Acórdão nº 73/21.3T8RDD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Autora: (…), Lda.
Recorrido / Réu: (…) Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a A. peticionou que o R. seja condenado a restituir-lhe a quantia de € 12.000,00 que tinha sido entregue aquando a celebração do contrato de compra e venda de cortiça que veio a ser resolvido pelo R., acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 2.184, e dos vincendos, acrescido de indemnização no valor de € 1.576,05 pelos prejuízos sofridos com a resolução ilegítima do contrato por parte do Réu.
Alegou, para tanto, que celebrou com o Réu um contrato de compra e venda de cortiça, tendo entregue ao Réu na data de assinatura de contrato a quantia de € 12.000,00, e acordado que o remanescente do preço seria pago no ato de levantamento da cortiça; que as partes acordaram posteriormente que a cortiça não seria levantada no dia inicialmente acordado (até 30/09/2018), e que ficou acertado que o levantamento iria ter lugar decorridos alguns dias; que a 10/10/2018 contactou o Réu para levantar a mercadoria, tendo aí tomado conhecimento de que tinha sido enviado, a 03/10/2018, email comunicando que o contrato ficaria sem efeito, com perda do sinal, se a cortiça não fosse levantada até 10/10/2018, devendo avisar a intenção de levantamento com a antecedência mínima de 48 horas. Mais invocou que não recebeu o referido email, que foi reencaminhado a 12/10/2018; que tentou acertar com o Réu o levantamento da cortiça e pagamento do remanescente, o que não conseguiu, tendo vindo a apurar que o Réu vendeu a cortiça objeto do contrato a terceiros.
Conclui que o Réu incumpriu culposamente o contrato, devendo tal comportamento considerar-se como uma resolução ilícita do mesmo. Subsidiariamente, requer a condenação do Réu com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
O Réu apresentou-se a contestar a ação, alegando que a A. foi adiando o levantamento da cortiça assumindo dificuldades financeiras; que no dia 30/09/2018, aceitou aguardar pelo levantamento da cortiça por mais 2 ou 3 dias; não tendo recebido qualquer contacto da Autora, no dia 03/10/2018, por intermédio de advogado, informou a Autora que o prazo máximo para levantamento da cortiça seria o dia 10/10/2021, sob pena de resolução de contrato. Como a A. não levantou a cortiça no dia 10, deu o contrato como resolvido com fundamento no incumprimento contratual da Autora.
Deduziu pedido reconvencional com vista à indemnização de € 13.440,00, alegando que a cortiça estava no estaleiro ao ar livre, sofreu danos derivados às chuvas, o que impediu que a cortiça fosse vendida por arroba, mas apenas “a olho”, tendo ficado impedido de vender a cortiça com o peso que ela efetivamente tinha. Reclama ainda o pagamento do valor do IVA referente ao montante faturado de € 12.000,00, o que ascendeu a € 720,00.
II – O Objeto do Recurso Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando quer a ação quer a reconvenção totalmente improcedentes, absolvendo o Réu do pedido e a Autora do pedido reconvencional.
Inconformada, a Autora apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que condene o Réu a restituir-lhe a quantia de € 12.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da resolução ilícita do contrato até efetivo reembolso. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos: «1 – A Autora intentou contra o Réu (…) a presente ação, peticionando que este fosse obrigado a restituir-lhe a quantia de € 12.000,00, que a Autora lhe havia entregue aquando da celebração de um contrato de compra e venda de cortiça.
2 – Contrato esse que veio a ser resolvido pelo Réu, que, assim, não entregou à Autora a mercadoria (cortiça) objeto do referido contrato de compra e venda.
3 – Pediu ainda a Autora que o Réu fosse condenado a pagar-lhe juros de mora vencidos e vincendos, sobre a referida quantia de € 12.000,00, desde a data em que tal quantia foi paga Réu até efetiva restituição da mesma à Autora, sendo que os já vencidos à data da propositura da presente ação ascendiam a € 2.184,00.
4 – E ainda que o Réu fosse condenado a pagar à Autora a quantia de € 1.576,05 a título de indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência da resolução ilegítima do contrato por parte do Réu.
5 – O contrato em questão é um contrato de compra e venda.
6 – A quantia entregue na data da assinatura do contrato deve ser qualificada juridicamente como um princípio de pagamento e não como um sinal.
7 – Porque é essa a presunção legal que decorre do artigo 440.º do Código Civil.
8 – Presunção essa que não foi ilidida.
9 – Uma vez que nenhuma prova foi feita que permita a inversão daquela presunção legal.
10 – Sendo certo que o mero facto de as partes no contrato terem denominado como “sinal” a quantia entregue com a assinatura do mesmo não é suficiente para se concluir pela sua natureza jurídica de “sinal”.
11 – E o mesmo ocorreria ainda que não existisse a referida presunção do artigo 440.º do Código Civil, pois sempre seria necessário apurar a natureza jurídica de tal pagamento e nada no contrato indicia que as partes lhe quiseram atribuir a natureza de “Sinal”.
12 – Como bem referem Antunes Varela e Pires de Lima, em anotação ao artigo 440.º do Código Civil, “A distinção entre os casos de constituição de sinal e os de uma antecipação de cumprimento envolve, pois, um problema de pura interpretação da vontade dos contraentes. (…) Entre os elementos de que o julgador pode socorrer-se para qualificar ou desvendar a intenção das partes assume especial relevo o que se tem convencionado acerca das consequências da falta e cumprimento por parte de alguma das partes, dado o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 442.º”.
13 – Na sentença ora em recurso presumiu-se a existência de um sinal, supostamente com base numa presunção legal, que, porém, é aplicável a contratos promessa de compra e venda (artigo 441.º do Código Civil) e não a um contrato de compra e venda, como o dos autos.
14 – E considerou-se que o facto de estar inscrito no contrato a palavra “sinal”, e na ausência de prova da Autora a ilidir uma presunção legal, que, como se demonstrou, não existe no caso, tornou inequívoco para o julgador que a quantia paga pela Autora tinha essa natureza.
15 – Não se cuidando, assim, de aferir tal factualidade com outra prova, cujo ónus não era da incumbência da Autora.
16 – Sendo certo que a inclusão no contrato de “O restante será pago no acto de levantamento da cortiça”, mostra que o valor pago inicialmente, de € 12.000,00 (inscrito na literalidade do contrato como “sinal”), constituiu pagamento inicial de parte do preço, ou seja, antecipação parcial do cumprimento prevista no artigo 440.º do Código Civil.
17 – Também, e na mesma linha, na carta da Autora junta com a Réplica sob o Doc. n.º 2, de 19/11/2018, refere-se expressamente “Como é do seu perfeito conhecimento, o valor de € 12.000,00 que nós lhe pagamos referia-se ao princípio de pagamento de um negócio de compra de cortiça”; sendo que da prova feita não resulta que a mesma tenha sido respondida pelo Réu.
18 – No sentido contrário apenas os dizeres do e-mail de 03/10/2018 (rececionado pela Autora em 12/10/2018) que refere expressamente “... não terão direito à devolução do sinal no valor de € 12.000,00…”; sendo que esta questão, deste e-mail, a propósito de sinal, deve considerar-se devidamente contraditada pela Autora pela carta referida anteriormente, da Autora, de 19/11/2018.
19 – No sentido de que o valor pago era simultaneamente sinal e princípio de pagamento poderia, é certo, considerar-se resultar dos dizeres da fatura 0051, de 19/09/2018, junta sob o Doc. n.º 1 da Contestação; porém, a verdade é que faturas incidem sobre “transmissões de bens” (artigo 1.º do CIVA), ou seja sobre valores a esse título e não sobre valores a título de sinais, e a circunstância de o Réu ter interpelado a Autora, por carta de 09/11/2018, junta com a Réplica sob o Doc. n.º 1, pedindo o pagamento do IVA, mostra bem que o valor dessa fatura respeita a um pagamento de uma venda, e não a sinal.
20 – Finalmente, nos termos do artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil, “Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda de sinal ou de pagamento do dobro deste...”; a verdade é que o Réu veio deduzir reconvenção pedindo pagamento de indemnização por danos que alegou (e não provou), no valor de € 14.160,00, e não indemnização equivalente à perda de sinal no valor de € 12.000,00.
21 – Ou seja, a circunstância de pedir indemnização por perdas e danos, e não indemnização consistente na perda do valor de sinal pela Autora, demonstra que o Réu não considerava tal valor como sinal (já que nos termos do artigo 442.º, n.º 4, do Código Civil, não havendo estipulação em contrário – não existia – a existir sinal, a indemnização cinge-se única e exclusivamente, ao respetivo valor, não podendo ser pedida outra); só essa circunstância pode justificar o pedido feito na reconvenção, o qual flagrantemente, nunca deveria ter sido feito se houvesse um verdadeiro sinal.
22 – Assim, face à prova, é inequívoco que para a Autora o valor pago de €...
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