Acórdão nº 764/19.8T8BJA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

  1. BB, residente na Rua …, n.º …, 7800-…, em Beja, intentou o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra ASSOCIAÇÃO DE AGRICULTORES DO …, com sede na Rua …, n.º …, …-…, em …, peticionando a restituição provisória da posse da casinha que lhe foi dada para uso e fruição vitalícios, no recinto da Feira Ovibeja.

    Alegou, resumidamente, ser sócio da requerida, que é uma associação de direito privado, que no âmbito das suas atribuições organiza anualmente a Feira Ovibeja, sendo o requerente expositor do certame desde o seu início até ao presente. Este ano igualmente marcará presença expondo sobretudo cavalos, éguas e potros, sendo que desde há 35 anos que dispõe de uma pequena casinha, dependência de apoio à atividade em exposição, cujo direito de uso e fruição lhe foi, então, reconhecido, e de que dispõe todos os anos por ocasião da Ovibeja. Contudo, há cerca de 15 dias foi-lhe transmitido que deveria desmontar a casinha e retirá-la do espaço onde sempre se encontrou, desconhecendo em que circunstâncias tal decisão foi tomada. Assim, no passado dia 31 de Março de 2019, o requerente constatou que, pese embora a casinha não tivesse sido desmontada, a porta estava aberta e o canhão da fechadura havia sido removido, bem como se encontravam operários a retirar os fios elétricos, o que permaneceu até ao dia 3 de Abril de 2019.

    Deste modo, a ameaça real de desmontar a casinha põe em causa por diminuição substancial das condições logísticas a realização de eventuais negócios.

  2. Decretada a providência e ordenada a restituição ao requerente da casinha em causa nos autos, veio a requerida deduzir oposição, alegando, para tanto e em síntese, que a parcela onde decorre a feira e se localiza a casinha em causa nos autos apenas é propriedade da requerida desde 2006, pelo que não é verdade que a feira tenha lugar naquele terreno há mais de 35 anos ou que o requerente disponha da mesma desde tal data. No ano de 2000, a requerida construiu duas casinhas, tendo facultado o uso de uma delas ao requerente, sendo que nos últimos 19 anos o requerente não tem participado sucessiva e ininterruptamente nas diversas edições da Ovibeja. Por outro lado, foi a requerida quem instalou em 2017 a eletricidade em ambas as casinhas, pagando os respetivos consumos e, bem assim, os pagamentos das vistorias obrigatórias, pelo que o requerente limitou-se a utilizar a casinha por mera tolerância da requerida. Em razão de outros planos para o espaço, a requerida decidiu contactar os detentores das casinhas com vista à sua demolição, disponibilizando a mão-de-obra e transporte para recolocação e ainda uma compensação, o que não foi aceite pelo requerente. Deste modo, foi desmontada a outra casinha, sendo que foi desmontada a instalação elétrica da casinha do requerente por razões de segurança. Por seu turno, o canhão da fechadura da porta estava muito danificado, não tendo sido forçado ou partido, sendo possível ao requerente abrir a porta para entrar, o que nunca foi impedido pela requerida.

    Por isso, falece, desde logo, o requisito da posse, na medida em que o requerente é mero detentor, pois que a sua posse precária decorre da mera tolerância da requerente.

    Por outro lado, a requerida nada fez para impedir o acesso do requerente à casinha, pelo que não houve esbulho. Também não houve violência pois que o canhão não foi forçado ou partido, apenas se mostrava muito danificado e velho.

    Termina pugnando pela revogação da providência cautelar decretada.

    Juntou documentos e arrolou testemunhas.

  3. Procedeu-se à produção da prova indicada pela Requerida, com observância das formalidades legais, e foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Em face de todo o exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide revogar o presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse requerido por BB contra ASSOCIAÇÃO DE AGRICULTORES CC … e, em consequência determina o seu imediato levantamento”.

  4. Desta sentença veio o requerente interpor o presente recurso, apresentando conclusões que não respeitam as exigências de síntese referidas no art.º 639.º/1 do CPC, apesar do convite formulado nos termos do seu n.º3, razão pela qual não serão integralmente transcritas, delas extraindo-se de relevante as seguintes: a) Não devia ser dado como provado a matéria sob a alínea BB) e os factos dados como não provados sob os n.ºs 1), 2), 3), 4) e 5) (que deveriam ter sido considerados provados).

    b) A Mma. Juiz, erradamente, deu como provado o facto constante da alínea BB) da matéria de facto provada [Foi a Requerida que instalou, em 2017, por sua exclusiva iniciativa e a expensas suas, a eletricidade em ambas as casetas].

    c) Face à prova produzida devia apenas dar-se como provado na alínea BB) “que, em 2017, a Requerida procedeu, a expensas suas, à remodelação da instalação elétrica, designadamente, das casinhas” d) O que está em causa nos presentes autos é a restituição provisória ao Requerente da posse do direito de usufruto, que mantém há mais de 20 (vinte) anos, posse da qual se viu esbulhado pela Requerida; e) Ficou suficientemente demonstrado que, ao longo de 23 (vinte e três) anos, foi o Requerente que assumiu a realização destas obras de reparação ordinária, consistentes na limpeza, interior e exterior, no envernizamento da madeira, reparação de caixilhos, substituição de vidros, manutenção anual das baias, etc.; f) A Requerida ordena e paga a vistoria anual obrigatória, por decorrer de imposição legal, a cargo da entidade exploradora do certame, procedeu à remodelação da instalação elétrica, por razões de segurança e imperativos legais, a cargo do proprietário do certame e do bem dado de usufruto, reparou o telhado aquando do vendaval que o destruiu, por se tratar, igualmente, de despesa a seu cargo por ser o proprietário.

    g) Com efeito, a única despesa de administração, que a Requerida vem assumindo, é o pagamento da energia elétrica consumida em toda a feira, o que acontece, por existir um contador único para todo o certame, determinando a emissão de fatura única (vide documento n.º 3 junto aos autos com a oposição).

    Deve a sentença ser alterada, designadamente, no que respeita à decisão sobre a matéria de facto que se encontra erradamente julgada e, consequentemente, determinar-se por legal, a restituição da posse da casinha ao Requerente.

    ***5. Contra alegou a Requerida, defendendo a manutenção da decisão recorrida e improcedência do recurso.

    O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:

    1. Alteração da matéria de facto no sentido pretendido.

    b) Se estão verificados os pressupostos legais para o deferimento da pretendida restituição provisória da posse sobre a mencionada construção de madeira.

    ***III – Fundamentação fáctico-jurídica.

  5. Matéria de facto.

    1.1.

    A factualidade indiciariamente provada pela 1.ª instância, que se mantém, é a seguinte:

    1. O Requerente é empresário, presentemente reformado, e, durante toda a sua vida, foi sócio de diversas empresas nas áreas agrícola, pecuária (e animais exóticos), comercialização de automóveis e construção civil.

    2. De igual modo, é sócio da Requerida CC, com o n.º 363.

    3. A Requerida é uma associação de direito privado, cujo objeto social é...

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