Acórdão nº 1965/18.1T8PTM-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1965/18.1T8PTM-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]*****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

Por apenso ao processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em 31.01.2019, veio BB instaurar o presente processo especial de atribuição da casa de morada de família contra CC, pedindo que lhe seja atribuída a casa que foi de morada de família onde viveu com o requerido na constância do casamento.

Em fundamento da sua pretensão invocou, em suma, que foi casada com o requerido, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de Janeiro de 2019; apesar do divórcio, continua a partilhar a casa com o requerido; a casa é propriedade da Câmara Municipal de Portimão que a deu de arrendamento à requerente por contrato de arrendamento celebrado a 3 de Fevereiro de 2000; actualmente, a renda é de € 100,10; a requerente é assistente operacional e aufere uma retribuição mensal de € 600; tem duas dívidas que está a pagar em prestações mensais de € 116,24, e € 50,92, respectivamente; o requerido é pintor de construção civil e aufere mensalmente entre € 700 e € 800; requerente e requerido não têm qualquer outro rendimento, e este não suporta outros encargos; a requerente vive ainda com a filha maior de idade; e não possui qualquer outra habitação.

2.

Realizada tentativa de conciliação, sem que tivesse sido possível obter acordo, o requerido apresentou oposição, tendo alegado, em síntese, que no contrato de arrendamento ficou a constar a requerente por uma questão prática e de gestão diária do tempo do casal, olvidando esta o vertido no artigo 1105.º do Código Civil, e que foi o requerido quem sempre pagou a renda de casa; aufere um rendimento mensal de € 800; tem as despesas domésticas com água, eletricidade, e gás, e uma dívida de € 4000 que está a regularizar em prestações de € 123,57; paga um seguro automóvel semestralmente no valor de € 77,47; a mãe é idosa estando actualmente aos cuidados da irmã do requerido, pretendendo este, no futuro, assegurar esses cuidados, para o que precisa da casa; a requerente não se encontra a residir na casa, já tendo encontrado um lugar para morar juntamente com a filha.

3.

Ouvidas as testemunhas arroladas, foi proferida sentença, julgando improcedente a acção e absolvendo o requerido do pedido.

4.

Inconformada, a Requerente apelou, finalizando a respectiva minuta com as seguintes conclusões[3]: «4. A Recorrente celebrou contrato de arrendamento com a Câmara Municipal de Portimão em 03/02/2000, no estado de casada sob o regime de comunhão de bens adquiridos; 5. Nessa habitação o casal passou a residir, juntamente com a filha de ambos, passando a constituir a casa de morada de família.

6. Assim, a atribuição da casa de morada de família deveria operar mediante a Concentração do arrendamento unicamente a favor da Recorrente, 7. Considerando que, pese embora apenas figure o nome da Recorrente no contrato de arrendamento, nos termos do art.º 1068º do Código Civil, o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente, 8. Assim, são ambos arrendatários de igual forma, e com iguais direitos.

9. No que concerne às necessidades de atribuição de casa de morada de família, não pode deixar de se verificar uma maior necessidade por parte da ora Recorrente, senão vejamos: 10. O Recorrido aufere pelo menos mais € 200,00 euros de remuneração base que a Recorrente; 11. Não possui encargos com empréstimos, ao contrário da Recorrente, que se encontra a liquidar mensalmente cerca de € 167,16; 12. Devia ainda ter sido considerado pelo Tribunal “a quo” que a Recorrente não possui quaisquer outros familiares próximos, à excepção da filha de ambos, que vive a sua vida com independência; 13. O Recorrido, por sua vez, tem a mãe, a irmã, e vários primos a residir na mesma cidade, alguns dos quais foram suas testemunhas na presente acção; 14. Por fim, terá em última instância que atender ao factor da distância, na medida em que a casa de morada de família está localizada em Portimão, a Recorrente trabalha no hospital da mesma cidade, e o Recorrido, por sua vez, trabalha na cidade de Lagoa, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos aos autos pelo mesmo.

15. Por sua vez, o Tribunal “a quo” entendeu que nenhum dos dois, Recorrente e Recorrido, demonstrou estar mais especialmente carenciado do que o outro, “sendo certo que de casa para morar ambos precisam”, pelo que decidiu julgar a acção improcedente e absolver o Recorrido do pedido.

16. A nosso ver merece acolhimento a opinião doutrinária dos ilustres Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in «Curso de Direito da Família», Vol I, 3ª edição, pág. 721 e segs.), segundos os quais, “O tribunal deve atribuir o direito de arrendamento da casa de morada de família ao cônjuge que mais precise dela, necessidade esta a inferir, por exemplo, da sua situação económica líquida, do interesse dos filhos, da idade e do estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, da localização da casa em relação aos seus locais de trabalho, da possibilidade de disporem doutra casa para residência, e que só quando as necessidades de ambos os cônjuges ou ex-cônjuges forem iguais ou sensivelmente iguais haverá lugar para considerar a culpa que possa ser ou tenha sido efectivamente imputada a um ou a outro na sentença de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.” 17. Pelo que deve ser a decisão do Tribunal “a quo” revogada, substituída por outra que julgue a acção procedente, e em consequência decida atribuir a casa de morada de família à ora Recorrente».

5.

O requerido contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

6.

Observados os vistos, cumpre decidir.

*****II. O objecto do recurso.

Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, no caso em apreço, a única questão que importa decidir é a de saber se deve ou não atribuir-se a casa de morada de família à Apelante.

*****III – Fundamentos III.1. – De facto Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1. A requerente e o requerido casaram um com o outro a 18 de Novembro de 1990; 2. Esse casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de Janeiro de 2019, já transitada em julgado; 3. A 3 de Fevereiro de 2000 a requerente outorgou contrato com a Câmara Municipal de Portimão, pelo qual esta deu de arrendamento à requerente, para sua habitação, o ….º andar esquerdo, do bloco …A, sito em C… M…, Portimão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Portimão sob o artigo …, mediante o pagamento da renda anual de 18.450$00; 4. Desde então a requerente e o requerido fixaram, nesse local, a sua residência; 5. A requerente e o requerido mantiveram-se a residir nessa casa até fevereiro de 2019, altura em que a requerente saiu de casa e passou a pernoitar noutro local; 6. Têm uma filha maior de idade que vive com autonomia; 7. A requerente trabalha como assistente operacional no Centro Hospitalar Universitário do Algarve e aufere uma retribuição base de € 600; 8. Tem como encargos mensais duas dívidas referentes ao uso de cartões de crédito, nos valores de € 4.815 e € 413,90, que está a amortizar em prestações mensais de € 116,24 e € 50,92; 9. O requerido trabalha como pintor da construção civil e aufere uma retribuição base mensal de € 800; 10. O requerido despende semestralmente com prémio do seguro automóvel o valor de € 77,47; 11. O requerido tem como familiares a mãe e a irmã, a residirem em Portimão; 12. A mãe do requerido reside com a irmã e, durante o dia frequenta o centro de dia para a terceira idade.

E foram considerados não provados os seguintes factos: 1. Sempre tenha sido o requerido a pagar a renda de casa; 2. O requerido tenha uma dívida no valor de € 4000 que esteja a amortizar em prestações de € 123,57 mensais; 3. O requerido esteja a assegurar os cuidados à sua mãe.

O pedido de divórcio[5] foi formulado pela ora Requerente, e o seu decretamento teve por fundamento a seguinte factualidade provada: «1. O autor[6] e a ré casaram um com o outro, sem convenção antenupcial no dia 17 de Novembro de 1990.

2. A relação da autora e do réu deteriorou-se desde há 7 anos atrás, tendo o Réu, por diversas vezes, ameaçado a autora, nomeadamente "que lhe iria dar um tiro", e, agrediu-a fisicamente com um murro, pelo menos, uma vez.

3. Desde então, o autor e a ré, apesar de viverem na mesma casa, não partilham quarto, não partilham as refeições e fazem vidas completamente independentes um do outro.

4[7]. Não existe por parte da autora a intenção de retomar a vida em comum com o réu».

Por acordo[8], de harmonia com os artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC, encontra-se provado que: - Actualmente a renda mensal do imóvel cifra-se em € 100,10 (cem euros e dez cêntimos).

*****III.2. – O mérito do recurso A decisão de improcedência do presente processo especial de atribuição da casa de morada de família à requerente assentou em duas ordens de razão expressas na fundamentação da sentença recorrida. A primeira, por ter sido considerado pelo tribunal a quo que “o pedido que a requerente pretende fazer valer já resulta da sua posição no contrato que celebrou com a Câmara de Portimão”. A segunda, por ter sido entendido que, “[n]enhum dos dois, Requerente e Requerido, demonstrou estar mais especialmente carenciado do que o outro. Sendo certo que de casa para morar ambos precisam”.

Insurge-se a Recorrente contra...

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