Acórdão nº 225/20.2T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I Em 23/01/2020 A… com os sinais nos autos, veio propor contra B…, igualmente com os sinais nos autos, a presente ação de impugnação de Habilitação Notarial de Herdeiros e de Habilitação Judicial de Herdeiros, pedindo, numa decisão de procedência que: - Seja declarada/o: a) nula, inválida e ineficaz a habilitação notarial referida no seu articulado; b) que são herdeiros legítimos e legitimários do C... a sua viúva B..., o seu filho D..., a aqui autora em representação de seu pai, e o filho do de cujus E...; c) que fazem parte da herança aberta por óbito do C... o prédio e o estabelecimento de albergaria/hotel acima referidos e todos os demais bens móveis e imóveis existentes no seu património e da Ré B... à data da sua morte; - Se ordene: d) o cancelamento do registo na conservatória do registo predial do referido imóvel a favor da Ré feito com base na aludida habilitação notarial.

A Autora fundamentou tais pedidos em suma, no seguinte: Em 19-02-2019 foi celebrada uma escritura de habilitação notarial de herdeiros (Cartório Notarial em Portimão), da mesma constando que: «(…), (…) e (…), declararam perante a Notária: “Que, no dia 14 de Janeiro de dois mil e dezanove, na freguesia e concelho de Portimão, faleceu, sem testamento ou outra disposição de última vontade, C..., no estado de casado sob o regime da comunhão geral de bens e em únicas núpcias de ambos com B..., natural que foi da freguesia de (…), concelho de (…); (o falecido) teve última residência em Areias de Porches, Albergaria (...), Porches, Lagoa.

[1] Que, o falecido deixou como única herdeira a viúva, B..., natural de (…), França, de nacionalidade francesa, residente habitualmente em (…), França, com o nif. (…). Que não há quem legalmente com ela prefira ou concorra à mencionada sucessão.” Assim o disseram.» Esta última parte das declarações dos outorgantes não corresponde à realidade, sendo falsas.

C... foi casado no regime de comunhão geral de bens com a ora ré, que lhe sobreviveu.

Porém, fruto de uma anterior relação com F…, o C... teve dois filhos, um deles falecido em 31.08.2018. Ao filho falecido sobreviveu uma filha, a ora autora e, por isso, neta do C....

A autora e o seu referido tio E... são herdeiros legítimos e legitimários por óbito daquele seu pai e avô. Existe ainda um outro filho, nascido das relações carnais do de cujus com a Ré B..., de nacionalidade francesa.

Desse modo, o ato notarial titulado (habilitação) padece de falsidade e consequente nulidade ou invalidade substancial ou material, pelo que é ineficaz, tornando nulo e de nenhum efeito o ato de registo predial, com base nele feito, a favor da Ré.

A Ré, B...

contestou, alegando, em suma, o seguinte: É de nacionalidade francesa e sempre residiu em França. Tem bens em Portugal, por isso, tem endereço fiscal em Portugal correspondente ao estabelecimento comercial de hotelaria, comercialmente denominado de “Albergaria (...)”.

Mais declarou aceitar o mencionado em 5º a 7º[2], 13º, 20º e 21º da P.I. por ser verdade.

Impugnando tudo o mais.

Explicitando: O de cujus faleceu com a última residência em Portugal em (…), Albergaria (...), Porches. Contudo, isso aconteceu porque no momento em que se encontrava em Portugal adoeceu e acabou por falecer no Centro Hospitalar (…). Para efeitos fiscais naturalmente foi referido que o de cujus teve a sua última residência em Portugal em (…), Albergaria (...) em Porches, mas o mesmo dividia a sua vida entre Portugal e França.

O de cujus tinha residência em Portugal e em França, dividindo o tempo entre estes dois países. Desconhecia a Ré e desconheciam as testemunhas que foram ao cartório notarial, a existência dos outros filhos e neta, para além do filho da Ré.

Esta e seu falecido marido haviam feito um acordo matrimonial (alteração ao regime de bens) no qual acordaram que em caso de falecimento de um deles o sobrevivente herdaria todos os seus bens sem exceção. Estando o seu regime matrimonial sob a alçada da Lei francesa, esse acordo é válido, tal como o é, a escritura de habilitação e o ato de registo efetuado em uso da mesma.

Em resposta a Autora, invocou entre o mais, a nulidade do acordo matrimonial (não transcrito na certidão de casamento) na parte em que ofende o direito sucessório, seja por imposição da lei francesa (art.1389º do Código Civil francês), seja por imposição da lei portuguesa, que proíbe a alteração da ordem sucessória, a exclusão dos filhos e neta da herança paterna e avoenga, sendo imperativas e de interesse e ordem pública as nomas relativas ao instituto sucessório.

E reafirmou ter sido em Portugal a última residência habitual do de cujus, requerendo várias diligências com vista a comprová-lo.

Por despacho de 12/05/2021 a Mmª Juíza então titular decidiu agendar Audiência Prévia para 17/09/2021 com o seguinte objeto: 1. Tentativa de conciliação / 2. Discussão e delimitação do objeto do litígio / 3. Ponderação acerca do conhecimento imediato do mérito da causa (convidando-se a ré a juntar os originais dos documentos apresentados) / 4. Aperfeiçoamento que se mostre necessário na sequência dos debates / 5. Enunciar os temas da prova / 6. Conhecer das reclamações que venham a ser apresentadas / 7. Apreciar os meios de prova / 8. Agendar e organizar a Audiência Final.

Em 17/09/2021, em ata de audiência prévia, uma outra Senhora Juíza, nova titular, proferiu saneador sentença conhecendo do mérito da causa, justificando poder fazê-lo “tendo em consideração a alegação das partes afere-se que está em causa a decisão de questões de direito”.

E decidiu julgar: “A presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência: 1) Declaro a ineficácia da escritura de habilitação de herdeiros como meio de prova, celebrada a 19.02.2019, no Cartório Notarial da notária Dr.ª (…), sito na (…), em Portimão.

2) Não se procede à Habilitação Judicial de Herdeiros.

3) Não declaro QUE FAZEM PARTE DA HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DO C... O PRÉDIO sito em (…), lugar e freguesia de Porches, concelho de Lagoa, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o nº (…) freguesia de Porches E O ESTABELECIMENTO DE ALBERGARIA/HOTEL E TODOS OS DEMAIS BENS MÓVEIS E IMÓVEIS EXISTENTES NO SEU PATRIMÓNIO E DA RÉ B... À DATA DA SUA MORTE; 4) Determino o CANCELAMENTO DO REGISTO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL a favor da Ré B..., “por sucessão hereditária”, através da AP. (…), do prédio sito em (…), lugar e freguesia de Porches, concelho de Lagoa, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o nº (…) freguesia de Porches, COM BASE NA HABILITAÇÃO NOTARIAL.

Custas pela Ré.” Não se conformando com o teor do Despacho Saneador/Sentença, dele veio a Ré interpor Recurso, concluindo do seguinte modo as suas alegações: A.

O Tribunal a quo no Despacho Saneador/Sentença estabeleceu que o objeto do litígio é a impugnação de uma escritura de habilitação de herdeiros.

B.

E que os temas de prova seriam apurar se existe falsidade da escritura de habilitação de herdeiros; apurar qual o ordenamento jurídico aplicável e apurar se todos os pedidos devem ser considerados procedentes.

C.

O Tribunal a quo considerou que a Ré, aqui Recorrente na sua Contestação admitiu que o seu marido e de cujus teve a sua última residência em Portugal e D.

Que são falsas as declarações das testemunhas da Escritura de Habilitação de Herdeiros quando referem que a única herdeira do de cujus é a Recorrente.

E.

Isso é algo que o Tribunal a quo não pode concluir porque não é verdade e não se aceita.

F.

Aliás a Recorrente ao longo da sua Contestação deixa bem claro que o de cujus tinha residência alternada entre Portugal e a França, ou seja, vivia aproximadamente 6 meses em Portugal e 6 meses em França, como a seguir será demonstrado.

G.

O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente admitiu como verdadeiro o referido de 5 a 7 da P.I., o que não é verdade.

H.

Apurar a residência do de cujus é o aspeto fundamental da presente ação cível, derivando daí a aplicação da Lei Sucessória e consequentemente a eficácia ou ineficácia da Escritura de Habilitação de Herdeiros bem como o cancelamento ou não da inscrição predial em nome da Recorrente.

I.

O Tribunal a quo não considerou a Contestação da Ré/Recorrente na sua totalidade.

J.

Na realidade, o Tribunal a quo não distingue residência do de cujus, de última residência do de cujus, confundindo-as.

K.

O Tribunal a quo não quis ter em consideração as inúmeras provas documentais que o ligam a França e o fazem aí residente.

L.

Evidentemente que na escritura de habilitação de herdeiros é referido que o de cujus teve a última residência em (…), Porches porque o mesmo faleceu quando se encontrava em Portugal, podendo o mesmo ter sucedido caso estivesse em França.

M.

Na certidão de óbito é mencionado o último endereço do de cujus, tão somente isso.

N.

Não é mencionado que o de cujus tinha residência habitual em Portugal até porque o funcionário da agência mortuária que fez essa declaração perante a funcionária da Conservatória do Registo Civil não teve o conhecimento para estabelecer a residência habitual do de cujus. Fê-lo por saber que naquela data a sua última morada foi o seu estabelecimento comercial em Porches.

O.

O Tribunal a quo trabalhou e decidiu em premissas erradas por entender a última residência do de cujus como se fosse a residência habitual do de cujus.

P.

Quando em toda a Contestação o mesmo mandatário da Ré refere exatamente o contrário por diversas vezes.

Q.

Desde logo a Ré na sua Contestação assim o menciona, vide art. 18 e 19: Para efeitos fiscais naturalmente foi referido que o de cujus teve a sua última residência em Portugal (...) em Porches, mas o mesmo dividia a sua vida entre Portugal e França.

Pelo que o seu falecimento bem que poderia ter acontecido em França porque aí passava a maior parte do ano na companhia da sua esposa aqui Ré.

R.

A Ré ao longo da sua Contestação volta a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT