Acórdão nº 29/17.0PESTB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOÃO GOMES DE SOUSA
Data da Resolução24 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Inquérito supra numerados, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Juízo de Instrução Criminal, J1 - a Srª JIC lavrou despacho, com data de 11-03-2019 que indeferiu a arguição de nulidade da busca realizada na residência do arguido T… suspeito da prática de um crime de tráfico de droga.

* Inconformado o arguido interpôs recurso do despacho da Mmª Juíza, com as seguintes conclusões: I- O Douto Despacho recorrido considerou que a busca domiciliária efetuada pelos órgãos de polícia criminal em 09/03/2019 é válida e legal, apesar desta ter sido efetuada às 22h15m e 23h25m, em flagrante afronta ao que foi determinado no despacho de 25-02-2019 ao abrigo dos artigos 174.º, n.º 2, 3 e 4, 176.º, 177.º, n.º 1, 178.º e 269.º, n.º 1, alínea c), todos do código de Processo Penal.

II- O Recorrente suscitou à nulidade das buscas no 1.º interrogatório judicial de detido, na medida que, na Conclusão de 25/02/2019, havia sido determinado, e bem, pela autoridade judiciária competente, ao abrigo do disposto nos artigos 174.º, n.º 2, 3 e 4, 176.º, 177.º, n.º 1, 178.º e 269.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, que procedessem a busca à residência; bem como a todos os seus logradouros, anexos, arrecadações e/ou garagens, entre as 7h e as 21h, sob pena de nulidade.

III- Consta expressamente, quer na decisão de 25/02/2019, bem como no mandado de busca e apreensão da lavra do Mmo. Juiz de Direito, Dr. Nelson Escórcio, determinação de que a busca fosse efetuada entre as 7h e as 21h, sob pena de nulidade, conforme artigo 177.º, n.º 1, do CPP.

IV- Todavia, mesmo diante de tais elementos, foi proferido despacho judicial dando como validamente realizada a busca, decidindo-se pela improcedência da nulidade invocada pelo recorrente, com o qual este não concorda.

V- Nem tão pouco concorda o recorrente com o argumento dado no despacho recorrido quando afirma e dar a entender genericamente que, todo e qualquer crime de tráfico de estupefaciente, é em abstrato, considerado criminalidade altamente organizada, quando factualmente investiga-se nos autos com relação ao recorrente, fatos suscetíveis de consubstanciarem a prática, de 1 (um) crime de tráfico de estupefaciente.

VI- Saliente-se que, o próprio Ministério Público e o Juiz recorrido concluíram, ainda que indiciariamente, “(…)que a predominância da actividade é exercida pelos arguidos F… e A…, não se tendo o modus operandi do mesmo como sofisticado ou muito organizado(..)”, e que “(…)Os arguidos estão relativamente inseridos familiar, social e profissionalmente não se dedicando exclusivamente a actividade ilícita.(…)” VII- Assim, está eivado de ilegalidade o Douto Despacho recorrido, na parte que refere que a busca domiciliária efetuada pelos órgãos de polícia criminal é válida e legal, visto que foi realizada, sem autorização judicial, na forma excecional do preceituado no artigo 177, n.º 2, a) do Código de Processo Penal.

VIII- Salvo o devido respeito, não pode o recorrente concordar com os fundamentos apresentados no Douto Despacho, visto que, uma busca domiciliária noturna (entre as 21h e as 7h) só poderia ser realizada pela polícia, caso tivesse autorização judicial excecional e expressa, e quando muito, se fosse verificado uma situação grave que implicasse a necessidade urgente de tal diligência, como por exemplo, no caso do flagrante delito.

IX- Não sendo esse o caso dos autos, uma vez que o arguido foi detido no interior de sua residência, quando se encontrava a dormir junto de sua família, entre às 22h15 e às 23h15m, e sem o devido consentimento do arguido e de seus familiares.

X- Na realidade a busca a casa do mesmo, havia sido autorizada pelo Juiz nos termos dos artigos 174, n.º 2, 3 e 4, 176.º, 177.º, n.º 1, 178.º e 269.º, n.º 1 alínea c), todos do CPP, sendo de uma clareza solar a nulidade da busca na casa que no momento era habitada pelo recorrente e sua família.

XI- Assim, não pode o recorrente concordar nem aceitar a decisão do despacho recorrido que considera que a busca domiciliária foi realizada em plenas condições de legalidade, utilizando-se equivocadamente o disposto no Art.º 177, nºs. 2, al. a) do Cód. de Proc. Penal, que é regra excecional, quando na verdade o que consta no despacho de 25/02/2019 que determinou a busca, é a regra do Art.º 177, n.º. 1, do Cód. de Proc. Penal. (Art. 176/1 do CPP) XII- O art.º 177/2 do CPP, permite de forma excecional, para além dos casos de detenção em flagrante, consentimento do visado, que nos casos criminalidade altamente organizada, à autoridade policial, prévia e devidamente autorizada pelo juiz, efetue a busca domiciliária noturna (entre as 21 e as 7h).

XIII- O motivo para tanto cuidado é que a busca domiciliária noturna policial põe em causa, de um modo particularmente grave, os direitos fundamentais da inviolabilidade do domicílio (art.º 34 da CRP) e da reserva da intimidade da vida privada e familiar (art.º 26, n.º 1 da CRP).

XIV- A interpretação da norma que a possibilita terá sempre que partir do seu carácter excecional e a realização de uma busca tem assim [por ter de respeitar as exigências constantes do art.º 18/2 da CRP), como regra fundamental, o cumprimento dos princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, que foram violados no despacho recorrido.

XV- Por isso, a exceção da proibição de buscas domiciliárias noturnas só vale para casos especialmente graves, e salvo melhor juízo, o despacho de 25/02/2019 que determinou a busca, foi claro e específico que esta deveria ser efetuada entre às 7h e as 21h, sob pena de nulidade, na medida que não foi demonstrado qualquer elemento de fatos suscetíveis de consubstanciarem a prática de criminalidade altamente organizada.

XVI- Pelo que terá de aceitar-se, desde logo, que uma busca noturna realizada por uma OPC, que tinha por fim a procura de “objetos e instrumentos relacionados com a prática delituosa indiciada nos autos”, teria que ser, pelo menos, em extremo necessária e urgente e para uma situação grave, para justificar a violação do domicílio e da reserva da intimidade da vida privada e familiar, do recorrente.

XVII- Ora, no caso dos autos, nada há que aponte para essa extrema necessidade e urgência na procura de objetos, tanto que, na decisão de 25/02/2019, o Juiz subscritor, a requerimento do Ministério Público, deixou claro que a regra a ser utilizada naquela busca, era aquela prevista no n.º 1, do artigo 177 do CPP, e não a regra excecional de busca domiciliária noturna invocada no despacho recorrido no n.º 2 do mesmo artigo.

XVIII- Em suma, a busca policial domiciliária noturna foi feita sem que o pudesse ser, concretizando-se assim num método proibido de prova, pelo que as provas por ela obtidas (no caso: os objetos apreendidos) não podem ser utilizadas (art.º 126.º, n.º 3 do CPP), e na parte que é possível, deve ser devolvida ao recorrente.

XIX- Desta feita, já que a nulidade foi invocada pelo arguido durante o 1.º interrogatório judicial e ratificada neste recurso, tal nulidade da busca é causa da nulidade consequente da apreensão feita durante a busca. (arts. 126/3 e 122/1 do CPP) XX- A impossibilidade de utilização da prova obtida ou a nulidade desta prejudica o despacho que determinou a medida de coação, vez que a prova proibida/nula foi utilizada na fundamentação da decisão, bastando para o efeito que ela seja um dos meios de prova invocados, mesmo que não seja o elemento preponderante para a fundamentação da decisão do tribunal, o que efetivamente aconteceu.

XXI- O despacho que determina uma medida de coação fundado em prova obtida por método proibido/em prova nula é, também ele, nulo. [art. 122/1 do CPP). (Ac. STJ de 20-02-2008 – Processo: 07P4553) XXII- Conforme art.º 194.º, n.º 7 do CPP, não podem ser considerados para fundamentar a aplicação de qualquer medida de coação, os factos e os elementos do processo que não tenham sido comunicados.

XXIII- O que no caso quer dizer que estamos perante uma medida de proibição de contatos e apresentações periódicas semanais aplicada, sem que de todo se saiba quais os fatos criminosos imputados e os elementos do processo que os indiciam, e que por isso não pode subsistir.

XXIV- Para além desta consequência – da impossibilidade da consideração de qualquer facto criminoso ou elemento indiciário obtido da busca ilegal de 09 de março de 2019 - e se não fosse ela, a falta de referência a quaisquer factos concretos que preenchessem os pressupostos de aplicação da medida, implicaria a nulidade do despacho, conforme art.º 194.º, n.º 6, a, b, c, d CPP.

XXV- Não há um único facto em concreto que tenha sido referido como fundamento da afirmação de que existe perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, de que o Recorrido continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

XXVI- E quanto ao invocado, pela decisão recorrida, risco de alarme social atenta a natureza do crime...

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