Acórdão nº 225/17.0PTFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | JOÃO GOMES DE SOUSA |
Data da Resolução | 19 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca Faro - Juízo Local Criminal de Faro, J 1 - correu termos o processo sumário supra numerado, no qual o arguido A… nascido …, na Guiné-Bissau, titular do título de residência n.º … e residente na …, Faro, a quem foi imputada a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03/01.
* Por sentença de 12 de Outubro de 2018 foi decidido julgar a acusação pública provada e procedente e, em consequência foi condenado o arguido A… pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 03/01, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada a mesma ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições: - entregar a quantia de €350 (trezentos e cinquenta euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa; - realizar as diligências necessárias à obtenção de carta de condução, por via da troca da licença estrangeira ou da inscrição em escola de condução, frequência de aulas e submissão a exames.
* A final recorreu o arguido da sentença proferida, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso, interposto da douta sentença de fls. (…), que condenou o arguido Recorrente pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.° do DL n.º 2/98, de 03 de Janeiro numa pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinando a mesma ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições: - entregar a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) à Prevenção Rodoviária Portuguesa; - realizar as diligencias necessárias à obtenção de carta de condução, por via de troca da licença estrangeira ou da inscrição em escola de condução, frequência de aulas e submissão a exames.
Da nulidade da sentença 2) O arguido foi julgado na ausência – conforme se constata pela simples leitura das actas de audiência de julgamento dos dias 11-09-2018, 20-09-2018. 02-10-20198 e 12-10-2018.
3) O arguido é natural da Guiné-Bissau e é titular de carta de condução nº … emitida pelos competentes serviços desse País, conforme decorre da informação prestada pelo IMT por oficio/fax junto aos autos em 06-03-2018 a fls…, com a refª CITIUS 108724610.
4) Dessa informação prestada pelo IMT, resulta que para além do Recorrente ser detentor dessa carta de condução, também solicitou em 22-06-2010 a troca desse Título por carta de condução portuguesa – cfr. mesmo ofício com a refª CITIUS 108724610.
5) Por seu turno, o arguido prestou declarações em sede de inquérito em 07-03-2018 e referiu que ”que não anda muito bem da cabeça, não consegue dormir e vai quase todos os dias á urgência. Que tem uma carta de condução da Guiné e pediu a troca por uma carta portuguesa mas como não andava bem da cabeça, faltou, pois não se lembrou. Anda a ser seguido pelo psiquiatra do Departamento de Psiquiatria do Hospital de Faro. Anda medicado e agora já anda melhor. Como já está melhor da cabeça agora vai tratar de tirar a carta de condução portuguesa. Quanto á sua situação económica disse: É carpinteiro vive com a sua esposa e com os 3 filhos, auferindo cerca de €500 mensais. A casa é arrendada pagando €400 mensais. A sua esposa também trabalha e os seus 2 filhos mais velhos também trabalham.” 6) Perante as declarações prestadas em sede de inquérito pelo arguido, suscitou-se a questão da sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, dado ser plausível que o arguido padeça de anomalia ou mesmo de anomalia psíquica grave com reflexos na sua capacidade de avaliar a ilicitude dos factos ou de se determinar de acordo com a mesma.
7) Assim, para os efeitos do disposto no artigo 20.º do Código Penal o grau ou a intensidade desse distúrbio só pode ser aferido por perito de psiquiatria forense, pois, a prova da anomalia psíquica e sua caracterização constitui facto probando necessariamente objecto de prova pericial, que se presume subtraído à livre apreciação do julgador, por força do disposto no artigo 163º do CPP.
8) Impunha-se, por conseguinte, que o tribunal “a quo”, antes de proferir decisão condenatória, ordenasse a realização de uma perícia psiquiátrica ao arguido, ao abrigo dos artigos 340.º e 351.º do C.P.P.
9) O que não fez, condenando o arguido na ausência e sem cuidar de saber se este é ou não portador de algum distúrbio mental que diminuísse a sua capacidade de decisão.
10) Ao não determinar, em fase de julgamento, a realização de perícia médica ao arguido, havendo razões (como acima ficou dito) para se suscitarem dúvidas sobre a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, comete a nulidade prevista na parte final da al. d), do n.º 2, do art.º 120º, do CPP – omissão de diligência que se reputa essencial para a descoberta da verdade.
11) Ao decidir sem ter em seu poder qualquer relatório médico-legal, a douta sentença também é nula por omissão de pronúncia (artigo 379.º, nº 1, al. c) do C.P.P.).
Da valoraçao da prova produzida 12) No caso em apreço o Tribunal «a quo» não procedeu à indagação necessária à determinação da personalidade e situação pessoal, económica e social do arguido, pelo que a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
13) Com efeito, na fundamentação de facto, refere a douta sentença que “A matéria atinente à situação pessoal e profissional do arguido (factos n.º 4 a 6) tiveram-se por demonstrados mediante a concatenação entre o depoimento de Joaquim Guerra e o teor do relatório social elaborado no âmbito do processo n.º 61/18.6PTFAR, cuja junção aos autos foram ordenados durante a própria audiência ele julgamento por não ter sido possível localizar e fazer comparecer novamente o arguido na DGRSP neste processo.” 14) Ora, de acordo com os nºs 1 e 2, do artigo 369º e do nº 1, do artigo 371º, do CPP, quando verifique que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o tribunal tem de avaliar da necessidade de produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção, devendo proceder à reabertura da audiência quando por ela conclua ou de imediato deliberar sobre a escolha e a medida da sanção quando negativo for o entendimento.
15) Decorre do artigo 370.º, n.º 1, do CPP “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento (…) solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.” 16) Ora, nestes autos não existia qualquer relatório social do arguido, aqui Recorrente.
17) O relatório que o tribunal “a quo” utilizou na determinação da pena elaborado no âmbito de outro processo, não espelhava convenientemente e com actualidade o enquadramento familiar, a inserção laboral, a situação económico-financeira, o nível de escolaridade, a formação profissional e eventuais problemas de saúde física e psíquica como se impõe.
18) Ou seja, o tribunal formou a sua convicção mediante a apreciação de prova não produzida em audiência, o que consubstancia VALORAÇÃO DE PROVA PROIBIDA nos termos do disposto no artigo 355.º do C.P.P.
Da violação do in dubio pro reo 19) O tribunal “a quo” aplicou ao arguido a pena de 7 (sete) meses de prisão pelo crime de condução sem habilitação legal.
20) O crime de condução sem habilitação legal é tipificado pelo art. 3º, nºs 1 do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, nos seguintes termos: 1- Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem estar habilitado os termos do Código da Estrada é punido é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
21) O bem jurídico tutelado pela norma é a segurança do tráfego rodoviário.
22) O tipo objectivo de ilícito de condução sem habilitação legal abarca a condução de veículo a motor em via pública ou equiparada, sem o respectivo título habilitante.
23) No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito, o crime consuma-se a título doloso.
24) No caso vertente resulta que o Recorrente é titular de carta de condução emitida pela Guiné-Bissau.
25) Resulta ainda que solicitou a troca de título junto do IMT – cfr. fls… dos autos.
26) O arguido não foi ouvido em julgamento tendo sido julgado à revelia.
27) Assim, perante a documentação junta aos autos ressalta uma dúvida séria e inultrapassável se o arguido, aqui Recorrente, estaria convencido que podia conduzir viaturas a motor na via publica com base no seu documento de condução e na guia/documento emitido pelo IMT a comprovar que havia solicitado a troca de título.
28) Se ele estava convencido que tal comportamento lhe era permitido, ou seja, convencido de que podia exercer a condução daquele veículo automóvel em território nacional, em virtude de ter requerido a troca da sua carta de condução, emitida pelas autoridades da República da Guiné Bissau, por carta de condução portuguesa, então, estamos perante uma situação de erro sobre a ilicitude enquadrada no artigo 17.°, n.°2, do Código Penal que exclui a culpa do agente.
29) Destarte, impunha-se a absolvição do arguido do crime de que vinha acusado.
Da medida da pena 30) A pena aplicada é excessiva porque excede a culpa do arguido.
31) É consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – cf. nº 2 do artigo 40.º do Código Penal.
32) No juízo de culpa deve predominar a culpa pelo facto, no sentido no sentido de que o objecto de valoração da culpa é também, quando não prevalentemente, o facto ilícito típico perpetrado. – cfr. Anabela Rodrigues – A determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pags. 478 e sgs.
33) É o que impõem os princípios, de base...
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