Acórdão nº 96085/17.4YIPRT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora*** I. Relatório.

BB-Unipessoal, Lda.

, instaurou procedimento injuntivo contra CC, Lda., destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária, pedindo a condenação desta no pagamento de €5.020,18, sendo €4.797,00 de capital, €172,18 de juros e €51,00 de taxa de justiça.

Para o efeito alegou ser arrendatária do espaço identificado como armazém n.º 2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, em 01 de agosto de 2013 celebrou com a R. um contrato de cedência de espaço comercial, através do qual lhe cedeu o referido armazém, pelo valor de €800,00. Posteriormente, por acordo verbal, disponibilizou à R. duas partes do espaço de outro armazém, pela quantia de €150,00 e €100,00. A R. começou a utilizar o espaço exterior, tendo as partes acordado o pagamento de €150,00 mensais, mais IVA.

Porém, em 03.04.2017, a R. denunciou o contrato, com efeitos imediatos, ficando por pagar rendas de março a abril de 2017 e maio de 2017 dos armazéns cedidos, e do parqueamento exterior entre maio de 2016 e abril de 2017.

Citada, a Ré deduziu oposição, invocando o uso indevido do processo de injunção e a nulidade do arrendamento à Autora, por falta de legitimidade do locador, sendo também nulo o contrato de cedência de espaço, celebrado com a R., também por falta de legitimidade negocial da cedente, aqui Autora.

Mais alegou que pagou à A. a totalidade das quantias mensais vencidas até março de 2017 pela utilização dos espaços cedidos e que após ter denunciado o contrato, sem cumprimento do prazo de pré-aviso, foi-lhe impedida a entrada nas instalações.

Os autos foram distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias regulada no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09.

Realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença, cujo dispositivo se transcreve: “Em face do exposto, julgo a presente ação, parcialmente procedente, por provada, e em consequência: » Julgo improcedente a exceção de nulidade dos contratos celebrados.

» Condeno a R. CC, Lda. a pagar à A. BB – Unipessoal, Lda., a quantia total de €2.767,50, referente às faturas constantes do ponto L alíneas a) a g) da matéria de facto provada, acrescendo ao valor de cada uma destas faturas, juros, à taxa legal dos juros civis, desde a respetiva data de vencimento e até efetivo e integral pagamento, fixando-se os vencidos até à data de entrada do requerimento de injunção, em € 52,73.

» Absolvo a R. da demais quantia peticionada”.

Inconformada com esta sentença veio a Ré interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1 - A Autora fez constar no contrato, celebrado com a Ré, que é arrendatária do espaço que é um armazém, identificado com o n.º 2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, descrito na Conservatória do Registo Predial de B… sob o n.º 1869 da freguesia de B…, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 6674º, nos termos de contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD - Sociedade de Transportes, Lda.

2 - Foi nesse pressuposto que a Ré se dispôs a celebrar com a Autora o contrato que ambas as partes qualificaram como um contrato de cedência de espaço comercial.

3 - Foi julgado não provado que a A. fosse arrendatária do espaço que, contratualmente cedeu à Ré.

4 - E foi julgado provado que a proprietária do imóvel é a EE – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto e não a DD.

5 - A Sentença recorrida qualifica o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, não como um contrato de cedência de espaço comercial, mas sim como um contrato de arrendamento para fins não habitacionais.

6 - Não obstante ter julgado não provado que a A. fosse arrendatária do imóvel e a DD, Lda., fosse sua proprietária, a sentença recorrida considera que “daqui não se retira que a A. não tinha legitimidade para dar de arrendamento à R os armazéns”.

7 - A legitimidade negocial para dar de arrendamento cabe aquele que puder dispor de uso e fruição do imóvel: o proprietário (art.º 1605º do C. Civil); o fiduciário (art.º 229º, n.º 1 do C. Civil), o enfiteuta (art.º 1501º, al. a) do C. Civil); o usufrutuário (art.º 1446º do C. Civil) e àquele que for administrador do bem a arrendar.

8 - A Autora não alega e a douta Sentença recorrida não julgou provada qualquer uma destas qualidades.

9 - A considerar-se que o contrato celebrado entre a Autora e a Ré configura um contrato de arrendamento é, portanto, manifesto que se trata de um arrendamento de coisa alheia.

10 - A douta sentença recorrida não deu como provado qualquer circunstancialismo que levasse a concluir que a Autora tinha legitimidade para proporcionar o gozo do imóvel à Ré.

11 - Tal legitimidade assistir-lhe-ia se a A. se encontrasse na posse ou detenção do imóvel, ou se o proprietário lhe conferisse autorização para isso.

12 - A Autora alegou que estava na posse ou detenção do imóvel porque este lhe tinha sido arrendado pela proprietária, a sociedade DD.

13 - Sucede que a alegada qualidade de arrendatária por parte da A. foi julgada não provada.

14 - Tal como não resultou provado que o proprietário do imóvel fosse a DD.

15 - Não se apurou (a sentença recorrida afirma que se desconhece) qual a relação contratual existente entre a DD e a Autora.

16 - Resultou provado que a proprietária do imóvel era a EE (que não deu autorização à Autora para esta arrendar).

17 - Não se vislumbra, pelo exposto, com que fundamento a sentença recorrida considera que “a A. tinha o direito de dispor do gozo da coisa e usou deste direito, dando de arrendamento os armazéns à R”.

18 - A considerar-se que o contrato celebrado entre a A. e a Ré configura um contrato de arrendamento de bem alheio, tal contrato é nulo por falta de legitimidade da Ré.

19 - E a sua convalidação exigiria que esta adquirisse o direito com base no qual pudesse dispor dos armazéns (de propriedade, de usufruto, etc.).

20 - O que não sucedeu.

21 - E assim sendo, não assistindo à Autora o direito de dar o imóvel de arrendamento, não estava a Ré obrigada a pagar renda.

22 - A Autora cobrou à Ré as quantias de IVA que acrescia ao pagamento da retribuição mensal, nos termos do contrato celebrado.

23 - A locação de bens imóveis não está sujeita ao pagamento de IVA, nos termos do disposto no artigo 9º, alínea 29 do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (por outro lado, quando a cedência de espaço num imóvel ou parte do imóvel se configura como um mero arrendamento, a entidade devedora dos rendimentos deve efetuar uma retenção de 25%, aquando do pagamento das rendas o que não sucedeu no caso em apreço).

24 - A ser confirmada a sentença recorrida, à Ré assistirá o Direito de exigir da Autora a devolução da totalidade das quantias de IVA que lhe foram entregues durante a vigência do contrato.

25 - Sendo que relativamente às quantias que a sentença recorrida considera devidas, havia que, desde já, deduzir as importâncias relativas ao IVA.

26 - O contrato celebrado entre a Autora e a Ré é, tal como as partes o configuraram, um contrato de cedência de espaço comercial.

27 - Tal contrato é nulo por falta de legitimidade negocial da cedente, ora recorrida, face à matéria dada como provada.

28 - E assim sendo, não assistindo à Autora o direito de ceder a utilização dos imóveis, não estava a Ré obrigada a pagar- lhe renda.

Caso assim não se entenda, 29 - O contrato de cedência de espaço comercial é um contrato atípico, inominado, diverso de um contrato de arrendamento.

30 - É, portanto, um contrato regulado “prima facie” pelo conteúdo contratual estipulado pelas partes, desde que não viole normas imperativas, sendo-lhe aplicáveis as regras gerais relativas aos contratos.

31 - O contrato de cedência de espaço comercial pode extinguir-se com fundamento na ocorrência de justa causa que torne inexigível a manutenção do vínculo contratual.

32 - Resultou provado que a recorrida impediu o acesso da recorrente aos armazéns, colocando um cadeado no portão de acesso à propriedade.

33 - Constitui justa causa para a resolução de um contrato “qualquer circunstância, facto ou situação em face do qual, e segundo a boa-fé, não exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correção e lealdade” (Batista Machado, in Pressupostos da Resolução Por Incumprimento).

34 - Resultou provado que, por correio eletrónico datado de 02 de abril de 2017, a Autora comunicou à Ré que “(…) salvaguardada à liquidação das n/faturas, é-lhe condicionado os acessos aos espaços cedidos, ocupados pelos v/artigos depositados na Rua Azinhaga do C…, Armazém n.º 2, B…”.

35 - Ora, conforme resultou provado, não existiam faturas a pagar à data de 02 de abril.

36 - Assistia, portanto, à recorrente o direito de resolver o contrato de cedência de espaço.

37 - A resolução do contrato foi comunicada à recorrida (F dos factos provados).

38 - Tal comunicação não tinha que ser efetuada por carta registada, nos termos do disposto no art.º 9.º do NRAU, por não se tratar de um contrato de arrendamento.

39 - Consequentemente, a resolução foi validamente exercida.

40 - E não obsta à resolução do contrato o facto de a Ré, ora recorrente, ter comunicado à Autora, por carta registada, datada de 21 de março de 2017, que iria “proceder à saída das instalações”.

41 - Tal comunicação configura uma denúncia do contrato, sem indicação da data em que a denúncia opera os seus efeitos.

42 - Nada permite concluir que, com tal comunicação, a Ré fez cessar o contrato de imediato.

43 - E não faria qualquer sentido que fosse essa a sua intenção porquanto havia que proceder à retirada de todo o material e à entrega do espaço cedido devoluto de pessoas e bens, o que ainda não tinha acontecido à data em que a Autora impediu o acesso da Ré aos armazéns.

44 - A...

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