Acórdão nº 363/18.1T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

Em 1 de março de 2018, BB (A) propôs ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra CC (R), alegando, em síntese, que casaram um com o outro em 20 de julho de 2002, têm um filho comum nascido em 15 de outubro de 2008, bem como condutas do R que considera violarem, por diversas vezes, os deveres de respeito e cooperação e, por isso, a A deixou de viver com o R e vive somente com o seu filho desde 5 de outubro de 2017. Conclui pedindo com base na al. d) do art.º 1781.º do Código Civil, que seja decretado o divórcio entre a A e o R.

Realizou-se a tentativa de conciliação, com a presença de ambas as partes, que se frustrou.

O R contestou, impugnando as condutas que a A lhe imputa e conclui pela improcedência da ação.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença, onde se julgou a ação procedente, por provada, e, em consequência, se declarou o divórcio entre as partes e assim dissolvido o respetivo casamento.

(decisão recorrida) Inconformado com tal decisão, veio o R interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): “1. O Réu, ora Recorrente, não se conforma com a douta sentença que declarou o divórcio entre a Autora e o Réu e assim dissolveu o casamento entre ambos.

  1. O presente recurso abrange toda a sentença final proferida nos presentes autos, versa matéria de direito e impugna a decisão proferida sobre matéria de facto e, consequentemente, tem por objeto a reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto nos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil.

  2. O facto considerado provado no ponto “5. A autora já não ama o réu.”, dos factos provados, é um facto relativo e subjetivo até porque é circunstancial e pode ser fortemente condicionado.

  3. Em momento algum das declarações da própria Autora, esta aflorou sequer que não amava o Réu e nunca o exprimiu expressamente.

  4. Nenhuma das testemunhas referiu que “a Autora já não ama o Réu”, mas mesmo que o fizesse, este, sem qualquer dúvida, é um sentimento pessoal, que só a Autora o poderia ter expressado, o que não fez.

  5. E se não o fez a Autora ou qualquer das testemunhas, nunca poderia tal facto ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.

  6. O facto considerado provado no ponto “6. Quando a A. comunicou ao Réu a sua intenção de se divorciar, no ano de 2018, antes de 29 de setembro, o Réu, na presença do filho de ambos, segurou num braço da Autora e disse-lhe “Vê lá o que vais fazer”.”, dos factos provados, foi “fabricado” para arranjar um motivo, uma razão para a Autora apresentar queixa crime, como o fez.

  7. Mas mesmo que tivesse acontecido seria irrelevante pelo insignificante que é.

  8. O Réu põe em causa a admissibilidade deste meio de prova e o âmbito do depoimento prestado.

  9. O tribunal a quo dentro do seu prudente arbítrio e fazendo uso do princípio da livre apreciação da prova, fundamentou a decisão de facto apenas nas declarações de parte da Autora e deixou de lado as próprias declarações de parte do Réu.

  10. No âmbito de uma ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que versa sobre direitos indisponíveis, o valor probatório das declarações de parte prestadas pela Autora para prova de factos favoráveis à sua pretensão, e em plena contradição com as declarações prestadas pelo Réu, e sendo estas, como o foram, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, nunca poderia o Tribunal a quo dar como provado este facto.

  11. O Réu questiona e põe em causa o facto dado como provado no ponto 6 dos factos provados, bem como o sentido que se quer retirar deste facto dado como provado, ou seja, põe aqui em causa qual o dever violado caso tal facto tivesse mesmo acontecido uma vez em 15 anos de matrimónio.

  12. Este facto, a ter acontecido, no sentido de o mesmo integrar alguma conduta menos própria que o Réu tenha tido para com a Autora, e que o mesmo represente qualquer violação de um dever conjugal entre os cônjuges, é despiciendo que contribua sequer para a rutura definitiva.

  13. O facto considerado provado no ponto “7. Pelo menos uma vez o Réu perseguiu a A. para saber onde andava.”, dos “factos provados” é amplo, genérico e abstrato, sem estar integrado espacial e temporalmente.

  14. O tribunal a quo fundamentou a decisão de facto respeitante a este ponto 7, apenas nas declarações de parte da Autora e deixou de lado as próprias declarações de parte do Réu.

  15. As testemunhas inquiridas nada demostraram saber, direta ou indiretamente, sobre este facto em concreto.

  16. O Tribunal a quo concluiu que existiu perseguição mesmo sem a Autora o comprovar de forma inequívoca e que tal acabou por demonstrar a quebra de um dever – o de respeito.

  17. O Tribunal a quo não levou em consideração o depoimento sincero e honesto do Réu quando admitiu e referiu que não tinha intimidade com a Autora desde abril de 2017, mas não acreditou depois nas suas palavras ao dizer que nunca seguiu nem perseguiu a Autora.

  18. A decisão recorrida demonstra uma grande incongruência na apreciação das declarações de ambas as partes, no sentido de só se retirar destas os factos que ao momento se adequam para dar como provado determinado facto.

  19. Não se verifica a gravidade necessária, nem sequer a violação do dever de respeito necessária para rutura definitiva com o consequente decretamento do divórcio.

  20. Errou o Tribunal a quo quando decretou o divórcio com fundamento na violação do dever de respeito de forma grave e que consubstancia a rutura definitiva do casamento, nos termos do artigo 1781.º alínea d) do Código Civil.

  21. O facto considerado provado no ponto “8. Quando viviam juntos, várias vezes o Réu levantou-se de madrugada e deambulou pela casa onde a A. e filho de ambos também moravam a falar sozinho.”, dos “factos provados” é amplo, genérico e abstrato, sem estar integrado espacial e temporalmente.

  22. Não existe qualquer ligação entre este facto e a violação de qualquer dos deveres elencado no artigo 1672.º do Código Civil, nomeadamente dos dois considerados violados na sentença que ora se recorre – respeito e coabitação.

  23. Atendendo ao circunstancialismo em causa, com a Autora a imputar ao Réu que o levantar-se de noite e deambular pela casa (que de resto, não logrou provar nos autos), em poucas ocasiões e no circunstancialismo descrito, dificilmente se pode julgar pela violação de qualquer dos deveres elencados no artigo 1672.º do Código Civil.

  24. Não se provou que a Autora fosse pessoa de elevada sensibilidade ou de educação moral ou religiosa que fosse facilmente perturbada com esta hipotética atitude do Réu – por algumas vezes levantar-se de noite e deambular (andar) pela casa.

  25. O facto dado como provado no ponto 8, dos factos provados, mesmo conjugado com os demais, não é suficiente para se entender violado o dever de respeito de forma grave e o consequente direito ao divórcio.

  26. Também aqui houve incorreta aplicação do artigo 1781.º alínea d) do Código Civil.

  27. Dos factos considerados provados nos pontos 9, 10, 11, 12. e 13., dos factos dados como provados, não resulta a violação de qualquer dever conjugal por parte do Réu, muito menos dos de respeito e coabitação elencados pelo Tribunal a quo para fundamentar o direito ao divórcio por parte da Autora.

  28. Ao invés, a existirem, resultam da violação desses deveres pela Autora para com o Réu.

  29. Quem eventualmente violou o dever de coabitação não foi o Réu, mas sim a Autora que não mais o procurou afetivamente.

  30. Foi a Autora quem abandonou o lar conjugal sem sequer ter qualquer fundamento para tal, ou seja, abandonou propositadamente a casa de morada de família, sabendo de antemão que ao fazê-lo, iria precipitar a saída do Réu dessa mesma casa.

  31. A matéria dada como provada nestes pontos é manifestamente insuficiente para aferir da rutura definitiva do casamento, nos termos e para os efeitos da alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil.

  32. A incapacidade de partilha de vida da Autora com o Réu, que a sentença a quo diz que resulta da rotura definitiva por violação dos deveres de respeito e coabitação pelo Réu, não está suportada em qualquer prova nos autos, resultando, tão só e apenas, num “estado de alma” do Tribunal a quo.

  33. A decisão da matéria de facto provada, sob os pontos 6 a 13, teve por base apenas as declarações de parte da Autora, e estas não podem servir de sustentação à prova dos factos da ação e nessa medida, deve julgar-se não provada a matéria em causa.

  34. Nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil estão reunidos os pressupostos de ordem formal para o Tribunal ad quem proceder à reapreciação da decisão de facto.

  35. Quanto à violação do dever de respeito, a sentença recorrida julgou verificada a violação do dever de respeito, não elencando, no entanto, os factos concretos em que alicerça tal violação.

  36. Mesmo que o tivesse feito, e tendo por base os factos provados, o facto de o Réu ter tentado segurar a Autora pelo braço é irrelevante pois não se diz, nem ficou provado, que a tentativa de agarrar a Autora fosse violenta ou para a agredir ou fazer mal.

  37. Não se verifica a gravidade necessária, nem sequer a violação do dever de respeito necessária para o decretamento do divórcio.

  38. Muito menos, pelos factos dados como provados quanto à única vez que o Réu perseguiu a Autora – que não o fez – e bem assim o ter-se levantado de madrugada e deambulado pela casa por diversas vezes.

  39. Quanto à violação do dever de coabitação, o Tribunal a quo julgou pela procedência da ação de divórcio, com base no fundamento da alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil – rutura definitiva do casamento, não elencando os factos concretos em que alicerça tal violação por parte do Réu.

  40. Não se provou que o Réu tivesse violado o dever de coabitação, nem sequer que tivesse feito com gravidade, de forma a consubstanciar a rotura definitiva do casamento.

  41. Pelo contrário, foi a Autora que saiu de casa e aí regressou passados uns dias, tendo sido a própria Autora...

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