Acórdão nº 210/19.7T9TNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1. RELATÓRIO Nos autos em referência, (...), intervindo como assistente, deduziu acusação particular contra a arguida (...), imputando a esta a prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal (CP).

Tal acusação não foi acompanhada pelo Ministério Público, por entender que, do inquérito, não resultam indícios suficientes da prática do crime de difamação, sendo que, ainda, considerou não se verificarem todos os elementos objetivos do tipo de ilícito da denuncia caluniosa, que (...), na sua queixa, imputara também a (...).

A arguida veio requerer a abertura de instrução e, realizada esta, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Santarém, Comarca de Santarém, culminou na prolação de decisão de instrutória de não pronúncia da mesma pela prática do crime de difamação.

Inconformada com tal decisão, a assistente interpôs recurso, formulando as conclusões: 1.- O presente recurso vem interposto da decisão instrutória que não pronunciou a arguida pela prática de um crime de difamação, previsto e punível, pelos arts.º 180, nº 1, 182º, 183º, nº 1, alíneas a) e b) todos do Código Penal.

  1. - A recorrente não se conforma com tal decisão porquanto, com todo o respeito por mais douta opinião existem nos autos fortes e sérios indícios da prática do crime de difamação pela arguida.

    Nomeadamente, esses fortes indícios resulta da prova documental, destacando-se o email de fls. 32 e da cópia certificada do processo disciplinar que foi movido à recorrente, bem como resulta da prova testemunhal nomeadamente dos depoimentos das testemunhas: (…) cujos resumos dos depoimentos se encontram no precedente artigo …º da motivação deste recurso.

  2. - Por outro lado, como acima se evidencia a fls. 32 dos autos consta um email elaborado e subscrito pela arguida ao provedor da Santa Casa da Misericórdia – onde constam as imputações falsas e comportamentos que a arguida atribui à assistente (designadamente os constantes dos artigos 8º, 10º, 14º, 15º, 17º e 18º da participação de 8º a 12º, 14º, 15º, 17º, 18º e 22º da acusação particular) que esta nunca teve e que são falsos e ofensivos da honra e consideração pessoal e profissional da recorrente.

  3. - Ou seja, a prova documental onde constam os indícios é abundante quanto aos factos descritos na acusação.

  4. - Além disso, um dos objetivos da instrução é a discussão da decisão de arquivamento ou de acusação que leve a arguida a julgamento, e a submissão a julgamento não exige a prova no sentido de uma certeza da existência do crime, bastando-se com a comprovação de indícios (suficientes) da ocorrência do crime, que permita formar a convicção de que há uma probabilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguida e da aplicação de uma pena ou medida de segurança, conforme decidido no Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 12-03-2014.

  5. - Nesta senda, em face dos elementos probatórios recolhidos em sede de inquérito constata-se que existem indícios suficientes da prática, por parte da arguida, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação.

  6. - Importando confrontar a essencialidade da prova testemunhal e demais prova carreada para o processo, conducente, no caso, à acusação, e que não foram, com o devido respeito por douta opinião, bem ponderados e confrontados na douta decisão instrutória em crise, 8.- Já que em presença da factualidade carreada para o processo e acima destacada, designadamente, a prova testemunhal e principalmente o email da arguida enviada ao Provedor da Santa Casa da Misericórdia de (...) junto a fls. 32.

    Neste email a arguida imputa à assistente a prática de condutas de assédio moral e do crime de perseguição, pois, no email que escreveu e está junto a fls. 32, lê-se claramente no assunto e primeiro parágrafo “assédio moral” e “situação de assédio moral a que tenho sido sujeita reiteradamente desde Julho de 2017, por parte da Dra (...)”.

  7. - Como é do conhecimento geral e em especial da arguida, aquele email foi levado à reunião da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de (...) e como afirma a testemunha (…) os factos relatados pela arguida no email de fls 32 na sua opinião consubstanciam a eventual prática de ilícito criminal.

  8. - Ou seja, também da prova testemunhal resulta que a arguida naquele email de fls. 32 que enviou ao Provedor para ser presente à Mesa Administrativa imputa à assistente a prática de crime, pelo que também por este aspecto só se pode concluir que a recorrida sabia que ao fazer as afirmações que fez e as imputações narradas no mencionado email agiu com o propósito concretizado de ofender a aqui assistente, na sua honra e na consideração, 11.-E resulta, ainda, que com sua atrás descrita conduta, a arguida representou tal resultado como consequência possível da sua conduta e agiu conformando-se com o mesmo.

  9. - Aliás, da leitura atenta dos presentes autos, resulta claramente que a arguida, pessoa licenciada, com contatos com os tribunais profissionalmente, sabia perfeitamente que ao fazer tais afirmações e imputações, que sabia falsas, estava a ofender a honra e consideração da assistente.

  10. - E, pelo menos, representou que ao escrever e enviar para a entidade patronal da assistente um email com semelhantes afirmações e imputações de perseguição no trabalho por parte da ofendida estava a ofender a honra desta e conformou-se com a sua conduta.

  11. - E a arguida sabia e sabe que as palavras e imputações supra narradas, de forma falsa ou completamente deturpada, eram aptas a atingir a assistente na sua honra e consideração, o que quis e, ainda assim, quis produzi-las e destiná-las a terceiros, como o fez, com o propósito de denegrir, diminuir e humilhar a assistente e atingir na sua reputação, honra e consideração, bem sabendo que a sua conduta é punida por lei, por violar, ilicitamente, o direito ao bom nome, à honra, ao respeito e consideração devidos à assistente, resultado que a arguida previu e quis alcançar, conforme fez.

  12. - Assim deve ser alterada a decisão instrutória no sentido de que estão indiciados nos autos: - ao proferir as palavras e imputações supra narradas a arguida tivesse agido com o propósito concretizado de ofender a aqui assistente, na sua honra e na consideração ou que tal decorresse necessariamente da sua atrás descrita conduta ou que tivesse representado tal resultado como consequência possível da sua conduta e tivesse agido conformando-se com o mesmo; - a arguida soubesse que as palavras e imputações supra narradas eram aptas a atingir a assistente na sua honra e consideração e que, ainda assim, quis produzi-las e destiná-las a terceiros, como o fez, com o propósito de denegrir, diminuir e humilhar a assistente e atingi-la na sua reputação e consideração, bem sabendo que a sua conduta é punida por lei, por violar, ilicitamente, o direito ao bom nome, à honra, ao respeito e consideração devidos à assistente, resultado que a arguida previu e quis alcançar, conforme fez.

  13. - E tal ressalta do próprio teor e redação do email de fls. 32, nomeadamente e entre o mais aquele email começa logo em “assunto” com a seguinte expressão: “solicitação de procedimento disciplinar por assédio moral”, ora se não quisesse atingir a honra e consideração da assistente, a arguida limitava-se a descrever factos que demonstrassem qualquer tipo de perseguição e não a solicitar/ exigir qualquer processo disciplinar.

  14. - Não mentia descaradamente relativamente à imputação e insinuação de falta de cumprimento de prazo dos Tribunais por culpa da assistente alegando que esta não identificava os erros que aquela cometia; imputando de forma vexante à recorrente que fazia rumores e comentários maliciosos sobre ela, mas não os concretizou tais rumores ou comentários! 18.- O elemento objectivo deste crime está preenchido, pois a arguida dirige um escrito a terceiros (Provedor e elementos da Mesa Administrativa) onde imputa à assistente factos e faz juízos ofensivos da sua honra e consideração.

    O email de fls. 32 elaborado e enviado pela arguida, preenche aquela relação triangular: a arguida envia o email ao Provedor da Santa Casa da Misericórdia de (...) (que sabe que o tem de apresentar à Mesa Administrativa constituída por 7 elementos), imputando comportamentos e atitudes falsas, desonrosas e ofensivas à assistente.

  15. - Como defende a doutrina invocada no corpo desta motivação o facto ofensivo traduz-se num juízo de existência ou de realidade, cuja revelação atinge a honra do seu protagonista. O facto pode ser comunicado sob a forma de uma suspeita, ou seja, de uma proposição dubitativa sobre a verificação do facto e “o juízo (…) dever ser percebido, neste contexto, não como a apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor”.

    Os comportamentos e atitudes que a arguida imputa à recorrente, que exercia as funções de coordenadora da RLIS e exerce funções de representação da instituição em vários organismos, são claramente de tal forma iníquos e até criminosos o que ofende choca a assistente e até os representantes da sua entidade patronal.

  16. - E não podemos aceitar o argumento da liberdade de expressão ou do exercício de um direito de queixa, já que o escrito da arguida ultrapassa largamente aqueles direitos e serve especialmente para atingir, vexar, humilhar a honra e consideração da assistente.

  17. - Havendo uma inequívoca vontade e intenção de manchar, ofender e desonrar a assistente na sua honra pessoal e profissional, que desempenha funções de técnica superior do serviço social, há vários décadas e há muito com funções de chefia e coordenação de vários trabalhadores daquela instituição, onde o seu bom nome, honra e consideração foi vilipendiada pela arguida, já que esta acusa a assistente da prática de comportamentos que integram prática de um crime de perseguição (cfr. o primeiro e o segundo paragrafo de fls. 32).

  18. -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT