a...

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