Acórdão nº 1225/18.8T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelEMÍLIA RAMOS COSTA
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório O Ministério Público (A.) intentou a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos artigos 186.º- K a 186.º - R, todos do Código de Processo do Trabalho, entre o trabalhador Luís Ezequiel Venâncio Ferreira e a entidade empregadora “R... ” (R.), solicitando a procedência da presente acção e, em consequência, que seja reconhecida a existência de contrato de trabalho entre o mencionado trabalhador e a R., com efeitos reportados a 16-04-1984.

…A R. apresentou contestação, alegando, em síntese, que a relação contratual estabelecida entre si e o trabalhador L... é juridicamente qualificável como prestação de serviços, pelo que a presente acção deve ser julgada improcedente e, consequentemente, a R. ser absolvida do pedido.

…O Ministério Público apresentou resposta, requerendo o prosseguimento do processo nos termos do art. 186.º-N, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.

…Proferido despacho saneador stricto sensu, foi o trabalhador L... notificado nos termos do art. 186.º-L, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, não tendo o mesmo aderido aos factos apresentados pelo Ministério Público, nem apresentado articulado próprio ou constituído mandatário.

…Realizado o julgamento foi proferida sentença, em 25-10-2018, que julgou a presente acção procedente, porque provada, e, em consequência, reconheceu que entre a R. "R"... e L... existe, desde o dia 16 de Abril de 1984, um contrato de trabalho.

…Não se conformando com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem: 1. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 1.1 Impugnam-se assim os factos provados 2.1.9, 2.1.11, 2.1.14, 2.1.16 e 2.1.29 porquanto os mesmos devem ser eliminados da matéria assente.

(a) O factos provados n.ºs 2.1.9 e 2.1.11 devem ser eliminados da matéria assente na medida em que encerram um juízo de natureza jurídico-conclusiva.

(b) O factos provados n.ºs 2.1.14 e 2.1.29 devem ser eliminados da matéria assente na medida em que, por um lado incluem expressões que devem ser entendidas como matéria integrada no thema decidendum dos presentes autos, e, por outro lado, por integrarem conceitos jurídicos e não facto concretos passíveis de integrar o elenco do acervo probatório dado como assente.

(c) O facto provado n.º 2.1.16 deve ser eliminado da matéria assente tal factualidade resultou tão apenas e somente elencada no probatório atendendo às declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, não podendo o Tribunal a quo reconhecer matéria ou factualidade não alegada nos articulados.

  1. IMPUGNAÇÃO DE DIREITO 2.1 Veio o presente recurso interposto da douta Sentença que decidiu pela existência de contrato de trabalho entre o interveniente principal E...e a Recorrente.

2.2 No entanto, o Tribunal a quo deveria ter concluído pela inexistência de contrato de trabalho entre o Sr. E... e a Recorrente, porquanto se provou o contexto específico de contratação do interveniente principal, mais se apurando que o mesmo não estava integrado na estrutura hierárquica da Recorrente, não tendo horário de trabalho determinado pela Recorrente, não sendo objeto de controlo e/ou fiscalização dos períodos em que exercer as suas funções, nem recebia ordens e instruções quanto ao modo de execução da atividade.

2.3 Com efeito, os vários dos indícios de subordinação são construídos com base nas circunstâncias e modalidades de desenvolvimento da prestação / atividade, em concreto, contratada.

2.4 O que realmente decide da qualificação é o modo de execução do trabalho, sendo necessário aferir se o mesmo é realizado de forma autónoma ou sob a autoridade e direção do credor.

2.5 Os supostos indicadores de subordinação relacionados com o local e os equipamentos e meios usados na execução dos serviços contratados não têm valor indiciário e como tal não suportam a atuação da presunção prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho.

Desta forma, não é de sobrevalorizar o facto de os serviços serem prestados na sede da Recorrente e utilizando equipamentos desta (como aliás tem sido entendimento da jurisprudência superior).

2.6 O mesmo se refira em relação à sobrevalorização do indício referente à modalidade de pagamento acordada pelo serviço prestado. Com efeito, o critério do pagamento em apreço não é suficiente para daí se concluir, sem mais, pela existência de uma relação de subordinação jurídica.

2.7 Não se provou que a Sr. E... estivesse sujeito a ordens ou instruções com natureza laboral ou que sobre ele impendesse um poder hierárquico conformador da atividade desenvolvida por parte da Recorrente. Antes pelo contrário.

2.8 Não logrou ainda provada a existência de um horário de trabalho determinado pela Recorrente nem que esta exercesse qualquer tipo de controlo sobre um horário, sobre a sua entrada e saída e que sancionasse, de alguma forma, qualquer incumprimento do mesmo horário.

2.9 Acresce que não resultou provado que, por qualquer forma, o Sr. E... estivesse sujeito ao poder disciplinar da Recorrente.

2.10 Ora, os indícios respeitantes à prestação da atividade nas instalações da Recorrente (local de trabalho), à utilização de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Recorrente não se afiguram como relevantes para a qualificação da relação existente entre o Sr. E... e a Recorrente como uma relação de natureza laboral.

Acresce que o pagamento de uma avença mensal constitui já uma modalidade bastante comum no âmbito das relações de prestação de serviços. Com efeito, nada impede e até se tem tornado bastante comum, que tal remuneração tenha uma natureza fixa, não se entendendo como tal modalidade de pagamento poderá ser contrária a um vínculo autónomo.

2.11 É apodítico concluir que no caso dos presente autos, não deve o Tribunal olvidar a real vontade negocial das Partes, assumindo tal vontade especial relevância no que toca à qualificação do contrato em apreço como uma prestação de serviços e não como um contrato de trabalho.

2.12 Salvo melhor opinião, consideramos os factos respeitantes à inobservância de um horário de trabalho determinado pela Recorrente, à ausência de controlo ou fiscalização por parte da Recorrente em relação do Sr. E... assim como a não sujeição deste último a ordens e instruções são de muito maior relevância (pois respeitam ao modo concreto de execução da atividade contratada) e devem prevalecer sobre critérios absolutamente formais e artificiais (e.g. local de prestação da atividade, utilização de equipamentos e instrumentos da Recorrente, modalidade de pagamento pelo serviço prestado e atribuição de benefícios adicionais), que não permitem concluir se, no dia a dia, o prestador de serviços desenvolve a sua atividade com autonomia ou de forma subordinada.

2.13 Certo é que a vontade contratual manifestada pelas Partes durante mais de 34 anos, juntamente com os factos e circunstâncias acima referidos, respeitantes ao modo de execução da atividade, são muito mais reveladores da natureza autónoma do vínculo existente com o Sr. E... do que os critérios formais relevados e sobrevalorizados na sentença sub judice.

2.14 O juiz não está dispensado de proceder a um juízo crítico e corretivo do resultado da aplicação da presunção de laboralidade no caso concreto. Na situação vertente, apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual estabelecida entre as partes, impõe-se concluir que não se apuraram factos bastantes para caracterizar tal relação como contrato de trabalho.

2.15 Pelo exposto, não pode senão concluir-se pela inexistência de contrato de trabalho entre a Recorrente e o Sr. L....

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença do Juízo do Trabalho de Tomar. Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA!…Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.

…O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, foi tal recurso mantido nos precisos termos, tendo sido colhidos os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.

♣II – Objecto do Recurso Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Impugnação da matéria de facto; e 2) Qualificação jurídica da relação contratual existente entre Luís Ezequiel Venâncio Ferreira e a R..

♣III – Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: 2.1.1. A ré R... tem por objecto social a actividade de fabricação de artigos de papel para uso doméstico e sanitário; 2.1.2. Com início no dia 16.4.1984, L... e a ré R... acordaram verbalmente que aquele exerceria para esta as funções de programador informático na Fábrica 1, em ...; 2.1.3. Tais funções consistiam essencialmente na programação e parametrização de sistemas informáticos (ultimamente o sistema “SAP”), aplicável nas diversas áreas de actividade e departamentos da Ré; 2.1.4. Inicialmente tais funções teriam que ser necessariamente prestadas nas instalações da ré, por ser imprescindível aceder directamente aos seus computadores, e de contactar facilmente com os utilizadores que aí se encontravam (sem prejuízo das ocasionais deslocações a Lisboa, infra consignadas); 2.1.5. Nos últimos anos, pelo menos, uma parte significativa dessas funções já não carece necessariamente de ser prestada nas instalações da ré, podendo ser realizada noutro local com recurso a um computador compatível; 2.1.6. Durante os...

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