Acórdão nº 3/20.9GTPTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 3/20.9GTPTG, do Juízo Local Criminal Portalegre, em que é arguido MR, e por sentença proferida em 25 de outubro de 2021, a Exmª Juíza decidiu (na parte aqui relevante): “a) Condenar o arguido MR pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo artigo 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal - em concurso aparente com a contraordenação rodoviária causal prevista e punida pelos artigos 146º, al. n), e 147º, nº 2, do Código da Estrada - na pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de prisão; b) Suspender a execução da pena de 01 (ano) e 08 (oito) meses de prisão, aplicada ao arguido MR, por igual período de 01 (um) ano e 08 (oito) meses, mediante: i) Regra de conduta de, no período da suspensão, o arguido frequentar um curso de prevenção rodoviária/programa formativo na área da segurança rodoviária, em tempo e local a determinar pela D.G.R.S.P., devendo a D.G.R.S.P. orientar, apoiar e supervisionar o arguido quanto ao concreto programa a frequentar; ii) Obrigação de entregar à Associação Salvador a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), até ao final do período de suspensão, mediante comprovativo a juntar aos autos - artigos 50º, nºs 2 e 3, 51º, nºs 1, alínea c), 2 e 4, e 52.º, nºs 1, alínea b), e 4, todos do Código Penal. Caberá à D.G.R.S.P. acompanhar, apoiar, orientar e supervisionar o arguido no cumprimento dos deveres e regras de conduta ora impostos - artigos 51º, nº 4, e 52º, nº 4, do Código Penal

  1. Condenar o arguido MR na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, pelo período de 14 (catorze) meses; d) Condenar o arguido MR no pagamento das custas criminais (artigos 513º, nº 1, e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça em 02 (duas) UC’s (artigo 513º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, e artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao Regulamento), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie”

    * Inconformado, interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “I.- Entende o Apelante que os factos “21”, “23”, “24”, “25”, “26”, “27”, “28”, “29”, “30” e “31” da matéria considerada como provada na sentença ora em crise foram, e salvo o devido respeito, incorretamente julgados

    1. Ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo”, as imagens captadas pela câmara de videovigilância, carreadas para os autos, a fls. 5, não provam qualquer culpa, a título de negligência do Apelante. Na verdade, estas imagens, captando apenas a parte lateral do troço do IP2, dão apenas uma visão lateral do acidente ocorrido e não fazem prova se o Apelante conseguiria, ou não, ver, à data da mudança de direção, IG

    2. Não se aceita, também, o entendimento do Tribunal “a quo”, ao considerar que o veículo pesado se intrometeu subitamente na estrada. Ficou demonstrado, pelas imagens captadas pela câmara de videovigilância, referidas anteriormente, que o veículo pesado efetuou a mudança de direção suavemente, não entrando bruscamente, ou em excesso de velocidade, naquela faixa de rodagem, nem, muito menos, fazendo-o subitamente! Veja-se até, pelas referidas imagens, que o veículo pesado, conduzido pelo Apelante, antes de efetuar a manobra, estaria parado, na fila, enquanto aguardava a passagem dos outros veículos que, à sua frente, seguiam! IV.- Apesar de tudo isto, deverá ser tido em consideração, o que não aconteceu pelo Tribunal “a quo”, que estas reproduções mecânicas são demonstrativas da diferença entre altura entre o veículo pesado e o motociclo, o que, necessariamente, reduzia a visão do Apelante, dos veículos de pequeno porte que circulavam naquela via. Assim, deverá ser esta prova reapreciada

    3. Por outro lado, não foi feita qualquer prova no sentido de afirmar que o veículo motorizado, antes do acidente, se encontraria em bom estado de conservação. Na verdade, este veículo, após o acidente, encontrou-se em perda total, o que obstaria, como obstou, a que nele fossem realizadas peritagens. Andou bem o Tribunal “a quo” ao considerar que o veículo do Apelante se encontrava em bom estado de conservação, porque disso foi feita prova e resultou dos autos, mas, por apenas poder ser este facto determinado, deverá sempre ser desconsiderado que o veículo motorizado se encontrava em bom, ou mau, estado de conservação

    4. Durante a instrução deste processo, bem como a Audiência de Julgamento, a tónica foi dirigida para apurar apenas a responsabilidade do Apelante no acidente. Contudo, atenta à prova produzida, nomeadamente pela reprodução mecânica das imagens de videovigilância, bem como o depoimento de JP, foi levantada a dúvida razoável da velocidade em que IG seguia, bem como o tipo de condução defensiva, que, em entendimento do Apelante, não fazia. Não se pode considerar este facto de somenos importância e, por isso, estas provas impunham ao Tribunal “a quo” levantar a dúvida razoável sobre a responsabilidade, também, do condutor do motociclo no acidente, ora em causa nos autos. Por isto, deve ser reapreciado o depoimento de JP, entre os 5 minutos e treze segundos e 5 minutos e 25 segundos, que depôs, conforme a ata de audiência de discussão em julgamento, entre as 11 horas e 02 minutos e as 11 horas e 14 minutos, do da ADJ, ocorrida em 14 de outubro de 2021, em conjugação com as imagens captadas do acidente e constantes a fls. 5

    5. Por outro lado, entende-se que o depoimento de RN, prestado entre as 11h16 e 11h45, em sede de ADJ, bem como o relatório final, por si elaborado, a fls. 156 a 165, sopesaram, em demasia, na motivação da decisão do Tribunal “a quo”. RN não presenciou o acidente, elaborando, apenas, o relatório com recurso a elementos indiretos, que, após a ocorrência deste, recolheu e deles fez interpretação pessoal, que o Apelante discorda. Veja-se que RN nunca poderia ter aferido, da posição final dos veículos acidentados, se o Apelante conseguiria, ou não, visualizar, à data do acidente, IG, pois, o trator do veículo pesado, na sua posição final, estaria totalmente direcionado para a EN…, sentido …, não sendo, por isso, o ângulo de visão desta testemunha o ângulo do acidente

    6. A interpretação de toda a matéria de facto, anteriormente referida, deveria, ao contrário do que aconteceu, conduzir à existência de dúvidas razoáveis, quer sobre a responsabilidade de IG no acidente, quer sobre a própria responsabilidade do Apelante, e, por isso, o Tribunal “a quo”, atento o princípio de garante de processo penal in dubio pro reo, consagrado nos termos do nº 2 do Art.º 32 da C.R.P, nunca deveria ter considerado estes factos como provados

    7. Assim, conclui-se que violou o Tribunal “a quo” o direito fundamental anteriormente citado e, aplicando-se, como bem se aplicará, tal princípio, o Arguido não poderá ser julgado por tais factos, muito menos, condenado pelos mesmos

    8. Por outro lado, considerou o Tribunal “a quo”, pelo facto do Apelante não ter confessado os factos de que vem acusado, nem assumir a responsabilidade sobre os mesmos (vide facto 31 dos factos dados como provados na sentença), desfavorece-o, em sede de aplicação das penas. Ora, decorrência natural do princípio da presunção da inocência é que nenhum Arguido, mesmo em sede de cooperação com o Tribunal, tem o dever de se autoincriminar, nos termos do nº 2 do Art.º 32º da C.R.P. Por isso, ao considerar relevante o facto do Arguido não ter assumido a responsabilidade ou confessado os factos - vide, a título de exemplo, a passagem na sentença ora em crise “a não esquecer a postura revelada pelo Arguido em sede de audiência de julgamento, não confessando os factos e não assumindo a sua responsabilidade” - nunca poderia prejudicar o próprio Apelante

    9. Tudo o dito anteriormente, sempre conduziria à absolvição do Apelante

    10. Mas caso não se entenda, sempre se dirá que, vinha o Apelante acusado, nos termos do disposto pelo Artº 137º, nº 2, do Código Penal, da prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, em autoria material e na forma consumada. Na verdade, os factos pelos quais vem o Arguido acusado e que, alegadamente, consubstanciam o nexo de causalidade entre a sua conduta e o acidente ocorrido, não integram nº 2 do citado preceito legal, antes sim o nº 1. É que, a negligência grosseira sempre implicaria uma especial intensificação, não só a nível de culpa, mas também ao nível de ilícito, e só se verifica perante uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídico-legal, o que, neste caso, de forma alguma aconteceu. Atenta a dinâmica do acidente, bem como que o Apelante nunca realizou que o acidente ocorreria, nem se conformou com tal possibilidade, nem disso houve prova em sentido diverso, a negligência, a existir, seria sempre leve. Por isso, o que se impunha, e impõe, seria a desqualificação do crime para negligência, nos termos do nº 1 do Art.º 137º do Código Penal

    11. Desqualificado que seria o crime, nos termos ditos anteriormente, sempre se impunha que a moldura penal fosse balizada nos termos previstos no nº 1 do Artº 137º do Código Penal, isto é, entre pena de multa e prisão até 3 anos, sempre, nos termos do disposto pelo Artº 50º do mesmo diploma legal, suspensa na sua execução. Assim, caso não se entendesse pela absolvição do Arguido, a prova carreada para os autos sempre impunha uma medida concreta da pena mais baixa daquela que foi, necessariamente, aplicada, algo pelo qual V.Exas. irão decidir

    12. O mesmo raciocínio, anteriormente descrito, se aplica à pena acessória aplicada ao Arguido de inibição de conduzir veículos a motor por um período de 14 meses. Desqualificando-se o crime em causa, a pena acessória a aplicar terá que ser, necessariamente, mais baixa. Mas mais. Não pelo dito que deverá ser a pena...

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