Acórdão nº 1281/20.9T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PESSOA
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO.

AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo que se reconheça a posse dos Autores, enquanto proprietários do imóvel identificado nos autos, que se reconheça a validade do contrato de como dato celebrado entre as partes, condenando-se os Réus a restituírem a dependência que ocupam, livre de pessoas e bens.

Fundamentam tal pedido no facto de serem, na sequência de aquisição por compra, proprietários do prédio em causa, o qual é utilizado parcialmente pelos Réus a título de comodato que pretendem fazer cessar, devendo estes ser condenados a restituírem-lhes a parte do imóvel que ocupam.

Os Réus contestaram, pugnando pela improcedência do pedido, na medida em que desde 1972 que ocupam uma dependência do prédio dos Autores, sendo que, com autorização do proprietário à data, em 1974, realizaram obras e procederam à anexação da garagem àquela dependência, ali fazendo, desde aquela data, o seu centro de vida, pelo que deve ser reconhecida a composse há 48 anos do imóvel por parte dos Réus e anulado por erro sobre o objeto do negócio nos termos dos artigos 251º e 247º do Código Civil, o contrato de comodato celebrado entre as partes, absolvendo-se os Réus do pedido.

Deduziram pedido reconvencional nos termos do qual pediram que: a) se declare que existe composse do imóvel por parte dos Réus há 48 anos; b) se reconheça que o comportamento manifestado pelos Réus sobre o imóvel se concretiza na posse para propriedade, reunindo os elementos que a lei estipula, declarando-se a sua aquisição a favor dos Réus por usucapião.

Para o caso de assim não se entender, pediram que se considere que há posse para aquisição do direito de usufruto, por estarem reunidos os pressupostos para usucapião deste direito declarando-se o usufruto vitalício do imóvel a favor dos Réus.

* Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador que fixou o objeto do litígio e os temas da prova, sem reclamações.

Realizou-se a audiência final, no termo da qual veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo pode ler-se: “Em face do exposto, decide-se: Da ação Julgar parcialmente procedente a ação principal e, em consequência, decide-se: 1. Declarar os Autores AA e BB e os Réus CC e DD têm vigor o contrato de comodato celebrado em 18 de agosto de 2018 relativo à dependência localizada nas traseiras do prédio urbano sito na Rua ..., em Quarteira, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé está inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia de Quarteira e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número ..., com destino à habitação dos Réus; 2. Absolver os Réus do demais peticionado; Da reconvenção 1. Julgar totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, absolver os Autores AA e BB do pedido reconvencional deduzido pelos Réus CC e DD.” * Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Réus, formulando, após alegações, as seguintes conclusões: A – Decidiu o Tribunal a quo, julgar parcialmente procedente a ação principal, nomeadamente declarando que os Autores e os Réus têm em vigor o contrato de comodato celebrado em 18 de agosto de 2016 relativo á dependência localizada nas traseiras do prédio urbano sito na Rua ..., em Quarteira, inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia de Quarteira, com destino á habitação dos Réus. B – Foram ainda os Réus absolvidos do demais pedido, mormente do pedido de condenação apresentado pelos Autores, para a restituição da dependência que ocupam do prédio em causa nos autos. C – O Tribunal a quo considerou como provados, com relevância para o presente recurso, os seguintes factos: “7) EE, antes de por a casa à venda, falou com os Réus e disse-lhes que, para garantir que ninguém os iria importunar por estarem a viver na dependência da casa, deveriam fazer um documento a atestar esse direito, para que se ele viesse a morrer os herdeiros soubessem e respeitassem o direito dos Réus a usufruir da dependência enquanto fossem vivos (artigos 4º e 5º da contestação). 8) Nessa sequência deslocaram-se, em 6 de outubro de 2011, os Réus e o Sr. EE, ao Cartório Notarial de Vilamoura, do Dr. FF para formalizarem um documento que lhes garantia, que enquanto vivessem, habitariam e usufruiriam da dependência como sempre o fizeram e ninguém os iria importunar celebraram por escrito um acordo intitulado “Contrato de comodato”, nos termos do qual, “Considerando que o primeiro outorgante não carece de dependência localizada nas traseiras do imóvel com entrada pelo número supra do supra referido prédio e que os segundo dela necessitam, os primeiros outorgantes entregam a título de empréstimo ou comodato, essa dependência aos segundos para que se sirvam dela, estando obrigados a restitui-lo nos termos do artigo 1137º, n.º 2 do Código Civil”, tendo sido convencionado ainda que durante a vigência do contrato, os comodatários “têm a obrigação de cuidar e bem conservar a dependência emprestada, não fazendo dela um uso imprudente”, e que “este contrato teve início em 1973, em resultado da prestação de serviços efetuados pela segunda outorgante”, tal como resulta de fls. 55 a 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido 9) Os Réus, com 81 e 77 anos de idade, são pessoas humildes e com baixa literacia, desconhecendo as implicações do que assinaram nesse dia, nomeadamente o que significaria “restituir nos termos do artigo 1137º nº 2 do CC”, tendo confiando no EE (artigos 7º e 8º da contestação). 10) Guardaram o documento para o mostrarem a alguém (futuros Herdeiros do Sr. EE) se fosse necessário plenamente convictos de que estava plasmado o reconhecimento do seu direito de habitar e usufruir da dependência aqui em causa enquanto fossem vivos (artigo 9º da contestação). 11) Em 2016, quando o Sr. EE pôs a casa á venda voltaram a falar tendo este mais uma vez assegurado aos Réus que nada teriam a temer, pois ficariam a viver na dependência até ao final da vida, sem que ninguém os pudesse importunar e mais lhes garantiu que essa seria uma condição essencial do negócio (artigos 10º e 11º da contestação). 12) Os Réus não teriam assinado o documento referido em 4) se soubessem que a qualquer altura os Autores poderiam pedir a restituição da dependência e eles seriam enviados para a rua (artigo 28º da contestação). D - O Tribunal a quo formou a sua convicção, com base na análise conjugada do acordo das partes, documentos juntos e cujo teor não foi impugnado, nas declarações de parte e nas restantes testemunhas. E – Contudo a única prova documental apresentada, mormente o contrato de comodato vigente, dá total razão aos Autores, uma vez que estipula, como duração,na suacláusula segunda que “ estando obrigados a restitui-lo nos termos do artigo 1137º, n.º 2 do Código Civil”; F – Da conjugação das declarações da Autora, com os depoimentos das testemunhas EE, GG e sobretudo de HH, retira-se categoricamente que o contrato de comodato celebrado não era vitalício, e como tal estava dependente da previa denuncia pelos Autores. G – Assim impugnam os Autores os factos dados como provados 7º a 12º , que devem ser considerados não provados. H – Valorou o tribunal a quo, para a fundamentação da decisão os depoimentos conjugados dos Réus, e das testemunhas EE, GG e II. I – Contudo das declarações prestadas pela Testemunha HH, filha dos Réus, nada retirou o tribunal a quo , que considerasse relevante para a boa decisão da causa. J – E foi esta categórica ao afirmar, quando questionada se esteve presente no ato de assinatura de algum contrato de comodato celebrado pelos Réus, ora seus pais, a mesma respondeu “ só estive no primeiro contrato que os meus pais assinaram com o sr. EE e levei-o a um advogado que nos disse que não devíamos ter assinado, porque automaticamente podiam por os meus pais na rua quando quisessem”, e esclarecendo sobre as espectativas que criaram que “ logo se via o que ia dar”. K – Do seu depoimento, resultou ainda, quando questionada que, sabendo já de antemão que quando assinaram o primeiro contrato não o deveriam ter feito por indicação do advogado, porque assinaram este último que era semelhante, ao qual respondeu “pois foi como no primeiro, pronto agora vamos ver o que vem aí”, “e até procurámos casa”. L – Assim de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultou claro que os Réus, e a sua filha, tinham perfeito conhecimento da validade do contrato de comodato, nomeadamente que teriam de sair se assim fosse vontade dos Autores. M – Nesse âmbito impugnam também os Autores os fatos não provados b) e c) que deveriam ser considerados como provados, uma vez que os Autores sempre tiveram a consciência, aliás como os Réus, que o contrato de comodato não era vitalício. N – Factos esses categoricamente afirmados pela Autora, e pela testemunha HH, e que o tribunal a quo não valorou na sua motivação de facto. O – Impugnam ainda os Autores, o fato não provado g), que...

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