Acórdão nº 463/16.2T8LAG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 463/16.2T8LAG.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]*****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1.

BB intentou contra CC e DD a presente acção de impugnação de paternidade, pedindo que por via da respectiva procedência seja excluída a sua paternidade em relação ao menor CC, devendo ser considerado apenas como filho de CC, ordenando-se a rectificação do registo de nascimento quanto à menção da paternidade e da avoenga paterna.

Em fundamento da sua pretensão invocou, em síntese, que: A paternidade consignada no registo relativamente ao menor DD resultou da aplicação pelo Registo Civil de Chemerivtsi da presunção de paternidade, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Família da Ucrânia, em virtude de ser casado com a mãe do menor; Porém, conforme resulta do teor do relatório de exame pericial realizado no Centro de Genética Médica e Diagnóstico Pré-Natal, sito na Rua do Campo Alegre nº. 1306, 4150-174 Porto, os senhores peritos concluíram, através do estudo de polimorfismos de ADN, que a probabilidade da paternidade do Autor, BB relativamente a DD é praticamente nula. Verifica-se, assim, que o menor, ora R. não é filho biológico do Autor; O Autor tomou conhecimento dos factos e deixou de agir como pai do menor, logo que foi informado pela mãe, ora Ré, de que não era ele o pai biológico, tendo confirmado tal informação através da realização de teste de paternidade no ano de 2008; No entanto, não se verificou a caducidade do direito de impugnar a paternidade porque o local de nascimento do menor foi na Ucrânia e este continua a ter apenas nacionalidade Ucraniana, sendo que, de acordo com o disposto no artigo 56.º do Código Civil Português, aplicar-se-á o Direito Ucraniano ao regime da constituição da Filiação, sendo que nos termos desta legislação, e mais concretamente, nos termos do n.º 3 do artigo 136.º do Código de Família da Ucrânia, a Filiação Paterna pode ser impugnada a todo o tempo até que a criança atinja a maioridade; e o Autor não reconhece o R. menor como seu filho, nem o trata como tal, desde que disso tem conhecimento.

  1. Regularmente citados, ambos os RR. contestaram, alegando que o Autor sabia desde o período da gravidez ou, pelo menos desde 2008, que o menor não era seu filho biológico, invocando a caducidade do direito do A. impugnar a paternidade do menor DD, por ser aplicável ao caso a lei portuguesa, uma vez que A. e RR. residem em Portugal há cerca de 15 anos, e ambos os progenitores adquiriram a nacionalidade portuguesa, estando em curso o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do menor.

  2. Por requerimento apresentado em 28.02.2018, o A. veio «”à cautela” e nos termos do artº. 584º/2 do C.P.C. apresentar Réplica», qualificação que consta igualmente na página inicial.

  3. Juntos aos autos os documentos relativos à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte dos RR., e notificados às partes, a Senhora Juíza proferiu despacho saneador, julgando procedente a invocada excepção de caducidade, com a consequente absolvição dos Réus do pedido.

  4. Inconformado, o autor apresentou o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões: «1. O douto tribunal a quo deveria ter determinado a notificação do A. para responder avulsamente à excepção de caducidade, ou convocado a audiência prévia nos termos do artigo 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., o que não fez.

  5. No entanto, em 20 de Setembro de 2018, proferiu despacho saneador no qual apreciou e julgou procedente a excepção peremptória de caducidade, absolvendo os Réus do pedido, sem ter dado ao A. a oportunidade de exercer o direito ao contraditório (artigo 3º do CPC).

  6. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais nos termos previstos no artigo 195.º do C.P.C., com a consequente anulação dos termos processuais posteriores à mesma, designadamente da sentença recorrida, que deverá ser considerada nula.

  7. Independentemente da nacionalidade actual das partes, está em causa uma relação jurídica (a filiação), constituída no âmbito de um ordenamento jurídico estrangeiro, devendo o douto Tribunal recorrer às regras de Direito Internacional Privado para determinar qual o Direito a aplicar.

  8. O douto Tribunal a quo aplicou o Direito português quando devia ter aplicado o Direito Ucraniano; no caso em apreço estamos perante uma Impugnação de Paternidade; o instituto jurídico em causa é a “filiação”, ou seja, a lei competente é designada pelo artigo 56º do Código Civil, neste caso, pelo n.º 1 do referido artigo.

  9. O que significa que, ao contrário do que, com o devido respeito, que é muito, erradamente, o Tribunal de 1.ª instância considerou, foi que a lei competente era designada pelo artigo 57º do Código Civil; no entanto, este artigo refere-se ao estatuto das “relações familiares”, e não ao instituto da “filiação”.

  10. Ou seja, a lei aplicável ao estatuto da filiação (artigo 56º do Código Civil) é determinada por uma conexão fixa, visto tratar-se da constituição de uma relação jurídica cuja subsistência não poderá ser negada por uma lei posterior, ao passo que o estatuto a que se refere o artigo 57º do Código Civil, é determinado através de uma conexão móvel, porque está em causa uma situação jurídica actual e deve ser regida pela lei pessoal actual.

  11. A correspondente regra de conflito do Código Civil da Ucrânia é o artigo 65º do referido código, sendo a lei aplicável ao estatuto da filiação determinada (tal como na lei portuguesa) por uma conexão fixa, que no caso concreto é a Lei Ucraniana.

  12. Não pode, pois, o douto Tribunal a quo fazer tábua rasa das regras de Direito Internacional Privado, sendo ainda de notar, que Portugal é membro da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado.

  13. À data em que a acção foi proposta, o Réu DD tinha 16 anos de idade e nacionalidade ucraniana.

  14. Ora, com a aplicação da Lei Ucraniana, não se verifica a excepção de caducidade julgada procedente na douta sentença; é que, perante a referida lei, e mais concretamente nos termos do n.º 3 do artigo 136º do Código de Família da Ucrânia, “a Filiação Paterna pode ser impugnada a todo o tempo até que a criança atinja a maioridade”.

    ».

  15. O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

  16. Observados os vistos, cumpre decidir.

    *****II. O objecto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, no caso em apreço, as únicas questões suscitadas são as de saber se a decisão recorrida enferma da invocada nulidade; e, em caso negativo, qual a lei nacional aplicável à situação em presença - se é a lei portuguesa, conforme considerou a primeira instância, ou a lei ucraniana, como pretende o Recorrente -, porquanto tal determina que esteja, ou não, verificada a caducidade do direito de impugnação da paternidade por parte do autor.

    *****III – Fundamentos III.1. – De facto Foram os seguintes os factos considerados assentes na decisão recorrida[4]: 1. O autor BB nasceu a 25.01.1978, na Ucrânia.

  17. A ré CC nasceu a 02.02.1978, na Ucrânia.

  18. Autor e ré contraíram entre si casamento no 21 de Setembro de 1996, na Ucrânia.

  19. O réu DD nasceu a 16.01.2000, na Ucrânia.

  20. O réu DD está registado desde 21 de Janeiro de 2000 como filho de BB e de CC.

  21. Autor e réus residem em Portugal, mais concretamente, o autor reside na Rua …, nº …-A, em Lagos e os réus residem na Praça …, bloco …, …º dtº, em Lagos.

  22. No processo n.º 1885/07.5TBPTM, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais da criança DD.

  23. Conforme resulta do teor do Relatório e exame pericial realizado no Centro de Genética Médica e Diagnóstico Pré-Natal, sito na Rua do Campo Alegre n.º 1306, Porto, os peritos concluíram, através do estudo de polimorfismos de ADN, que a probabilidade da paternidade do Autor, BB relativamente ao réu, DD é praticamente nula.

  24. O resultado do exame é do conhecimento do autor pelo menos desde Julho de 2008, tendo-lhe sido remetida a decisão pelo referido Centro de Genética Médica e Diagnóstico Pré-Natal, por carta expedida a 01.07.2008.

  25. Na data de 15 de Janeiro de 2010 foi decretado o divórcio entre autor e ré.

  26. O autor BB identificou-se na petição inicial como titular do cartão de cidadão n.º 30050587 6 ZY3, válido até 07/08/2019.

  27. A ré adquiriu a nacionalidade portuguesa por decisão de 23 de Abril de 2015, estando tal decisão registada desde 01.07.2015, e sendo-lhe fixado o nome em CC.

  28. A presente acção deu entrada em juízo na data de 20.09.2016.

  29. O Réu DD adquiriu a nacionalidade portuguesa, estando tal decisão registada desde 15.11.2017, sendo-lhe fixado o nome em DD.

    *****III.2. – O mérito do recurso III.2.1. – Da nulidade Invoca o Apelante que a sentença recorrida é nula por violação do princípio do contraditório, em virtude de ter sido proferida sem que o tribunal tivesse previamente determinado a notificação do A. para responder avulsamente à excepção de caducidade, ou convocado a audiência prévia nos termos do artigo 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C.

    Conforme já aduzimos no Acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 30 de Novembro de 2016[5], o princípio do contraditório vertido no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, e postulado pelo direito a um processo justo e equitativo que decorre do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, é um princípio que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito decidir...

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