Acórdão nº 1236/20.3T8PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Portalegre, A… impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pela empregadora Comissão de Melhoramentos do Concelho de Sousel.

Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, concluindo pela ilicitude daquela decisão e pedindo o pagamento de indemnização de antiguidade correspondente a 40 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de trabalho, tendo em consideração “o elevado grau de ilicitude do despedimento”, bem como as retribuições de tramitação devidas desde o despedimento e ainda € 1.698,11 por outros créditos salariais.

Na audiência de julgamento foi celebrada conciliação parcial, restrita aos outros créditos salariais peticionados, relativamente aos quais a trabalhadora reduziu o seu pedido à quantia de € 644,60, que a empregadora aceitou pagar.

Prosseguindo a causa para conhecimento dos pedidos associados à ilicitude do despedimento, realizou-se julgamento, após o qual foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente e declarando regular e lícito o despedimento.

Introduzindo a instância recursiva, a trabalhadora conclui: 1. A Recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 24 e 25 dos factos provados.

  1. O Tribunal a quo considerou estes factos como provados, a Recorrente entende que a resposta a dar deveria ser não provado.

  2. Os meios de prova que impõem decisão diversa da tomada pelo Senhor Juiz da causa são: o depoimento de (…) – quanto ao ponto 24 e 25 minutos 03:55, 10:40; 18:58; 29:38; 46:09 e novamente chamada à sala minuto 01:36; o depoimento de (…) – quanto ao ponto 24 e 25 minutos 04:17; 07:03; 10:30; 21:00; 23:50; 26:17; 28:17; 30:54 e novamente chamada à sala minutos 01:05 e 03:50; o depoimento de (…) - quanto ao ponto 24 e 25 minutos 01:55; 06:25 e 10:19 e o depoimento escrito de (…).

  3. O Tribunal deu como provado que “24 – Nessa altura, a arguida agarrou-o pela orelha, levando-o para o seu lugar à mesa. 25 – Após ter sido sentado à mesa, o referido utente tentou levantar-se, no que foi impedido pela arguida, que o empurrou para o assento, dando-lhe uma palmada na nuca.” 5. Da análise dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas que afirmam terem assistido integralmente ao desenrolar da situação ((…) e (…)) não pode resultar que a Recorrente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, tenha puxado a orelha do utente e dado uma palmada na nuca para ele se sentar.

  4. Uma vez que, as duas testemunhas têm versões dos factos completamente dispares no que respeita a: localização das testemunhas, localização do utente e da Recorrente, acção da Recorrente sobre o utente, presença de outras colegas no mesmo espaço, reacções do utente após o sucedido.

  5. Contudo, pese embora os depoimentos das testemunhas (…) e (…) se apresentem titubeantes, contraditórios em muitos aspectos, lacunosos e pouco espontâneos, conforme pode ser verificado das passagens supra transcritas, diz a sentença recorrida que “Tais testemunhas, que prestaram depoimentos espontâneos, pormenorizados, esclarecidos, e que, a nosso ver, se revelaram absolutamente isentos e credíveis (…)”.

  6. A verdade é que, sobre os factos que são imputados à trabalhadora como fundamentais para o seu despedimento foi apenas produzida prova testemunhal, sendo que os seus depoimentos apresentaram contradições relevantes. Isto é, sobre o essencial não foi produzida prova escorreita, inequívoca e clara que quanto a nós pudesse convencer o Tribunal.

  7. Caso tivesse sido feita uma análise da prova de maneira isenta, distanciada, segundo as regras gerais da experiência comum e da lógica, essa factualidade teria necessariamente que ser dada como não provada.

  8. Pois, a ser verdade que a Autora tivesse agredido um utente deficiente, atenta a gravidade do facto (como sublinha, aliás, a decisão recorrida), nada justifica que, volvido apenas um ano da alegada prática dos factos, uma testemunha diga que a agressão consistiu em agarrar a orelha para levar o utente para o lugar a uma distância de 3 a 4 metros, mais uma palmada na nuca; outra testemunha diga que a agressão consistiu em agarrar o utente pela orelha para o sentar na cadeira que estava ali, porque se encontravam junto à mesa; e a última testemunha diga que a agressão consistiu em “amochar as mãos os (…) às orelhas” ou “pegou nas orelhas do (…) com as duas mãos”.

  9. Não se compreende como podem tamanhas contradições ser consideradas como não relevantes. Repare-se, não estamos a falar na localização, nem de posicionamento dos intervenientes, nem no número de bofetadas; estamos a falar em três tipos de agressão completamente diferentes que segundo as três testemunhas terão decorrido nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, não se tratando de uma acção contínua em que cada uma das testemunhas visualizou apenas uma parte da acção, mas de uma única acção da Autora sobre o utente.

  10. Perante a prova produzida fica-se sem saber se a Autora agrediu ou não o utente, e mais ainda, como decorreu essa agressão e em que consistiu.

  11. Sendo certo que, consistindo esses factos nos fundamentos da decisão de despedimento o ónus da prova quanto aos mesmos cabia à Ré entidade empregadora (artigo 387.º, n.º 3 e 4 do Código do Trabalho).

  12. Logo, os pontos 24 e 25 dos factos provados deveriam ter sido julgados como NÃO PROVADOS.

  13. Quanto à decisão da matéria de Direito, atendendo à factualidade que considerou provada – quanto a nós erradamente – a sentença recorrida considerou que a Autora violou o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do Código do Trabalho e que essa violação, pela sua gravidade e consequências, se circunscreve nas alíneas a) e d) do n.º 2, do artigo 351.º do CT, encontrando-se também verificada a previsão do n.º 1 e n.º 3 do mesmo artigo. Contudo, na decisão de despedimento a entidade empregadora apenas considera violado o dever contido na alínea c), do n.º 1, do artigo 128.º do Código do Trabalho.

  14. Certo é que não consta da matéria de facto provada quando, quais e em que circunstâncias a Ré deu ordens, instruções, orientações ou directrizes que a Autora não tenha cumprido no exercício das suas funções de “Ajudante de Lar” ou “Ajudante de Acção Directa”, que pudessem integrar a violação do dever de obediência laboral.

  15. E o mesmo se diga – falta de factos provados – em relação a eventuais comportamentos da Autora que pudessem ser integrados nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 351.º do CT, considerando os conceitos jurídicos que infra se expõe.

  16. E, para efeitos de aferição da justa causa de despedimento, começa, logo, a decisão sub judice por afirmar que “este comportamento não é admissível e que a Ré, enquanto entidade empregadora, não lhe podia ficar indiferente do ponto de vista disciplinar, não subsistindo condições para que a trabalhadora continue ao serviço, uma vez que a sua presença seria factor de perturbação internamente, nos serviços, na relação com os seus superiores hierárquicos e sobretudo com os utentes.”(sublinhado nosso) 19. Sucede que, não ficou provado no processo, nem sequer foi alegado pela Ré que a manutenção da trabalhadora era causa de qualquer perturbação nos serviços, na relação com os superiores hierárquicos e com os utentes.

  17. Esta afirmação nem sequer foi concretizada pela Meritíssima Juiz a quo, em termos de saber a que perturbação em concreto se refere, ou sequer fundamentada a razão de ser de tal afirmação, pois nenhum dos superiores hierárquicos afirmou não conseguir voltar a trabalhar com a Autora, nem nenhum utente ou familiar de utente algumas vez afirmou não ter confiança no trabalho da Autora ou manifestou qualquer reserva quanto a permanência da mesma ao serviço na instituição.

  18. De igual modo, nem tampouco foi ponderada ou alegada pela entidade empregadora a aplicação de outra sanção menos gravosa que permitisse preservar o vínculo laboral, mesmo com a alteração de local de trabalho ou mudança de funções.

  19. O que significa, salvo melhor opinião, não ter sido demonstrada qualquer situação de impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.

  20. Para aplicação da sanção disciplinar mais gravosa torna-se necessário estabelecer o necessário nexo causal entre a prática da infracção disciplinar, tal como configurada pelo empregador, o respectivo grau de culpa do trabalhador e a impossibilidade da manutenção da relação laboral.

  21. Logo, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, devendo tanto a gravidade como a culpa ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um empregador normal, em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.

  22. Acresce que, este episódio foi acto isolado nos 18 anos que prestou serviços no Lar, não sendo conhecidas queixas dos utentes ou das colegas da arguida da arguida no que diz respeito ao seu desempenho profissional ou relativamente ao seu trato para com os utentes (ponto 28 dos factos provados).

  23. É Atento todo o circunstancialismo supra descrito – antiguidade, inexistência de passado disciplinar, atribuição de funções para as quais não foi contratada e não recebeu formação...

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