Acórdão nº 194/22.4T8CBA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) proferiu decisão administrativa de cassação do título de condução n.º E-115148, do condutor AA, com os demais sinais dos autos, nos termos previstos no artigo 148.º, § 2.º, 4.º, al. c) e 10.º do Código da Estrada (CE)

Inconformado com essa decisão o cidadão visado com essa medida apresentou recurso de impugnação judicial, nos termos do artigo 59.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGC), invocando a prescrição do procedimento em que se determinou a cassação da sua carta de condução, porquanto nessa data já tinham decorrido mais de dois anos sobre a prática dos factos

O Juízo Local de … veio a confirmar a decisão administrativa, por considerar não ter ocorrido prescrição do procedimento, decidindo: «Manter integralmente a decisão proferida pela Autoridade de Segurança Rodoviária, que determinou a cassação do título de condução n.º …, ao arguido AA, nos termos do artigo 148.º, n.ºs 2, 4, alínea c) e 10 do Código da Estrada; Condenar o arguido nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC

* Adverte-se o arguido/recorrente que: Não lhe poderá ser concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (cf. artigo 148.º, n.º 11 do Código da Estrada); A efetivação da cassação ocorre com a notificação da cassação (cf. artigo 148.º, n.º 12 do Código da Estrada).» Não conformado com tal sentença recorre para este Tribunal da Relação AA, suscitando as seguintes questões: - O procedimento administrativo de cassação da carta de condução (incluindo a sua impugnação judicial) está sujeito a um prazo de prescrição de dois anos (artigo 188.º do Código da Estrada), o qual se conta a partir do momento em que se verificou a perda de pontos que a determina. «Tendo em atenção as datas da prática das infrações determinantes da perda total de pontos, da notificação das decisões que aplicaram as perdas de pontos ao recorrente e a data em que a ANSR decidiu pela cassação da carta de condução da recorrente, decorreu o prazo de prescrição do procedimento.» - A cassação da carta de condução, prevista no artigo 148.º do Código da Estrada é uma medida de segurança «de natureza híbrida» decretada administrativamente, mas vinculada aos princípios constitucionais, não podendo a mesma deixar de estar vinculada aos princípios da culpa, da proporcionalidade e da igualdade, razão pela qual a moldura fixa de 2 anos de proibição de obtenção de um novo título de condução (artigo 148.º, § 11.º do Código da Estrada) é inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, §2.º e 30.º da Constituição

Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, aduzindo, em síntese (transcrição): «- Considera o Ministério Público que a sentença recorrida não é passível de qualquer censura e não viola quaisquer disposições legais, concordando-se integralmente com a mesma

- O processo de cassação da carta de condução obedece ao artigo 148.º do Código da Estrada, sendo um processo autónomo iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução (n.º 14 do referido preceito legal)

- Mais, cumpre desde já referir que não impugnadas as decisões condenatórias, “ficou precludido o direito de requerer ou de conhecer oficiosamente a prescrição do procedimento. A única prescrição que agora pode vir a ocorrer é a das sanções aplicadas, principais ou acessórias.” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-03-2018, Processo n.º 607/16.4T8VFR.P1, relator: Vítor Morgado, disponível em www.dgsi.pt)

- Não nos afigura como razoável a aplicação do preceito legal enunciado pelo recorrente ao caso concreto, especialmente tendo em conta que todas as condenações que levaram à cassação do titulo de condução foram de natureza criminal e, portanto, com um prazo de prescrição de 5 anos, conforme o artigo 118.º, n. º1 do Código Penal

- Mesmo que a cassação do título de condução estivesse subordinada a um prazo de prescrição, neste caso concreto, não seria coerente que as penas principais e acessórias dos crimes praticados pelo arguido tivessem um prazo diverso daqueles que é estipulado para o início do processo de cassação

- Todas as considerações tecidas pelo recorrente relativas às finalidades preventivas, medida da culpa e efeitos do tempo para efeito da prossecução de infratores não revelam para o presente caso, já que estamos perante uma mera decisão administrativa e não perante uma contraordenação, sendo notória a diferença de um ato administrativo, sujeito ao Código Administrativo e uma contraordenação, sujeita ao Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro

- O artigo 148.º, n.º 1 do Código de Estrada não viola nenhum dos preceitos legais da Constituição da República Portuguesa, sendo a uma restrição dos direitos fundamentais do arguido legítima, necessária, adequada, proporcional tendo em conta tanto as condutas típicas, ilícitas, culposas e puníveis praticas pelo mesmo e a consequência de vedação de lhe ser concedido de novo titulo de condução

- Conduzir veículos a motor não é um direito livremente exercido por todos os cidadãos, mas uma conduta apenas permitida aqueles que tenham autorização do Estado para tal, através da emissão da respetiva licença de condução ou, alternativamente, através da detenção de outros títulos que permitem a condução em território nacional (como, por exemplo, cartas de condução estrangeiras)

- A proibição de concessão de título de condução não é uma medida de segurança, mas uma consequência meramente administrativa decorrente da cassação do título de condução, pelo que o princípio da culpa não tem qualquer aplicação no caso concreto

- Não revestindo tal ato a natureza de ato discricionário, não poderá também aplicar-se os princípios da proporcionalidade, sendo que o princípio de igualdade está salvaguardado, na medida em que a Administração Pública trata todos os cidadãos que se encontrem na posição do arguido de igual forma

- Pelo que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, devendo a douta sentença ser integralmente confirmada nos seus precisos termos.» Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, na intervenção a que alude o artigo 416.° do CPP, secundou integralmente a posição do recorrente. Foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência

Cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – artigos 403.º, § 1.º, 410.º, § 2.º e 412.º, § 1.º CPP

O que a lei preconiza é que o recorrente após apresentar a motivação do recurso sintetize os seus fundamentos, devendo as conclusões ser «um resumo das questões discutidas na motivação».(1) Devendo apresentar-se «concisas, precisas e claras (…)»(2). Não podem constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas sim constituírem uma síntese essencial dos fundamentos do recurso»(3). Sendo também este o sentido que lhe vem sendo reconhecido pela jurisprudência (4)

Ora, no presente caso o recorrente não elaborou conclusões. Mesmo quando em epígrafe anuncia que o irá fazer, não faz! Na verdade no segmento denominado «conclusões»… nenhuma ali se contém! O que se evidencia, desde logo, pelo facto de este ocupar 4 páginas, exatamente o mesmo número do segmento anterior! Mas também porque os fundamentos normativos não são os mesmos dos apresentados anteriormente, nomeadamente quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 148.º, § 11.º do CE

Por razões de economia processual entendemos não convidar o recorrente a apresentar verdadeiras conclusões (conforme prevê o § 3.º do artigo 417.º CPP), por se apresentarem evidentes as questões que o mesmo pretende colocar à apreciação deste Tribunal. Neste contexto e sequência, as questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes: i) Prescrição do procedimento administrativo de cassação da carta de condução; ii) Inconstitucionalidade do § 11.º do artigo 148.º do Código da Estrada (CE)

  1. A sentença recorrida (na parte relevante para o recurso) tem o seguinte teor: «(…) Fundamentação de facto Factos provados Resultaram provados os seguintes factos, com relevo para a decisão a proferir: No dia 21-09-2017, foi proferido, no processo n.º 28/17.1GCCUB, despacho de arquivamento pelo cumprimento da suspensão provisória do processo, pela prática, pelo arguido, no dia 11-03-2017, de um crime de condução de veículo em estado embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, com a injunção de proibição de conduzir veículos com o motor durante o período de 3 meses

O arguido foi condenado, no processo n.º 76/18.4GCCUB, por sentença transitada em julgado a 11-07-2019, pela prática, no dia 20-06-2018, de um crime condução de veículo em estado embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, tendo-lhe sido aplicada uma pena de multa e a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses

Por decisão datada de 01-02-2022, notificada ao arguido a 10-03-2022, a ANSR determinou a cassação do título de condução n.º … ao arguido

* Factos não provados Não ficaram por provar factos com relevo para a decisão a proferir

* Motivação da decisão sobre a matéria de facto A decisão sobre o elenco dos factos dados como provados resulta da análise crítica da prova documental constante dos autos, tendo a mesma sido apreciada à luz das regras da lógica e da experiência comum, segundo o princípio da livre apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal

Os factos n.ºs 1 e 2 deram-se como provados através do teor do Certificado do Registo Criminal do arguido, junto aos autos no dia 22-09-2022, bem como através do teor da sentença, despachos e informações juntas aos autos (cfr. fls. 9 a 16)

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